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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Brenno Tardelli: Muita convicção, nenhuma prova. O Raio-x da sentença de Moro no caso Triplex

O Juiz Federal Sérgio Moro. Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP

Nesta quarta-feira (12), foi publicada a sentença do Juiz Federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, consistentes na acusação de que ele teria recebido um apartamento triplex no Guarujá (SP) como contraprestação de corrupção em contratos firmados entre a Petrobrás e a construtora OAS.

A condenação consagra a tese da acusação, a qual, no entanto, não conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou a prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70 testemunhas que negaram a existência do crime. Leia a sentença na íntegra.

Para facilitar a compreensão, o Justificando preparou um raio-x da decisão que tem mais de 200 páginas, bem como contextualizou as afirmações de Moro de acordo com as teses de acusação e defesa, explicando a relevância prática de cada argumento. Confira: 

Preliminares: O Lawfare
Atenção: Se quiser entender questões jurídicas diretamente ligadas à causa, pule para a parte “Teses”, que começa com o debate sobre a super competência.

Nas primeiras páginas, Moro dedica seus argumentos para supostamente refutar a tese de que estaria sendo parcial – tese esta defendida tanto pela defesa, quanto por vários juristas que acompanham o caso – e que ele instrumentalizou seus poderes de juiz e o processo para uma “guerra jurídica” frente ao acusado. O termo entre aspas é uma forma de Moro dizer com outras palavras sobre o lawfare, uma das teses centrais da defesa que trata da utilização da lei e do poder judiciário para perseguição política. 

Vários episódios foram destacados para levantar o lawfare e a consequente suspeição do magistrado, como a (i) divulgação dos áudios entre Lula e Dilma para a Rede Globo, a (ii) determinação de grampo telefônico no escritório de advocacia do ex-presidente, apesar de dois ofícios da Telefônica avisando-o da excentricidade da medida, (iii) a decisão de condução coercitiva do réu que sequer havia sido intimado para depor, (iv) a “entrevista do power point” realizada por Deltan Dallagnol, (v) a “animosidade” entre julgador e a defesa, entre outros.

(i) Sobre o áudio vazado para a Rede Globo, Moro preferiu se justificar com os mesmos argumentos utilizados à época, quando o falecido ministro Teori Zavascki, então no cargo no STF, utilizou um discurso duro para condenar o que o magistrado fez com o sigilo telefônico dos ex-presidentes, expondo-os em rede nacional por uma conversa cujo conteúdo não teve consequência jurídica, mas que foi o suficiente para inflamar as manifestações pelo impeachment na derrocada final do governo Dilma.

Apesar do tom utilizado contra o magistrado, os ministros do STF quando julgaram a conduta de Moro proferiram uma contraditória decisão de devolver para o magistrado todo o processo, inclusive a interceptação tão contestada, para julgamento. Na sentença do Triplex, o magistrado ressalta que o fato da corte ter devolvido o processo a ele eliminaria qualquer alegação por parte da defesa.

Não satisfeito, o magistrado logo após enfrentar as críticas do Supremo em sua sentença, passa novamente a fazer considerações acerca do teor da conversa, reafirmando dessa vez sua convicção desfavorável em relação ao réu e favorável à sua conduta. Em outras palavras, pediu desculpas antes, mas depois justificou o que fez como se certo fosse, pois, nas suas palavras, o Judiciário não poderia ser guardião de “segredos sombrios”: “não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo Tribunal Federal”.

Ao final, Moro escreveu sobre as conversas íntimas divulgadas que expunham a família de Lula. O caso mais notório ocorreu com a divulgação do áudio da ex-primeira dama Marisa Letícia que, em conversa telefônica privada com seu filho, manifestava repúdio aos paneleiros. Após o falecimento da primeira dama, aumentaram as críticas ao juiz em razão da desnecessidade dessa exposição gratuita da intimidade. Para Moro, contudo, “há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação”.

