Peça 1 – o fator Lula
Cientistas sociais mais atilados – como
José Luiz Fiori e o
nosso Aldo Fornazieri – entenderam o enorme potencial político da
última aparição de Lula, antes da prisão, e seus desdobramentos nas lutas
políticas das próximas décadas.
É curiosa a superficialidade da imprensa e, especialmente, de
alguns personagens centrais da trama, como os Ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal).
Ante um episódio que marcará a história do país nas próximas
décadas, jornalistas experientes estavam mais preocupados em especular sobre o
líquido que Lula bebia, ou tratar como privilégio o fato de ser confinado em
uma solitária com banheiro. E Ministros do STF celebravam seu poder, como que
bradando aos ventos “eu tenho a força”.
Não entenderam nada, quanto efêmera foi a vitória. Aliás, só
entenderão o termo “julgamento da história” um pouco mais à frente, quando
começarem a pipocar nas academias os estudos sobre esse episódio infame.
De um lado, a perseguição de que Lula foi alvo, a invasão de
sua casa, de seu quarto conjugal, a perseguição aos filhos, a criminalização da
esposa, a quantidade de factoides utilizados nos processos, a violência
inaudita da mídia e o ódio que disseminou no país. De outro lado, a figura do
pacificador, aquele que, até a véspera da sua prisão, defendeu a democracia e
os direitos dos mais necessitados. Quanto mais Lula estiver afastado do
público, mais forte será essa leitura.
Quando Lula bradou que não era mais uma pessoa, mas uma
ideia, os idiotas da objetividade riram. Mas a genialidade política dele estava
contemplando as próximas décadas, enquanto a visão pedestre dos Barroso,
Fachin, Rosa, Carmen, Fux limitavam-se ao momento. Uma foto de Ricardo Stuckert
vale mais do que quatro horas de trololó de Luis Roberto Barroso.
A cada dia de prisão, mais crescerá o mito Lula, da mesma
maneira que outros grandes pacificadores, como Mandela e Ghandi. A cada dia de
perda dos direitos, mais ficará exposta a suprema hipocrisia dos Ministros que
rasgaram a Constituição em nome da democracia.
Não terão a mesma sorte dos personagens abaixo, os cinco
Ministros que enviaram Olga Benário para a morte. No site do STF, esse episódio
não consta de suas biografias. Conseguiram se esconder do julgamento da
história e da falta de informações do seu tempo.
Com as redes sociais e as coberturas em tempo real, os
historiadores não terão muita dificuldade em garimpar aspectos da personalidade
de cada Ministro. Cada característica de personalidade, oportunismo,
pusilanimidade, rancor, esperteza, fará a festa de historiadores, cineastas,
cronistas, compositores populares. A esquerda os equiparará aos grandes
traidores da pátria. A direita não os defenderá, posto que foram apenas
instrumentalizados: limitar-se-á a insistir que havia provas contra Lula. E
quem pagará o pato serão seus descendentes.
Tem-se, então, um enorme ativo político: o martírio de Lula.
Fica a dúvida: o que fazer com ele?
O passo seguinte é entender em que pé está a aliança
golpista.
Peça 2 – a implosão do
golpe
José Luiz Fiori deu uma entrevista
exemplar para o blog Tutameia. Nela, levanta uma tese instigante, e que, no
fundo, coloca no lugar a peça que faltava para entender a barafunda em que se
meteu o golpe.
Historicamente, o PSDB de José Serra e Fernando Henrique
Cardoso sempre foi caudatário do Partido Democrata norte-americano,
especialmente no governo Barack Obama, sob a orientação de Hillary Clinton. FHC
sempre se abrigou nas asas dos Clinton. E Serra, assim que soube da criação do
DHS (o correspondente ao Gabinete de Segurança Interna nosso), tratou de se
aproximar, depois que soube que a primeira colaboração, no caso Banestado,
tinha sido identificar repasses dele para bancos em paraísos fiscais.
O pré-roteiro do golpe era claro. A Lava Jato e o STF
centrariam fogo, inicialmente, no PT, visando a desestabilização da presidente
eleita. Já havia aproximações entre o PSDB e o PMDB em torno da tal Ponte para
o Futuro.
Depois da entrega do impeachment, o lance seguinte seria a
denúncia do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, preservando a aliança PSDB com
outros caciques do PMDB, como Renan Calheiros. Provavelmente aceitando Temer
como o presidente decorativo ou, em última hipótese, impichando-o também.
Assim que se consumou o golpe, foi nítido o movimento dos
serristas, com Aloysio Nunes correndo para Washington para receber instruções.
E a corrida de José Serra para se antecipar a Eduardo Cunha na aprovação da
nova lei do petróleo.
A ação dos EUA, através do Departamento de Estado e do
Departamento de Justiça, se dá através dos seguintes canais:
* Lava Jato e Procuradoria Geral da República. Confira em “Xadrez
de Como os EUA e a Lava Jato desmontaram o Brasil”, especialmente a fala de
Kenneth Blanco, vice-procurador adjunto do Departamento de Justiça, sobre a
parceria com o Ministério Público Federal brasileiro e a PGR.
* Grandes grupos empresariais.
* Organizações Globo, através dos lobistas profissionais e da
equipe de jornalistas.
O arsenal se revela em dois momentos:
* Nos episódios da Lava Jato, amplificados pela mídia;
* Na atuação do STF.
