Produção de
notícias falsas: de quem é a responsabilidade? "Pra muita gente, confiável
é quem fala aquilo que ela quer ouvir".
A enxurrada
de notícias falsas na internet, que é motivo de preocupação de observadores e
agentes da comunicação, mistura descuido, interesses e más intenções. Em debate
realizado na manhã de hoje (5), o jornalista e cientista político Leonardo
Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil, disse que os divulgadores das
chamadas fake news, que ele chamou de "submundo", já se tornaram
fontes de informação. "A parte invisível da internet, os sites anônimos,
que não têm expediente, que não tem quem assina, já formam opinião tanto quanto
a parte visível", afirmou.
O evento foi
promovido pela Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado
(Facom/Faap). Foi a primeira edição de uma parceria com o jornal espanhol El
País – outras duas já estão programadas para este ano. "A gente está
vivendo um momento tão complicado no Brasil que qualquer motivo é motivo para
virar fake news", comentou a editora-executiva do El País Brasil,
Carla Jimenez, citando caso ocorrido ainda ontem, sobre uma informação a
respeito de emenda para prorrogar o mandato do atual governo.
"Antes
do desmentido, já tinha ido pros blogs de esquerda e essa notícia pegou fogo.
Essa ansiedade, a insatisfação e o estado emocional do país favorecem também
essa disseminação de informações." Carla contou ter se assustado quando um
jornalista catalão disse a ela estar espantado com o grau de polarização no
Brasil. "A Catalunha (região da Espanha) vive esse dilema da
separação há muitas décadas, e ouvir isso dele me chocou."
Autor de
livro com título autoexplicativo (O que aprendi sendo xingado na internet),
Sakamoto citou três casos em que foi envolvido em divulgação de falsas
notícias. Contou que foi xingado e agredido na rua, além de alvo de uma cuspida
(que não o acertou). "Na internet, o ônus da prova é do acusado. Você tem
de provar que você não fez alguma coisa que alguém acabou colocando."
Há também
aqueles que ajudam a espalhar essas notícias por identificação. "Pouco
importa pra muita gente se aquilo é verdade ou mentira, o que importa é que
aquilo pode ser usado como munição na guerra virtual. Você começa a usar aquilo
à exaustão. Mesmo portais verdadeiros acabam caindo também nesse
processo", diz Sakamoto, para quem a preocupação principal deve ser
"qualificar o debate público".
Como se faz
isso? Por exemplo, não dando likes (a imagem em que o polegar aparece
levantado, sinal de que gostou da publicação) para coisas absurdas que se
espalham na redes. "A partir daí, você tem a construção de uma
verdade", afirma o jornalista, para quem a trollagem "é uma
ciência".
O caso da figurinista Su Tonani, que recentemente
denunciou o ator José Mayer por assédio, também levou a uma notícia falsa, de
que eles teriam sido amantes. Isso a motivou a novamente se pronunciar, em um texto publicado no blog
#AgoraÉQueSãoElas, no portal UOL.
Checagem
Segundo a
coordenadora do curso de Jornalismo da Faap, a jornalista e cientista social
Mônica Rugai Bastos, uma preocupação básica do profissional deve ser buscar as
fontes, de preferência as que originaram a informação. Ela destaca a
responsabilidade da mídia, mas também chama a atenção do leitor, do receptor da
notícia. "Os veículos de comunicação também têm responsabilidade. (Devem)
checar a informação, para uma produção de qualidade. Se a sociedade quiser,
terá notícia de qualidade", afirmou. Mas muitas vezes, observou, à
preocupação é de "repercutir o próprio ódio".
Uma falsa
notícia sobre o fim do programa Bolsa Família chegou a ter mais de 400 mil
compartilhamentos. Sobre a "prisão" do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, nove em 10 notícias compartillhadas eram fakes. Às vezes, uma
simples consulta ao Google pode resolver o problema, diz o jornalista e
cientista político André Rossi, sócio-fundador da Veto, empresa de inteligência
de redes.
Ele também
sugere desconfiar de sites com nomes que tentam "imitar" veículos
conhecidos, citando a Folha Política. Rossi lembra que Google e Facebook
começam a adotar medidas para tentar barrar a multiplicação de falsas
informações. Também começa a aumentar o número de organizações que fazem
checagem – segundo Carla Jimenez, chegam a 115, um número que o fundador da
Veto ainda acha pequeno.
O debate
lembrou a influência das notícias falsas nas recentes eleições
norte-americanas. Em entrevista ao El País em novembro do ano
passado, o diretor da Escola da Jornalismo da Universidade de Columbia, Steve
Coll, via um ambiente contaminado por esse tipo de notícia e citou o exemplo da
informação inverídica de que o Papa Francisco apoiava Donald Trump – 1 milhão de
compartilhamentos.
Para
Sakamoto, as notícias falsas já influenciaram a eleição brasileira em 2014. Ele
citou a informação espalhada nas redes de que o doleiro Alberto Youssef tinha
sido envenenado e estava à beira da morte em Curitiba. Não adiantaram nem
sequer os desmentidos da própria Polícia Federal. "Acho que isso só tende
a piorar. (Há) desde estruturas estruturas armadas para isso, mas também
tem muita gente que é paga", afirmou, destacando a criação de perfis
falsos, mas aparentemente convincentes. "Pra muita gente, confiável é quem
fala aquilo que ela quer ouvir."
A uma
pergunta sobre o caso Escola Base, sempre lembrado em escolas de
Jornalismo, a coordenadora do curso da Faap observou que o repórter sempre deve
questionar, entre outras coisas, por que algumas autoridades falam sobre
determinados assuntos quando a investigação ainda está em curso. "Muitas
vezes elas querem aparecer, e a mídia é uma das melhores formas pra isso."
Mas ela ressalva que, naquele caso, a notícia original saiu de um delegado.
"Tinha fonte."
O diretor da
Repórter Brasil avalia que um dos problemas é a "falta de pluralidade"
no espectro ideológico, em relação aos meios de comunicação. "Há espaço
para todo mundo. O ideal seria que a gente tivesse veículos contemplando
todo o espectro político, para que a população pudesse escolher." Em um
momento em que todos podem ser "produtores" de notícias, ele disse
esperar que "a gente esteja vivendo apenas uma adolescência da
internet", à espera da maturidade.
Do 247