(ii) Sobre o grampo no escritório de Advocacia Teixeira Martins, a defesa apontou como exemplo prático de lawfare o sistemático grampo nos telefones dos advogados. No caso, uma matéria da revista eletrônica Conjur, em março de 2016, apontava que todo os 25 advogados do Teixeira Martins – banca que advogava para o ex-presidente – foram grampeados no telefone central do escritório. Vale dizer que Roberto Teixeira, sócio do escritório, teve seu telefone pessoal interceptado.

Em sua defesa, Moro afirmou que não sabia que o telefone grampeado era da defesa do ex-presidente e que queria grampear apenas uma empresa de palestras que operaria no mesmo número e que, na sua opinião, tinha ligação com o crime investigado.

Ocorre que logo após a determinação do grampo, a Telefônica oficiou o juízo de Curitiba por duas vezes para alertar sobre gravidade da medida, afinal escritórios de advocacia são protegidos por lei, mas foi ignorada. Para os advogados de Lula, o grampo no escritório e no telefone pessoal do sócio foram parte de um monitoramento das estratégias que seriam utilizadas e configuraram em um grave atentado ao direito de defesa. 

Na sentença Moro afirmou que precisava investigar a empresa de palestras e que não se atentou aos ofícios da Telefônica, que não foram analisados com atenção ante as “centenas de processos complexos” julgados na Vara. Em resposta, a própria Conjur o lembrou de que ele tem uma equipe para julgar os casos e que, por determinação do TRF-4, ele não recebe nenhum outro processo que não seja ligado à operação.

Sobre o telefone pessoal, Moro justificou o grampo no celular do Advogado do Presidente Roberto Teixeira por ele ser, na visão do magistrado, suspeito pelo crime de lavagem de dinheiro. A última informação apurada pelo Justificando, no mês de junho, era no sentido de que grampo ainda está ativo por decisão judicial e, desde então não há notícia de sua revogação.

(iii) Sobre a condução coercitiva sem que houvesse uma intimação para depor, como evidente prática de lawfare, uma vez que formou-se um grande espetáculo em torno da oitiva de Lula, Moro negou que se tratava de uma perseguição contra o ex-presidente. Na época, o caso teve grande repercussão e críticas ao arbítrio do magistrado.

Em sua defesa, ao argumentar na sentença o juiz afirmou que a questão de levar coercitivamente quem sequer foi intimado é “polêmica” no direito. Ocorre que não se trata de uma polêmica, pois sequer há algum jurista que defenda a legalidade teórica de prática como essa, a não ser o próprio Juiz Federal e a força tarefa do MPF.

Em todo caso, ele justificou que, no contexto específico da Lava Jato, fazia sentido essa determinação, a fim de que agentes policiais não fossem expostos a algum risco. De outro lado, Moro argumentou que o tempo teria lhe dado razão, pois houve uma concentração de militantes no Aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente foi levado por um grande aparato policial para ser ouvido.

Quanto às argumentações, vale lembrar que Lula já foi ouvido por dezenas de vezes a convite do Poder Judiciário e nenhum episódio foi tão conturbado quanto a oitiva coercitiva e o interrogatório em Curitiba.

(iv) Sobre o famigerado power point, que gerou a denúncia que conseguiu a presente condenação, o magistrado argumentou que tal episódio não representa o “lawfare“, pois, na sua visão, ainda que a linguagem de Deltan Dallagnol e seu Power Point fossem criticáveis, tal fato não teria efeito prático para a ação penal, onde o que importaria seriam, em tese, as peças processuais produzidas.

O debate gira em torno do dia em que Deltan convocou toda a grande imprensa para, em rede nacional, fazer uma apresentação de slides de power point com uma série de adjetivações a Lula. “Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma “guerra jurídica” contra o ex-Presidente”, afirmou o magistrado. 

