Peça 1 – como semear
ódio e colher assassinato
Seja quem forem os responsáveis diretos pelo assassinato de
Marielle, entra-se em novo patamar da dissolução do Estado brasileiro.
Etapa 1 – plantando o
ódio
Os anos sucessivos, começando antes do “mensalão”, das
matérias diuturnas plantando e irrigando o ódio irracional contra o governo
Lula, com factoides sobre venezuelização, cubanização, tapiocas e outros
recursos conhecidos, o que passou a ser chamado, agora, de fakenews.
Alimentamos o antipetismo, Lula perde as eleições e tudo
volta ao normal.
Etapa 2 – o “mensalão”
A entrada no jogo da Procuradoria Geral da República (PGR) e
do Supremo Tribunal Federal (STF) como agentes políticos, montando a tese da
“organização criminosa” em cima de uma fraude: o suposto desvio de recursos da
Visanet, que jamais ocorreu.
Como alertamos na época, tinha-se, descoberto, ali, a fórmula
da desestabilização política do PT. Dilma e o PT descobriram essa novidade,
alguns meses após o impeachment. O pacto democrático da Constituição de 1988
começa a ruir. O desfecho é adiado pelo desempenho imprevisto de Lula na crise
econômica global de 2008.
Etapa 3 – a Lava Jato
O aparato repressivo retoma o protagonismo, alimentado pelo
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e todos os pecados são perdoados,
desde que contra o inimigo correto. Nessa etapa, todos os princípios
civilizatórios, de direitos individuais, de respeito aos ritos processuais,
tudo vai por água abaixo, mas ainda contra alvos definidos. Sem problema. Como
declarou o Ministro Luís Roberto Barroso, há a necessidade de medidas de
exceção para situações de exceção.
Mas depois que Lula e o PT forem anulados, tudo volta ao
normal.
Etapa 4 – o impeachment
e o pós
O clima de ódio é potencializado e há um liberou geral no
Judiciário, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Inaugura-se um
vale-tudo em que todos os abusos são permitidos e todos os oposicionistas se
sentem ameaçados. Qualquer promotor, delegado ou juiz de 1ª instância se vê com
autoridade para ordenar conduções coercitivas, prisões temporárias.
Os piores sentimentos vêm à tona, as demonstrações mais
estapafúrdias de ignorância boiam que nem dejetos no esgoto. E ainda não se
está falando em Bolsonaro e companhia, mas na promotora de Campinas que se
declarou “indignada” com um seminário sobre maconha e denunciou o
cientista consagrado. Simples assim: sentiu-se indignada e do alto da sua
ignorância, fez valer sua autoridade. Ou a juíza e a delegada que levaram o
reitor ao suicídio. Ou os bravos desembargadores do TRF4, aparentados com os
sobrinhos do Pato Donald, aqueles que tinham tanta afinidade que um completava
a fala do outro. A mídia não poderia condenar os abusos, até escondeu o
episódio chocante do suicídio do reitor, porque poderia enfraquecer a maratona
pela condenação de Lua.
Mas depois que Lula for condenado, tudo volta ao normal.
Etapa 5 – o assassinato
de Marielle
E aqui se ingressa em um fator detonador, independentemente
de quem seja os responsáveis diretos, se as milícias da PM ou milícias de
ultra-direita. Por fator detonador se considere os tiros com que Gravilo
Princip executou o arquiduque Francisco Fernando, levando à Primeira Guerra;
a morte de Walther Rathenau, que desmontou a Republica de Weimar; a morte
de João Pessoa que detonou a Revolução de 30 e a do Major Rubem Vaz, que levou
ao suicídio de Vargas. Ou, ainda, a morte do estudante Edson Luis que expôs a
violência que já vinha sendo praticada pela ditadura e inaugurou a nova etapa
da repressão..
Peça 2 – o processo de
desmanche
Quando se disseminou a repressão, no período do impeachment,
gênios jornalísticos minimizavam: é muito diferente da ditadura, que matava e
torturava pessoas. Era óbvio que aquele momento representava, como num filme, o
período 1964-1968, que precedeu o AI-5. Não se preocuparam com os alertas que
mostravam a lógica que sucedia períodos de tolerância com o arbítrio e o ódio.
A Noite de São Bartolomeu passou a ser praticada em etapas.
Em 1963 nasceu o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), no
bojo da campanha de ódio alimentada pela mídia. Depois de 1968, eles se
limitavam a quebrar teatros e espancar artistas e estudantes. Nos porões,
torturavam-se e matavam-se pessoas. E militares planejavam atentados de grandes
extensões. Todos esses processos nasceram da mesma árvore do ódio plantado.
Tempos atrás fui a uma pacata cidade do interior. Lá, em
conversas familiares, um jovem casal, de família temente a Deus, sem histórico
de violência, falava da sua vontade de ver Lula morto. A campanha
sistemática de ódio, a irracionalidade plantada em suas cabeças, faziam-nos,
pessoas incapazes de fazer mal a um bicho, entender como natural – e necessária
– a morte de uma pessoa! A mídia conseguiu naturalizar o ódio no Brasil.
Hoje em dia, é um sentimento generalizado, que se espalha por
todas as regiões do país e que, até agora, tinha em Bolsonaro e sua tropa sua
mais grotesca expressão. Com a execução de Marielle entra-se em uma nova etapa
na qual a doença social plantada pela mídia poderá resultar em loucuras maiores
do que discursos de ódio nas redes sociais, tempos de terremotos e furacões,
que podem preceder a entrega do poder a Bolsonaro e sua “bancada da
metralhadora”. Ele, aliás, evitou comentar a tragédia de Marielle, para não
expor o que pensa.
E quem vai segurar essa onda? A indignação retardatária da
velha mídia? Certamente não a PGR Raquel Dodge, uma burocrata
"apparatchik", subproduto da corporação, sem qualquer brilho ou
luz própria, só frases obvias, ultra burocráticas "mandei instalar um
procedimento em meu gabinete”.
Personalidades opacas e sem qualquer brilho no STF, na PGR,
no Senado, uma organização barra-pesada no Executivo. E completa-se o mapa com
os últimos dados econômicos, a queda geral do nível de atividade do setor de
serviços em relação a qualquer período do ano passado, desmontando
definitivamente a fábula da recuperação irresponsavelmente vendida por Henrique
Meirelles e endossada pela Globo.
Tudo isso com as eleições a caminho. Mas não tem problema.
O Lula vai preso, o PT perde e tudo volta ao normal.
Por um tempo acreditei que a perspectiva do desastre promovia
a volta à racionalidade. De 2005 – quando a mídia iniciou essa loucura – para
cá, todas as esperanças de uma saída racional foram jogadas fora.
GGN