Essa orquestração esfumou-se com a vitória de Donald Trump.
Segundo Fiori, “a derrota de Hillary deixou sem apoio os seus operadores
internos –o que fez o governo cair nas mãos de um grupo da “segunda divisão” –
(...) inteiramente despreparado para governar o Brasil”. Desarticulou o grupo
do impeachment e a grande alternativa eleitoral, que seria o PSDB.
Conforme Fiori,
“o PSDB se autodestruiu, com a opção pelo golpe de Estado do
seu candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014, que depois se viu
envolvido em situações cada vez mais escabrosas. Seus caciques paulistas estão
todos brigados entre si, seus intelectuais completamente desmobilizados e
desmoralizados ideologicamente. E o seu principal líder vive um momento de
declínio intelectual, político e ético, depois de ter sido o grande
patrocinador da candidatura do sr. Aécio. Mas, sobretudo, depois de ter
justificado de forma bisonha e de ter participado diretamente do golpe de
Estado, antes de se afastar do governo que ele mesmo ajudou a criar”.
Não foi outro o motivo para Serra deixar correndo o Itamaraty
e se esconder no Senado, sem ousar sequer uma aparição em público.
Peça 3 – os lances para
as eleições
Tem-se, então, os dois partidos que conduziram o país
pós-ditadura – o PT e o PSDB – quase inviabilizados, o PT pela proibição da
candidatura Lula, o PSDB pela autodestruição.
Sem Lula, as eleições de 2018 se tornaram uma enorme
incógnita. Como aconteceu nas eleições de 1989, vários cavalos estarão na largada,
no período que antecede as votações do primeiro turno. O que largar na frente
tende a receber os votos dos candidatos do mesmo campo político, daí os
movimentos frenéticos das últimas semanas.
Como tudo indefinido, com vários lances sendo jogados simultaneamente,
há uma série de possibilidades em jogo, cujo desfecho é imprevisível.
Deve-se prestar atenção aos seguintes movimentos:
Joaquim Barbosa – há vários grupos de olho no seu
potencial eleitoral. Tenta-se a dobradinha Alckmin-Barbosa para dar um mínimo
de consistência ao candidato tucano. Baixa probabilidade. Dificilmente
Barbosa aceitará ser vice de quem quer que seja; e dificilmente os grandes
eleitores (Globo e companhia) arriscariam a bancar candidato tão personalista.
Mas sua candidatura surge como azarão.
Rodrigo Maia-Aldo Rebelo – a ida de ambos para o
Solidariedade, de Paulinho da Força, despertou desconfianças em alguns setores,
de que talvez possa ser ensaio para a terceira etapa do golpe: o impeachment de
Michel Temer. A conferir. Que irão tentar, irão, cavalgando a provável
terceira denúncia contra Temer.
"Lava jato" – Será um grande eleitor nas próximas
eleições. E seu candidato in pectore é o senador Álvaro Dias, do
Paraná, um polêmico discreto, especializado em CPIs. É o que explicaria a ânsia
da Lava Jato em fritar Geraldo Alckmin, salvo por um providencial contra-ataque
do vice Procurador Geral da República Luciano Maia. O episódio mostra que Lava
Jato e PGR apostam em cavalos distintos. E não se venha alegar a impessoalidade
da lei. Não cola mais.
Frente de esquerdas – há dois argumentos contrapostos, e
defendidos de maneira radical: os que acham que a candidatura Lula deveria ser
levada até o fim; e os que defendem a formação de uma frente de esquerdas. No
segundo caso, o candidato que despontaria seria Ciro Gomes.
Peça 4 – os argumentos
contra e a favor da candidatura de Lula
Há três propostas de atuação das esquerdas.
Um grupo, mais realista, duvida das condições de
governabilidade no caso de eleição de um candidato de esquerda. Supõe que, ante
a vitória de um nome de esquerda, o arco do golpe encontraria de novo seu ponto
de convergência e se recomporia para inviabilizar o governo. A volta da
democracia seria um processo lento, que teria mais a ganhar investindo no mito
Lula e transformando sua libertação na bandeira central, inclusive com
repercussão internacional. Ou seja, deixando a direita se desmilinguir por
esforço próprio.
O segundo grupo aposta no aliancismo. Nesse caso, o caminho
seria fechar uma aliança com Ciro Gomes e apostar em sua capacidade de ampliar
o arco de alianças, como forma de reduzir o antipetismo alucinante que
impulsiona as classes médias e, através dela, o Judiciário, Ministério Público
às Forças Armadas.
Há um terceiro grupo, mais barulhento e com expressão apenas
em alguns segmentos das redes sociais, supondo que Lula deveria partir para o
confronto. São os radicais de Facebook, sem vínculos com a realidade.
Confesso minha incapacidade, neste momento, em avaliar a
melhor alternativa. O ideal seria uma aliança de centro-esquerda, com setores
conservadores legalistas, e com aqueles que entenderam o supremo risco do fator
Bolsonaro.
Mas não consigo vislumbrar movimentos nessa direção. Do lado
do PT, as novas lideranças, Gleisi Hofmann e Lindbergh Farias, precisariam
trocar a armadura de guerreiros de redes sociais pela de estrategistas
políticos. Ciro Gomes precisaria trazer mais clareza sobre sua candidatura. E
os democratas de centro-direita precisariam de um porta voz confiável.
Do GGN