Embora Moro tenha argumentado que a conduta do Procurador não influiu na ação penal, vale dizer que Deltan Dallagnol foi o Procurador responsável por acusar Lula até o fim do processo e já anunciou que vai recorrer da decisão para aumentar a pena.
v) Sobre a animosidade do Juízo frente aos advogados Moro aproveitou sua sentença para reclamar do comportamento da defesa. Na sua visão, foi uma comportamento rude: “este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade” – queixou-se. Entretanto, as audiências mostraram o contrário, uma vez que raros foram os momentos nos quais a participação da defesa foi bem vinda, como ficaram nítidos em episódios marcantes, como quando ele debochou do ex-presidente nacional da OAB José Roberto Batochio para que ele fizesse concurso para juiz. 

Mas o mais rumoroso caso gira em torno da intervenção do advogado e assistente de acusação da Petrobrás René Ariel Dotti quando ele cassou, aos berros, a palavra da defesa que debatia com Moro sobre uma pergunta feita a Lula. Para o magistrado, a censura foi ótima, como pode ser lido na referência feita ao “renomado e veterano advogado criminal René Ariel Dotti“. No meio jurídico, no entanto, o cenário foi outro: diversos criminalistas de renome fizeram um desagravo para os advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Fernando Fernandes, bem como foi publicado artigo do criminalista de renome mundial Juarez Cirino dos Santosem tom crítico às condutas de Moro e René.

Ao final desse trecho da sentença, Moro vangloriou-se de ter sido sereno, pois, na sua opinião, ele poderia se quisesse tomado “providências mais enérgicas”: “poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito” – afirmou contra as alegações de lawfare.
Teses – 1. Competência da Ação
A supercompetência da Lava Jato é um tema técnico que lida com questões processuais penais de conexão e suscita críticas desde os primórdios da Operação e que ainda vai render muito debate. Resumindo o debate: diversos juristas contestam o tamanho da abrangência da competência de Moro, que julga processos de todo o país e os mais variados contextos de acusação de corrupção. O STF, ao julgar essa questão, afirmou que Moro somente pode julgar corrupção que tenha relação com a Petrobrás. Por isso, quando a força tarefa quer atrair um processo para Curitiba, eles reforçam a tese da super competência para lidar com o “maior esquema de corrupção da história”. Na visão da acusação e do juízo, ainda que a corrupção não tenha relação direta com a Petrobrás, presume-se muitas vezes essa conexão dado o suposto vasto tamanho da Operação e o fato de que o dinheiro, bem sobre o qual ela estaria montada, é fungível e de difícil rastreamento.

A questão foi evidentemente atacada pelos advogados do ex-presidente, uma vez que a relação na visão acusatória é entre Lula e Léo Pinheiro, da OAS, não havendo Petrobrás para justificar a ida do caso a Curitiba. No caso, o imóvel do Triplex é anterior à Lava Jato. Marisa firmou um carnê no sindicato dos bancários para pagamento de cota de um apartamento junto à Bancoop – cooperativa da categoria.

A Bancoop não teve fôlego para pagar e, em 2009, o imóvel foi passado à OAS. Nesse momento os moradores poderiam resgatar o valor que pagaram nas mensalidades ou continuar pagando mensalidade para aquisição do apartamento. Marisa e tantos outros não se pronunciaram e ficaram com o crédito do valor pago até então – por volta de R$ 200 mil (em 2015, ela ingressou no Judiciário para reaver o o dinheiro pago via Bancoop).

Anos se passam até que três promotores em São Paulo – que ficariam mais tarde conhecidos pelo pedido de prisão com base em Marx e Hegel – acusaram Lula e Marisa de ocultarem o imóvel que teriam recebido junto à Bancoop como produto de lavagem de dinheiro (a acusação, contudo, não apresenta registro do apartamento em nome de Lula ou de Marisa). 

