Mostrando postagens com marcador desembargador. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desembargador. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A IDEOLOGIA DOMINANTE NO JUDICIÁRIO SÃO: PUNITIVISMO, CONSERVADORISMO E INTOLERÂNCIA, POR NEY BELLO*

Ney Bello é desembargador do TRF-1 e professor da UNB
O artigo, do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1a. Região, relaciona algumas características da ideologia que predomina no Judiciário: o moralismo, o punitivismo, o conservadorismo, a intolerância e o desejo de ruptura com regras de igualdade racial, religiosa e sexual, e também alguma fobia de compreensões econômicas apoiadas na igualdade.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Desembargador que vendeu apartamento SUBFATURADO a MORO é truculento, Por Kiko Nogueira do DCM

Moro recebe o prêmio “Faz Diferença” da Globo (Foto de Fabio Rossi / Agencia O Globo)
Sergio Moro recebe auxílio moradia para viver num apartamento de 256 metros quadrados no bairro Bacacheri, em Curitiba, a três quilômetros do prédio onde trabalha.
Quem lhe vendeu o imóvel foi o colega Márcio Antonio Rocha por R$ 173,9 mil (em valores atualizados, R$ 460 mil), em 2002.
Hoje desembargador no TRF 4, Rocha tem uma história pouco edificante, relatada no site do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita — e emblemática de uma noção de casta.
Em 1999, ele deu voz de prisão no Aeroporto Internacional Afonso Pena a uma auditora que se recusou a liberar uma caixa contendo taças de cristal, importadas da Suécia, e a suspensão do pagamento do imposto.
Quem lhe entregou o ofício com a liberação foi o próprio Rocha, então juiz federal.
Ela foi processada por prevaricação. Depois de dois anos, a ação foi encerrada. A história está publicada no site da Unafisco:
O prejuízo moral de Maria Elizabeth de Albuquerque é incalculável e, possivelmente, impagável. Felizmente, após dois anos de angústia e apreensão, a Justiça encerra a ação movida contra ela, não acatando a tese de prevaricação defendida pelo juiz federal Márcio Antônio Rocha e pelo Ministério Público Federal no Paraná – a ação transitou em julgado no dia 4 de outubro, não cabendo mais nenhum recurso.
Prevaleceu a verdade: Maria Elizabeth, no estrito cumprimento de seu dever, fez uso das prerrogativas do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal para defender os interesses da Fazenda Pública e da sociedade. Para os supersticiosos, a data em que tudo começou é fatídica: sexta-feira, 13 de agosto de 1999. Mal sabia ela que naquele dia acabaria presa na Polícia Federal, sob a acusação de que se negara a dar cumprimento a uma ordem judicial, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Eram aproximadamente 9 horas da manhã, quando Maria Elizabeth chegou à repartição, no Colis Postaux de Curitiba, como fazia há 17 anos. Um contribuinte a aguardava para entregar-lhe um ofício expedido pela 6ª Vara Federal de Curitiba, comunicando à inspetora da Alfândega do Aeroporto Internacional Afonso Pena – hoje Inspetoria da Receita Federal – uma liminar do mandado de segurança impetrado pelo portador do ofício, determinando a imediata liberação de uma caixa contendo taças de cristal, importadas da Suécia, e a suspensão do pagamento do imposto.
A AFRF agiu de acordo com a função: informou que o ofício deveria ser entregue à inspetora, na sede da Alfândega, a quem caberia o imediato cumprimento da decisão judicial. Foi quando Maria Elizabeth recebeu voz de prisão: quem lhe entregara o ofício era o juiz federal Márcio Antônio Rocha, dono da mercadoria retida. 
(…)
“Todo dia me lembro do que aconteceu. Fiquei traumatizada e muito humilhada, mas confiei sempre na Justiça. Durante o processo tive problemas de saúde e até hoje tomo remédios para depressão”, comenta a auditora-fiscal, que agora pretende ajuizar uma ação indenizatória por danos morais.
Observando-se todos os detalhes do caso, a indignação contra as injustiças só aumenta. Desde o primeiro momento o juiz federal utilizou-se de recursos legais, mas de forma duvidosa, para retirar sua mercadoria e não pagar o imposto devido. Pode-se colocar em dúvida a validade de uma liminar para liberar uma caixa de copos de cristais. “A liminar é uma medida de urgência. Se fosse um medicamento, por certo haveria este perigo”, avalia [o advogado] Militão.
O juiz federal que deferiu a liminar, no julgamento do mérito considerou que Rocha, ao remeter a mercadoria por via postal, deveria pagar o Imposto de Importação correspondente a 60% do valor da mercadoria – US$ 400 –, como prevê a legislação aduaneira, que concede isenção apenas quando se refere a roupas e objetos de uso pessoal, folhetos, livros e periódicos. (…)
Denúncia inepta – Na primeira denúncia apresentada ao Juiz Federal da 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba, o Ministério Público Federal no Paraná propunha a pena pecuniária de um, dois e de três salários mínimos, respectivamente, para Maria Elizabeth e os dois chefes imediatos. Os três recusaram a proposta ao considerarem que, sendo inocentes, não teriam porque aceitá-la. Posteriormente, o juiz federal Marcelo Malucelli considerou inepta a denúncia de crime de prevaricação apresentada por duas vezes seguidas pelo procurador Jaime Arnoldo Walter, designado para o caso.
O MPF insistiu: em abril deste ano interpôs um recurso criminal perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A Sétima Turma do tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso. O caso encerrou. Na esfera administrativa, o processo instaurado pela Secretaria da Receita Federal, para apuração de possível infração à legislação disciplinar, foi arquivado, pois não foram constatadas quaisquer irregularidades.
DCM

