Foto: André
Gomes de Melo
Antônio
Cândido, crítico literário e sociólogo, faleceu aos 98 anos na madrugada desta
sexta-feira (12). Candido estava internado no Hospital Albert Einstein com
problemas no intestino. O velório está sendo realizado no próprio hospital, no
bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo.
Candido
escreveu livros como Introdução ao Método Crítico de Silvio Romero, Formação da
Literatura Brasileira e Literatura e Sociedade. Sua obra é considerada como uma
das mais fundamentais da intelectualidade no Brasil.
“Tive a
sorte de viver um tempo de esplendor da literatura brasileira. Mas avaliações
erradas poderiam custar o emprego”, afirmava o crítico literário. Leia mais
abaixo.
Gilberto
Cruvinel, que tem seu blog no Jornal GGN, recuperou uma passagem da vida de
Antônio Cândido, por ocasião da morte de Mário de Andrade. Envia-nos Gilberto:
Quando
morreu Mario de Andrade, perguntaram a Antonio Cândido
"Durante
o velório, Edgard Cavalheiro, escritor bastante em voga naquele momento, autor
de biografias de Fagundes Varela e de Monteiro Lobato, me perguntou, no
jardinzinho que havia na frente da casa: "Para encontrar na literatura
brasileira uma morte desta importância é preciso voltar até quando?"
Respondi: "Até a de Machado de Assis." "Pois é exatamente o que
estou pensando", disse ele. "Machado de Assis em 1908 e Mário de
Andrade agora". O enterro foi no Cemitério da Consolação, muito
concorrido, e impressionava a tristeza profunda de todos, como se todos
sentissem uma espécie de enorme vazio na cultura do Brasil.“
Podemos
dizer igualmente que a morte de Antônio Cândido deixa o mesmo enorme
vazio na cultura e na nossa cidadania. E num momento em que o Brasil está tão
carente de homens de grande estatura.“
E, a seguir,
a matéria do Estadão.
Crítico
literário e intelectual foi pensador fundamental do Brasil no século 20
O crítico
literário e sociólogo Antonio Candido, dono de uma das obras mais fundamentais
da intelectualidade brasileira, morreu aos 98 anos.
Ele estava
internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com problemas no intestino,
de acordo com Edla Van Steen. O velório será no próprio hospital (Av. Albert
Einstein, 627 - Morumbi, São Paulo), das 9h às 17h.
Autor de
livros fundamentais como Introdução ao Método Crítico de Silvio Romero (1944),
Formação da Literatura Brasileira (1959), Literatura e Sociedade (1965), entre
muitos outros, Candido formou uma maneira de pensar a literatura brasileira que
influenciou toda a crítica literária do País desde então.
Em 1956, ele
criou o Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, caderno que se tornou
paradigma do jornalismo cultural no Brasil.
O crítico e
ensaísta se definia como um sobrevivente. "Sou provavelmente o último
amigo vivo de Oswald de Andrade, um escritor dono de uma personalidade
vulcânica", comentou Candido, em rara entrevista, em Paraty, onde, em
2011, fez a conferência de abertura da 9.ª Festa Literária Internacional de
Paraty, a Flip. Como o homenageado era justamente o autor de Marco Zero,
Candido decidiu quebrar seu silêncio - não gostava de ser entrevistado tampouco
de fazer aparições públicas.
O ensaísta
mantinha fortes lembranças de Oswald (1890-1954) justamente por causa de sua
personalidade marcante. "Ele tinha traços de gênio: mesmo não sendo um
grande leitor, Oswald captava a essência dos assuntos e discursava como grande
entendedor."
A amizade
entre eles começou depois de uma crise – o escritor não gostou de uma crítica
escrita por Candido sobre Marco Zero, romance de 1943. "O comunismo fez
mal para ele, que passou a escrever uma literatura mais engajada, longe da
linguagem telegráfica que era seu melhor estilo", contou Candido. "Eu
era um jovem crítico, estava com 24 anos, e não aceitava aquele silêncio que
rondava a obra de Oswald, considerado um autor inatacável."
Passado o
tempo, o próprio Antonio Candido reconheceu o exagero de sua escrita, a ponto
de produzir um longo ensaio em que reconhecia o valor literário do autor. Foi o
suficiente para estabelecer uma amizade profunda e sincera, que resistiu até às
novas críticas de livros.
O exercício,
aliás, era arriscado. Candido comentou que o crítico literário de sua época era
obrigado a lidar com nomes que, naquele momento, ainda eram desconhecidos.
"Certo
dia, recebi um livro chamado Perto do Coração Selvagem, assinado por Clarice
Lispector. Pensei que fosse um pseudônimo, porque isso não é nome de gente,
Lispector. Eu não sabia quem era e precisava dizer se o livro era bom ou era
ruim. Ou seja, minha responsabilidade como crítico era muito grande, pois
lidava com autores como Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, que ainda
não tinham conquistado notoriedade. Tive a sorte de viver um tempo de esplendor
da literatura brasileira. Mas avaliações erradas poderiam custar o
emprego."
Candido
lembrou que, em sua época, a crítica era militante e alguns jornais tinham o
chamado crítico titular. No seu caso, ele era o do jornal Folha da Manhã,
enquanto o do Estado era Tobias Barreto. "O crítico titular tinha muito
autoridade, porque representava o jornal. Costumo dizer que a crítica literária
daquele tempo era uma atividade de alto risco."
Trabalhou na
função durante 24 anos e se orgulhava, por exemplo, de ter escrito o primeiro
artigo analítico sobre a obra de João Cabral de Melo Neto. "Ele não sabia
disso. Foi Drummond quem o informou."
Com o tempo,
a função de resenhista foi gradativamente assumida pelos teóricos de
universidade, que preferiam não correr risco. "Eles escreviam apenas sobre
escritores já mortos, com a obra consolidada, o que evitava julgamentos
apressados se fosse o caso de autores ainda vivos."
Para ele, a
crítica era essencialmente exercida por teóricos universitários. Candido dizia
conhecer a maioria, pois foram seus alunos, formando a "paróquia",
como gosta de ironizar. "Admiro muito as novas gerações de críticos, todos
muito eruditos", comentou, citando Roberto Schwarz e José Miguel Wisnik,
entre outros.
Exibindo uma
disposição invejável, a que atribui à boa genética, Antonio Candido reclamou,
no entanto, de fazer o trajeto entre São Paulo e Paraty. "Isso me ensinou
que não posso mais viajar de carro." Também lembrou que vivia
"encalhado" no passado, pois ainda utilizava uma máquina de escrever,
dispensando computador, celular e outros produtos da modernidade. Também
desconhecia o que se produz atualmente na literatura, preferindo a releitura de
clássicos. "Faz 20 anos que não leio nada de novo. Prefiro Dostoievski,
Proust, Eça de Queiroz."
Do GGN