De outro lado, ávidos para entrarem no caso, os Procuradores da força tarefa repudiaram a ação dos promotores paulistas. Para atrair a competência a Curitiba e tirar o processo da competência de São Paulo, o MPF teve que ligar o Triplex à Petrobrás e para isso utilizou a narrativa do “maior esquema de corrupção no mundo” – tese praticamente “copia e cola” em todos os casos que eles, procuradores da Lava Jato, puxam para acusar. Essa tese e essa prática contam com a anuência e entusiasmo do Juiz Federal.

Logo, pela nova história da acusação e do juiz, o Edifício foi transferido pelo Bancoop à OAS e esta teria dado um imóvel mais caro e feito reformas para o ex-presidente como forma de corrupção. De início, há a contradição entre histórias conflitantes.

“Ou você diz que a Bancoop deu a Lula o tríplex antes de 2009, ou você diz que a OAS deu a Lula o tríplex depois disso. Inferir as duas coisas ao mesmo tempo não faz o menor sentido”, questiona o Advogado Márcio Paixão.

Outro ponto levantado na questão da competência é que a tese de “maior esquema de corrupção no mundo” ainda não foi julgada no Supremo Tribunal Federal e a ratificação de que Lula estaria envolvido nisso, ainda que em tese, depende ainda dessa análise, para ser afirmada em sentença penal. A defesa pediu para que o processo do Triplex fosse adiado até que fosse julgado esse inquérito no Supremo que apura esse suposto esquema, mas o pedido foi indeferido.

2. Delações Premiadas, ou quase
Outro ponto que Moro discutiu por diversas páginas em sua sentença diz respeito às delações premiadas. O Justificando já apresentou uma série de críticas que esse instituto recentemente importado para o Brasil traz ao processo penal, tais como a voluntariedade do delator em falar o que o acusador/juiz querem ouvir, como também a prática reiterada de “prende para delatar” e “solta porque delatou”, dentre outras questões que são recorrentemente tratadas. Moro cuidou de defender seu ponto de vista pela legalidade e valor das delações, algo fundamental neste caso para condenar Lula, uma vez que a acusação e a sentença estão amparadas quase que exclusivamente nas palavras de Léo Pinheiro, dono da OAS, e de outros delatores.

Protagonista da principal prova testemunhal, Léo Pinheiro negociou delação por duas vezes. A primeira delação, na qual ele inocentava Lula, foi cancelada pelo Procurador da República Rodrigo Janot, pois, segundo a narrativa oficial do MPF, a Revista Veja vazou o conteúdo da delação que apontava para o ministro do STF Dias Toffoli (até então, vazamento de delações não era considerado uma nulidade, sendo admitido em inúmeras circunstâncias anteriores). 

Em seguida, após ter a primeira delação cancelada, Léo Pinheiro é preso por decisão de Sérgio Moro e depõe no caso do Triplex, quando então ele troca de advogado, muda a versão, acusa Lula – que ele havia primeiramente inocentado – e se torna a grande peça para acusação. Para evitar esses questionamentos, argumentos de Moro em favor da delação premiada permeiam toda a sentença.

Um detalhe importante é que a delação premiada de Léo Pinheiro sequer foi homologada, mas teve o maior destaque para condenação, ocupando dezenas de páginas na sentença. Ao final, mesmo sem acordo homologado com o Ministério Público, Moro o reconhece como delator, transformando seu depoimento como réu no primeiro acordo de delação premiada informal da história.

3. Propriedade do Apartamento – 5 parágrafos para a tese de defesa
“Essa é a questão crucial neste processo”, afirma o próprio Sérgio Moro na sentença. A questão é justamente de quem é o apartamento no Guarujá – pois afinal, se Lula está sendo acusado de ter recebido um imóvel em troca de corrupção, o lógico seria que, pelo menos, o imóvel fosse dele ou que a OAS podia dele dispor para entregá-lo a alguém.

Ocorre que no imóvel não tem nem uma coisa, nem outra. O registro do apartamento está em nome da OAS e o imóvel está hipotecado para um fundo da Caixa Econômica Federal, banco público que emprestou dinheiro para a construtora, mas exigiu uma série de garantias, dentre eles o Condomínio Solaris e tantos outros.