sábado, 12 de agosto de 2017

Juiz que não afasta qualquer dúvida sobre sua parcialidade é ilegítimo

Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Em artigo publicado no Conjur nesta sábado (12), os advogados Ruiz Ritter e Luíza Richter abordam as polêmicas em torno da figura do juiz parcial. Em alta, o assunto foi puxado por causa do episódio com o desembargador Paulo Espírito Santo, do TRF2, que fez um comentário ardiloso demonstrando subvalorizar a função das defesas.

Mas a Lava Jato também marcou a discussão com os questionamentos feitos pela defesa de Lula ao juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. O magistrado respondeu a inúmeros pedidos de suspeição e aguarda julgamento no Conselho Nacional de Justiça pela falta de imparcialidade em relação ao ex-presidente, segundo alegam os advogados.

Para Ritter e Richter, juiz imparcial não é a mesma coisa que juiz neutro, sem subjetividade sobre o que irá julgar. O juiz imparcial é aquele que, mesmo diante da subjetividade, sabe que deve dar tratamento isonômico às partes.

Por Ruiz Ritter e Luíza Richter, No Conjur.

Inverno de 2017, século XXI, e ainda é possível observar no Poder Judiciário, por meio de seus representantes, evidentemente, um poder que, ao revés do seu papel constitucional vinculado à um Estado Democrático de Direito, confunde-se (revela-se) com um poder supremo-divino. Há, inclusive, magistrado “perdoando” (sim, a palavra é essa) advogados por exercerem seu ofício: “Eu perdoo o advogado que vem aqui defender clientes. Essa é a função do advogado e a gente tem que perdoar” (frase do desembargador Paulo Espírito Santo, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região)[1]. E há quem acredite (e sustente) que nosso sistema de Justiça criminal não se alimenta da mesma lógica autoritária que vigorava por detrás da Santa Inquisição, em que juízes-inquisidores detinham múltiplos e ilimitados poderes, já que representantes da vontade de Deus. Será mesmo?

Não vamos adentrar na problemática atinente ao ativismo judicial, tão já fundamentadamente criticado por Lenio Streck (há bastante tempo, diga-se), que chegou a escrever recentemente um livro intitulado Juiz não é Deus[2], para dar apenas um oportuno exemplo; na necessidade de se compreender em definitivo o Estado como um Estado laico, o que haveria de estar incontroverso desde o movimento de secularização propagado no século XVIII; nem tampouco na relevância do artigo 133 da CF/88, que chancela a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça[3]. Mas há algo preocupante nessa manifestação também por outro viés, que impõe nossa reflexão: é legítima uma jurisdição quando esta não é visivelmente (estética da aparência) imparcial?

Vale recordar que, ao se falar em jurisdição, a título de definição, se está falando de uma garantia constitucional, um direito fundamental de qualquer cidadão de ser julgado por um juiz natural (pré-determinado por lei, e não ocasional, escolhido) e imparcial, qualidade que reflete justamente a essência dessa jurisdição[4], sua verdadeira condição de validade[5].

E elementar que ao se falar em imparcialidade não se está falando da superada ideia de neutralidade (ausência de pré-conceitos inerentes a subjetividade humana). Ao contrário, se está assumindo essa subjetividade, para compreender tal imparcialidade (em síntese) como uma construção jurídica, que visa preservar a cognição do julgador, para que não beneficie uma parte em detrimento da outra, involuntariamente ou não, impondo, para tanto, limites à sua atuação no processo, no sentido de conduzi-lo como terceiro desinteressado (alheio[6]) em relação às partes, comprometendo-se, contudo, em apreciar na totalidade ambas as versões apresentadas sobre o fato e proporcionar sempre igualdade de tratamento e oportunidades aos envolvidos. É de pressuposto de legitimidade e limite que se trata, portanto.

