Tem muita gente com certeza a respeito da própria bondade e
bom caráter, que acredita que estamos em uma democracia. Para muitos, enquanto
não houver OBan e DOPS, não há ditadura. Um juízo generoso sobre essas crenças
depende da atribuição de ignorância e ou de uma certa complacência quanto às
próprias certezas sobre si mesmos. Está claro que os fascistas são ignorantes.
Fascismo é isto: uma grande ignorância irascível, mortal,
organizada militarmente e inimiga de toda institucionalidade. O que muita gente
não vê ou se recusa a ver, é que não estamos diante da violência estatal,
transmutada em golpistas clássicos, fardados, vociferando as imbecilidades
paranoides de sempre.
O processo de desestabilização brasileiro começou e depende
do veneno na sociedade, da paranoia insidiosa e da mentira. Com esse
expediente, as famílias midiáticas cevaram o ódio que se alastra, armado, com a
certeza psicótica de que estão a extirpar um furúnculo, enquanto disseminam uma
septicemia.
Hoje, uma mulher e um homem foram baleados. O homem teve uma
bala atravessada em seu pescoço. Lula segue preso acusado e condenado por uma
mentira na qual é preciso uma dose cavalar de imbecilidade e ódio de classe
para acreditar.
A justiça do inimigo disseminou censura, paranoia,
perseguições, demissões, crise política e agravamento da crise econômica. Só
entregam miséria moral, violência, impunidade e falta de perspectiva. Ruíram
com o arcabouço constitucional e comandam um governo sem voto, sem apoio, sem
legitimidade, que acredita se sustentar nos seus canais de propaganda
televisivos e radiofônicos.
Já há dezenas de mortos na conta do golpe. O campo está um
açougue. Marielle e Anderson segue insepultos na impunidade e Marisa Letícia,
idem. Quem não está pior, para quem não piorou? Quem, em sã e tranquila
consciência, pode afirmar que haverá eleição para presidente no Brasil, neste
ano?
O que os fascistas adestrados pela mídia familiar e
protegidos pelo aparato golpista querem é uma reação. Querem uma desculpa,
querem que alguém, com indignação o suficiente e nervos, de menos, mostre-lhes,
na sua linguagem, o que eles são. Querem um sacrifício ainda maior que aquele a
que submeteram o Lula. Não lhes é suficiente dilacerar a sociedade e marcar
gerações com ódio e desconfiança mútua, um expediente que nem o stalinismo mais
militante foi capaz de promover. Não lhes é suficiente desempregar aos milhões
e aniquilar com o investimento estatal. Não lhes é suficiente transformar o campo
em um açougue impune. Não lhes é relevante a próxima geração de famintos que
está com um ano.
O golpe brasileiro recrudesce com o desejo irrefreável de
aniquilar a todos e a cada um de nós, da esquerda. É disso que se trata e é
isso o que está em jogo. Por trás da carcaça dos delinquentes golpistas e de
seus protetores togados e do aparato judicial e corporativo, está uma
necessidade cada vez mais evidente: a sua sobrevivência depende da nossa
aniquilação. Seria um jogo da galinha não estivéssemos fora de qualquer jogo.
Nem sei por que estou escrevendo isso. Não adianta, mas eu
preciso. Eu só queria que minhas amizades e anexades saíssem da zona perceptiva
que nos protege, nas classes médias para cima, para perceber que o veneno é
ecumênico. E que é preciso resistir, em cada consciência, em cada minuto de
atenção, em cada aperto de mão, em cada notícia que se lê. Em cada juízo que
fazemos.
Eu pensava, em fins de 2015, que um cenário chileno 73' era a
fantasia golpista. Eu estava errada. O que estamos vivendo, ceteris paribus
(que ironia, como se cláusulas houvesse), é um cenário muito parecido com o
argentino, nas vésperas de 76. E, com um agravante: a partir de setores
organizados dentro da sociedade, com o cinismo e a proteção do aparato golpista,
que repudia no atacado e protege no varejo, o extermínio e a perseguição dos
inimigos do regime. Em um cenário como esse, OBAn e DOPs não são requeridos. E
ninguém está protegido, por incrível que pareça. Está em curso uma guerra suja.
GGN