Soma-se a isso o próprio processo de recuperação judicial da Construtora. Em casos como esse existe uma lista de credores que decide em assembleia o destino dos imóveis da empresa em recuperação judicial. Em outras palavras: (i) o imóvel não está no nome de Lula, (ii) a OAS não pode dispor dele para outra finalidade que não seja a venda e, mesmo se pudesse, ainda assim (iii) a operação de venda ou entrega teria que ser aprovada em assembleia de credores.

Em cinco parágrafos, Moro, contudo, desconsiderou toda a documentação, pois “isso não é suficiente para a solução do caso”.

Em contrapartida, ele dedica incontáveis páginas na sentença para valoração de papéis que não indicam compra, propriedade, posse, ou qualquer coisa que seja. Um dos exemplos levantados foi o documento de “proposta de adesão sujeita à aprovação”, não assinada por Lula, no valor de R$ 200 mil, como se fosse uma intenção de adquirir o imóvel. Nesse documento, há uma rasura escrita “TRIPLEX”. Essa seria a prova documental. Como apontam inúmeros criminalistas, não é possível ignorar toda a documentação de garantia e propriedade do imóvel para canalizar a condenação com base em um documento que não tem qualquer valor de propriedade, muito menos está assinado e, não bastasse, é uma rasura.

Além disso, Moro argumentou que Marisa não reviu o dinheiro investido no carnê do Bancoop, quando tiveram opção de resgatar dinheiro ou continuar contribuindo, e que tal apartamento nunca esteve à venda, pois estava reservado ao casal. A narrativa que torna Marisa e Lula proprietários do Triplex também se vale de uma matéria do jornal O Globo que afirmou que em 2010 o Triplex pertencia a Lula. A matéria, contudo, além de se equivocar quanto à propriedade quando diz que Lula é proprietário sem que haja o registro do imóvel, comete um erro crasso ao dizer que Lula declarou o imóvel em nome de Marisa, quando na verdade ele declarou o valor recolhido na cota junto ao Bancoop. Entretanto, apesar de erros identificáveis com facilidade, Moro cita essa matéria para fundamentar a condenação em nove passagens, tratando como se prova documental fosse.

O magistrado descreveu a série de reformas que a OAS fez no imóvel e uma conversa entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, Diretor de Engenharia e Técnica da OAS Empreendimentos, onde eles tratavam do chefe [que seria Lula], da madame [que seria Marisa] e Fábio, filho do casal. Na conversa, Paulo disse a Léo que o imóvel estava pronto para eles visitarem e Léo Pinheiro foi avisado sobre reformas feitas para agradarem o ex-presidente, para que ele, então, ficasse com o apartamento. O que ficou claro pelos depoimentos é que Léo Pinheiro de fato pretendia que Lula ficasse com o imóvel e até tentou adaptá-lo para servi-lo melhor, mas não ficou comprovado a compra, o usufruto ou a entrega do bem.

Nas audiências, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel uma única vez, mas decidiu não comprá-lo, apesar da intenção da construtora. Marisa visitou outra vez o apartamento e também nunca mais voltou.

A questão jurídica, como aponta o criminalista Fernando Hideo Lacerda, não permite que o juiz conclua que Lula tem esse imóvel. O especialista explica que Moro sustentou que Lula e Marisa eram “Proprietários de Fato”, isto é, que eles receberam um imóvel por corrupção de forma oculta. Ocorre que a propriedade é determinada no Código Civil pelo registro do imóvel e, fora isso, o ordenamento também prevê a posse, que também não cabe, já que ele foi ao imóvel apenas uma vez e nunca mais voltou.

4. Tese de corrupção
O tipo penal da corrupção dispõe a conduta como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Como explica o criminalista Fernando Hideo, é necessária a aceitação da promessa ou efetivo recebimento da vantagem indevida e a contrapartida do funcionário público. Moro sustenta que o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.