Tolerar que um magistrado manifeste seu “perdão” a um advogado é tolerar uma jurisdição vazia e ilegítima, porque parcial. E não há a necessidade de se analisar o processo para constatar essa parcialidade: ela é inerente à admissão de que o patrocínio da defesa constitui-se em pecado (que deva ser perdoado). Não é admissível que um magistrado faça um juízo de valor depreciativo dessa forma a uma das partes. Trata-se, aqui, de violação da imparcialidade subjetiva, como definida pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (desde 1982, a partir do caso Piersack vs. Bélgica[7]), posto que está explícita a preferência do magistrado pela parte acusadora, a qual não necessita de perdão para atuar no processo.

Nada mais sintomático do processo penal contemporâneo, tragicamente moldado pela operação "lava jato". Não surpreende, aliás, que o MPF proponha, no âmbito de suas 10 medidas contra à corrupção, a restrição de recursos criminais quando “meramente protelatórios” e não apresente qualquer definição a respeito de quais são estes, atribuindo ao Judiciário o poder dessa decisão[8]. Ou, ainda, que responsabilize as defesas e o sistema recursal como um todo pela morosidade do Judiciário e pelo “não cumprimento da lei”[9]. O órgão acusador, afinal, sabe para qual lado pende a balança, e a defesa está cada vez mais vista como um entrave à (ainda vigente) busca da “verdade” no processo, exatamente como era considerada no âmbito da Inquisição[10].

Enfim, respondendo à questão inicial: ilegítima uma jurisdição que não afaste qualquer dúvida sobre sua parcialidade (dimensão objetiva da imparcialidade, nos termos do TEDH). Que dirá, então, quando há uma manifestação expressa de preferência por uma das partes pelo julgador (dimensão subjetiva), que “aceita” e “perdoa” a outra pelo simples exercício do seu mister. De fato, vivemos tempos sombrios.


[2] STRECK, Lenio Luiz. Juiz não é Deus – Juge n'est pas Dieu. Curitiba: Juruá, 2016.


[3] CF/88, art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[4] Princípio basilar da função jurisdicional, nas palavras de Montero Aroca (MONTERO AROCA, Juan. et al. Derecho jurisdiccional III: proceso penal. 10ª ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2001. p. 29).

[5] De fato, “La imparcialidad judicial es una garantia tan esencial de la función jurisdiccional que condiciona su existencia misma: [...]” (CORDÓN MORENO, Faustino. Las garantias constitucionales del proceso penal. 2ª ed. Navarra: Arazandi, SA, 2002, p. 109).

[6] “Terzietá” como intitula a doutrina italiana, a exemplo de Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. 10ª ed. 1ª reimpressão. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez; Alfonso Ruiz Miguel; Juan Carlos Bayón Mohino; Juan Terradillos Basoco; Rocío Cantarero Bandrés. Madrid: Trotta, 2014. p. 580).

[7] European Court of Human Rights. Case of Piersack vs. Belgium: Application 8.692. 1 october 1982. Disponível em:


[8] Medida de nº 4 referente a recursos considerados meramente protelatórios, determinando que, quando a autoridade judicial verificar que se trata de ato protelatório ou direito abusivo de recorrer, irá determinar o trânsito em julgado imediato da decisão recorrida e o retorno dos autos à origem (art. 580-A. Verificando o tribunal, de ofício ou a requerimento da parte, que o recurso é manifestamente protelatório ou abusivo o direito de recorrer, determinará que seja certificado o trânsito em julgado da decisão recorrida e o imediato retorno dos autos à origem. Parágrafo único. Não terá efeito suspensivo o recurso apresentado contra o julgamento previsto no caput).

[9] O que pode ser extraído dos seguintes trechos dessa mesma Medida nº 4: "Tal como reconhecido pelo então Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 22 de dezembro de 2010, 'o Brasil é o único país do mundo que tem na verdade quatro instâncias recursais. É certo que esta ampla e quase inesgotável via recursal tem sido utilizada, na maioria das vezes, para protelar a marcha processual e evitar o cumprimento da lei. Daí a importância de que as condutas tendentes a prejudicar a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional sejam neutralizadas, sobretudo nos tribunais, onde o exame da prova já se encontra exaurido.' [...] “O principal gargalo para a eficiência da justiça criminal e o enfrentamento à corrupção é o anacrônico sistema recursal brasileiro".

[10] Como revela o inquisidor Nicolau Eymerich no seu manual para inquisidores, no capítulo intitulado “Obstáculos à rapidez de um processo”: “O fato de dar o direito de defesa ao réu também é motivo de lentidão no processo e de atraso na proclamação da sentença. Essa concessão algumas vezes é necessária, outras não” (EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. Trad. Maria José Lopes da Silva. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1993. p. 137).

GGN