Imagem de Eugênio Aragão
Tem gente
que conduz procedimentos investigatórios criminais e ações penais como se
fossem um espetáculo de luta livre. Dão um péssimo exemplo para o país e provam
o desprezo pelo Estado de Direito.
Um desses
implacáveis lutadores livres togados mora em Curitiba e dispõe de vasta claque
num auditório ensandecido que entra em êxtase ao ver sangue vermelho escorrer
pela sarjeta da república. Desconhece limites. Tudo pode.
Os tribunais
guardiões da ordem jurídica ora coonestam-no, ora se acumpliciam, ora se
acovardam.
É verdade
que hoje há magistrado de cúpula que troveja indignação com sua forma
extravagante de jurisdicionar, mas o faz com cinismo seletivo: enquanto o
brigão forense desferia suas voadoras nos políticos que não são de sua
afinidade, silenciava ou chegava, até, a aplaudir e ovacionar; hoje, tendo o
encrenqueiro resolvido dar caneladas nos de seu rebanho, deblatera midiaticamente.
Não falta
blogueiro oportunista para dar razão ao seletivo magistrado de cúpula, quando,
antes, era puxador do coro em favor dos zigue-zagues processuais do juiz de
piso. Dançava com pomponzinhos de torcida americana feminina e gritava “give me
an M, give me an O, give me an R, and give me an O…“, e, agora, passa às vaias
e aos apupos sonoros contra o antigo herói.
No circo de
torcidas celeradas, de quem joga saco de urina sobre a platéia de baixo, sobra
pouco para a dignidade da Justiça.
Nossa cultura
jurídica se assemelha cada vez mais à cultura da antiga “Geral” do Maracanã,
onde a balbúrdia, o empurra-empurra e o baixo calão eram rotina.
Quando o
obscurantismo passa a ser a cosmovisão dos poderosos, não se pode deixar de
prestar homenagem aos que não se intimidam e continuam a nos brindar com sua
corajosa voz:
“Pobre del
cantor de nuestros días
que no
arriesgue su cuerda
por no
arriesgar su vida.
Pobre del
cantor que nunca sepa
que fuimos
la semilla y hoy somos esta vida.
Pobre del
cantor que un día la historia
lo borre sin
la gloria de haber tocado espinas.
Pobre del
cantor que fue marcado
para sufrir
un poco y hoy está derrotado.
Pobre del
cantor que a sus informes
les borren
hasta el nombre con copias asesinas.
Pobre del
cantor que no se alce
y siga hacia
adelante con más canto y más vida.
Pobre del
cantor que no halle el modo
de tener
bien seguro su proceder con todos.
Pobre del
cantor que no se imponga
con su
canción de gloria, con embarres y lodos.
Pobre del
cantor de nuestros días
que no
arriesgue su cuerda por no arriesgar su vida.
Pobre del
cantor que nunca sepa
que fuimos
la semilla y hoy somos esta vida.”
(Pablo
Milánez, Pobre del Cantor).
Um desses voceros
é Eduardo Guimarães, ou Edu, para os muitos admiradores de seu caráter e
personalidade. Seu jornalismo investigativo é apurado, cuidadoso e honesto sem
ser piegas. É alguém como você e eu, “the man next door“.
Não almeja
glória nem riqueza. Almeja respeito e reconhecimento por sua seriedade profissional.
Não se
rebaixa ao mercenarismo vulgar de quem o chama de aventureiro. Não destila ódio
sob encomenda.
Não tem
vergonha de expressar seu ponto de vista, balizado por sólidas e testadas
informações advindas de uma rede de fontes que cultiva com sincera amizade,
fiel sem deixar de ser crítica.
Edu é um
homem livre. E sua liberdade incomoda. Incomoda aos que se venderam aos
interesses escusos e praticam uma comunicação suja, sem compromisso com os
fatos, somente com as versões interesseiras.
Edu os desmente.
Edu lhes mostra que há uma comunicação de escol, desprendida dos poderosos e
endinheirados. Ele é o que os praticantes do jornalismo lacaio não conseguem
ser. Vêem-no querido e admirado e sentem-se despeitados como a raposa de La
Fontaine ao falar das uvas.
“Aventureiro”!
Façam-me rir. Têm inveja de seu direito de ousar e vencer! Por isso
“aventureiro”…
Edu é um
Indiana Jones cercado de caçadores de tesouros nazistas. Caçadores de fama a
todo custo, que usam seus podres poderes para dificultar a missão do honesto e
desajeitado arqueólogo.
Mas, como
sói ocorrer com Indiana Jones, suas virtudes acabam sempre vencendo os vícios
de seus malfeitores.
É isso,
talvez, que explique o imbroglio em que se meteu o processualista de Curitiba
ao determinar, ao arrepio da constituição e de tratados de proteção de direitos
humanos, o varejo na residência de Edu, para tentar descobrir sua fonte
de informação sobre a suposta iminência de diligências que teria ordenado
contra Lula.
O possível
furo do bravo jornalista talvez tenha “melado” o espetáculo que estava por
acontecer e conferir mais fama ao brioso magistrado.
Ao
determinar a medida coercitiva contra o jornalista, o juiz fez pouco caso da
circunstância de já ostentar, ele próprio, relação contenciosa pessoal contra
est’último; a contenda notória obviamente não recomendava que fosse, desse
juiz, se legítima, qualquer iniciativa de busca e apreensão, por sugerir
conflito de interesses e, consequentemente, sua suspeição.
Mas em
tempos nos quais magistrados de cúpula podem mudar de público sua opinião de
acordo com o alvo de seus juízos políticos; em tempos nos quais o candidato à
vaga suprema aceita convite para agradável jantar num love boat, com seus
inquisidores senatoriais às vésperas da sabatina constitucional; em tempos nos
quais um ministro do STF chama publicamente seu colega de inimputável por
decisão que este tomou e não lhe agradou… nesses tempos tudo é possível.
Não é uma
busca violadora da prerrogativa profissional de um jornalista que vai causar
escândalo. Brigas pela xepa são comuns em final de feira e não atraem
indignação de ninguém.
Mas Edu
venceu. Edu não foi desmentido em sua informação sobre o projeto de se alvejar
Lula para fechar-lhe o caminho para as eleições de 2018. E isso apesar de ter
seu computador devassado, sua agenda e seu celular violados.
Apesar de
ter sido sequestrado da cama matrimonial às seis da manhã e mantido sem contato
com seus advogados e familiares, em franca violação das mais comezinhas
garantias processuais de qualquer arguido.
Venceu.
Mostrou-nos a que ponto chega o complexo persecutório policial-judicial em
nosso país para matar doentia curiosidade sobre quem teria sido a fonte de
informação do jornalista, dado sagrado e protegido pela constituição como
pressuposto básico do direito à comunicação.
Edu, que nem
Indiana Jones, completou com sucesso sua missão e merece o Prêmio Pulitzer.
Já os
brigões… ah os brigões! Além de obrigados a voltar atrás em sua senda
inconstitucional para resguardar a face, passaram a merecer o prêmio da xepa de
ouro, pelo deprimente “barraco” encenado para a sociedade cansada desses
arroubos corporativos na contramão da cidadania.
Do
Blogdacidadania, por Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma
Rousseff, professor da Universidade de Brasília e advogado.