Entretanto, explica o criminalista: “o pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação (a) do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e (b) da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST / RNEST com a Petrobrás”. 

Moro não argumenta sobre nada disso. Aliás, para escapar desse beco sem saída, o magistrado afirmou que “basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam” – escreveu na sentença, como lembrado por Lacerda.

Em seguida, na sentença, o magistrado reconhece que não comprova o ato de corrupção: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.

O Criminalista Márcio Paixão também aponta uma série de questões que Moro não responde e que impedem a condenação pelo crime de corrupção: “muito embora se esforce bastante, Moro não conseguiu esclarecer, em nenhum momento:

(i) a data em que Lula teria recebido o tríplex, dito algo como “é meu, muito obrigado”;

(ii) o local em que Lula estava quando recebeu o tríplex;

(iii) as circunstâncias em que Lula recebeu o tríplex.

As primeiras duas informações são hiper relevantes – a primeira vai estabelecer o marco inicial da prescrição, a segunda vai estabelecer qual juiz é competente para julgar o caso (competência territorial). O que há na sentença é algo como Lula recebeu esse tríplex em algum momento, em algum local, em circunstâncias desconhecidas'”.

Vale lembrar que o Direito Penal é regido por princípios jurídicos, dentre os quais o da taxatividade, que impede que o magistrado aplique a lei para condenar ampliando a interpretação do texto do tipo penal. Em outras palavras, não há base jurídica para condenação por corrupção sem um ato comprovado que tenha beneficiado a OAS, como também não é possível condenar sem que exista a vantagem indevida.

5. Tese de Lavagem de dinheiro
De acordo a acusação e o juiz, a lavagem de dinheiro consiste na “ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”. Ou seja, Lula teria recebido o apartamento como decorrência de corrupção, o fato de não estar no nome dele seria ocultação do apartamento e consequente lavagem. Como explica Lacerda, é “juridicamente ridículo” sustentar isso, já que a lavagem pressupõe transformar um dinheiro sujo em limpo para reintrodução do bem no mercado.

Pela ótica da acusação, não houve incorporação do patrimônio aos bens de Lula. Logo, sequer em tese há a lavagem ou limpeza do bem. Para Lacerda, a ocultação defendida pela retórica acusatória faz parte da conduta de corrupção e que não faria sentido lógico em se conceber a lavagem para algo que permanece oculto.

“Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio” – explica o criminalista.

6. Penas

(i) Léo Pinheiro
“Questões novas demandam soluções novas”. Dessa forma Sérgio Moro conseguiu o feito de unir todas as penas de Léo Pinheiro, que foi condenado em outra ação penal, totalizadas em mais de 30 anos, para determinar que ele cumpra apenas dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado. Léo Pinheiro recebeu o tratamento privilegiado concedido a delatores, embora ele não tenha homologado seu acordo de delação no processo do Triplex.

“O problema maior em reconhecer a colaboração é a falta de acordo de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade”, afirmou Sérgio Moro na sentença. Para ele, no entanto, esse problema poderia ser resolvido com uma solução inédita de estabelecer que Léo Pinheiro no máximo dois anos e meio, considerando a condenação por outro processo que não estava em julgamento.

(ii) Lula
Considerando a culpabilidade extrema, Moro elevou as penas base para nos crimes de lavagem e de corrupção para chegar a 9 anos e 6 meses de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa Um detalhe curioso é a determinação do sequestro do Triplex da OAS, que lista o imóvel na lista de credores na recuperação judicial, bem como da Caixa, que tem as garantias sobre o imóvel. Ou seja, além do apartamento não ser de propriedade de Lula, tanto o banco público, como também os credores da recuperação judicial da OAS tiveram diminuição patrimonial e não poderão mais contar com o imóvel, em que pesem dívidas e acordos celebrados em torno do bem.

Moro, ao final, mostra sua benevolência ao dizer que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas que a “prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.

Do Justificando