Fala-se
muito na ausência de Estadistas nos diversos poderes da República e nos
diversos partidos políticos. Por tal, definem-se aquelas pessoas com visão
clara sobre um futuro incerto, que se propõem a construir as bases para a nova
era, desviando-se das armadilhas do curto prazo.
Faltou
Estadista na mídia.
Ontem,
dois diretores de redação procederam a uma autocrítica tardia dos abusos
cometidos na Lava Jato. Admitiram que foram a reboque dos vazamentos, que
assassinaram reputações de inocentes e que não cumpriram o papel de filtros da
informação.
Lembro-me
do longínquo 1999, na CPI dos Precatórios. Embora de modo mesmo intenso, havia
um vazamento escancarado de informações, de todos os lados, sem que houvesse
uma estratégia de cobertura, com cada veículo querendo dar seu furo e comendo
nas mãos das fontes.
O
principal responsável pelo golpe, ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf,
conseguia passar incólume pelo noticiário. Desenvolvi uma narrativa à parte da
cobertura, juntei peças que estavam soltas e, remontado o quadro, aparecia
nitidamente o papel de Maluf.
A
não ser o caso do jornalista Fernando Rodrigues, que saiu nitidamente em defesa
do ex-prefeito, tentando desqualificar as evidências que apontavam para ele, o
restante da blindagem era fruto exclusivo da falta de preparo da cobertura.
Narro essa guerra jornalística no meu “O jornalismo dos anos 90”.
Instado
por Otávio Frias Filho, apresentei internamente sugestões para coberturas desse
tipo.
O
primeiro passo seria criar uma Sala de Situação, com jornalistas experientes,
na redação, fora do calor das batalhas diárias, juntando as informações e
planejando a cobertura. O grande desafio seria montar uma narrativa inicial,
plausível, uma espécie de fio de Ariadne que ajudasse a cobertura a se
localizar nos labirintos da notícia.
Depois,
ir juntando informações em torno da hipótese inicial, com suficiente
discernimento e flexibilidade para mudá-la, caso os fatos levassem a isso.
Se fugiria da armadilha de procuradores que se tornam prisioneiros da
narrativa inicial e passam a enfiar provas a marteladas para manterem a
coerência com o errado.
No
caso da Lava Jato houve mais do que essa falta de competência da cobertura da
mídia. Havia o propósito político claro de usar as informações como armas de
guerra. Não apenas na Lava Jato, mas em toda cobertura jornalística desde 2005.
Era óbvio que, no mar de notícias fake que se seguiu à ampliação das redes
sociais, a grande estratégia do jornalismo seria o filtro. Preferiam ser os
alavancadores das falsas notícias.
Em
qualquer grande país, há um grande jornal de centro-esquerda, outro de
centro-direita, mas ambos respeitando integralmente a notícia. O respeito à
notícia faz parte das qualidades intrínsecas do jornalismo, como gelar é função
da geladeira, cozinhar do fogão. A geladeira pode ter mil badulaques. Mas sua
qualidade intrínseca é de gelar. Os veículos podem ter linhas políticas
distintas. Mas sua qualidade intrínseca é bem informar.
Tudo
isso foi deixado de lado. Agora se tem esse desafio inglório de divulgar
pesquisas para tentar explicar ao leitor que o jornalismo pátrio é o remédio
contra as fakenews.
Que
jornalismo? O que anunciou a invasão das FARCS no Brasil, os dólares de Cuba
remetidos em garrafas de rum, a ficha falsa de Dilma, o respeitado assessor que
não passava de um pequeno estelionatário, o esgoto diário e semanal despejado
sobre o país durante tanto tempo?
Por
trás do macartismo enlouquecido, praticou-se toda sorte de jogadas. E, como não
existe Estadista na mídia, permitiu-se, nesse período, a consolidação final do
poderio da Globo.
Enquanto
jornais transformavam blogs em seus adversários preferenciais, a Globo
abocanhava parcelas cada vez maiores da publicidade das estatais.
Hoje
se tem essa situação humilhante, dos jornais equilibristas. Na reportagem,
denúncias contra Michel Temer, para impedir a desmoralização final dos
veículos. Nos editoriais, apoio, para impedir o corte de publicidade.
Ainda
vai levar algum tempo para perceberem que os maiores defensores do jornalismo
foram os jornalistas que denunciaram essas distorções monumentais, que acabaram
por liquidar com a credibilidade do jornalismo pátrio. Mas que só conseguiram
externá-las longe dos jornais. O pluralismo dos anos 90 tinha se transformado
em muralha intransponível.
GGN