Antônio
Cruz/Agência Brasil
Para o ex-corregedor nacional de Justiça Gilson Dipp,
sucessão de decisões não deve ser tema para o CNJ.
“A cena mais patética que eu jamais vi em todo o Judiciário”.
Esta é a avaliação do ex-ministro Gilson Dipp, que foi vice-presidente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de justiça no Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), sobre o imbróglio causado pela sucessão de decisões
envolvendo um pedido
de habeas corpus apresentado por deputados petistas para o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Em entrevista ao JOTA, Dipp – que foi presidente do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, centro do episódio deste domingo (08/7)
– se disse “chocado”. “Sem apontar qualquer culpa de ninguém, mas foi um
processo altamente politizado. E agora a gente sabe quem é quem”.
Na avaliação do ministro aposentado, “quem menos errou, em
termos de competência”, foi o desembargador federal Rogério Favreto, que
cumpria o plantão judiciário. “Apesar de eu não concordar no conteúdo com a
tese dele, porque não havia urgência, ele resolveu e estava no direito, tinha
competência para tanto.”
Para ele, contudo, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) entrar no mérito do episódio. “O CNJ não é um órgão judicial, é um órgão
administrativo disciplinar do judiciário. Aqui se tratam de várias decisões
judiciais, mesmo que quase todas formuladas de modo irregular”, explicou.
Dipp afirma que “o precedente básico é que o CNJ não
pode rever decisões judiciais”.
Leia a íntegra da entrevista concedida ao JOTA:
JOTA: Como o senhor
avalia a confusão de decisões envolvendo o pedido de habeas corpus em favor do
ex-presidente Lula?
Gilson Dipp: Confusão não, foi a cena mais patética que eu
jamais vi na minha vida em todo o Judiciário. Tudo isso me choca muito porque
esse imbróglio foi feito no tribunal de onde sou egresso e do qual fui
presidente. Sem apontar qualquer culpa de ninguém, mas foi um processo
altamente politizado. E agora a gente sabe quem é quem. Eu sou amigo dos quatro
[Favreto, Moro, Gebran Neto e Thompson Flores].
JOTA: O desembargador
Favreto tinha competência para conceder o habeas corpus a Lula?
Dipp: O ato do desembargador Favreto tinha competência?
Claro. Todo mundo sabe que no plantão os advogados, e isso faz parte do jogo,
escolhem um plantonista. Agora mesmo há a discussão se a Cármen Lúcia vai ser
presidente [do STF] ou não durante o recesso. É isso aí. Escolheram um sujeito
que tinha maior possibilidade ideológica. Ele estava na sua plena competência.
Era o juiz plantonista indicado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Naquele momento ele representava o tribunal.
JOTA: O desembargador
Favreto poderia examinar a liminar?
Dipp: Poderia, e fez isso. Eu posso não concordar com o teor,
o conteúdo da decisão judicial. Basicamente porque não há nenhuma urgência ou
nenhum fato novo que implique em um exame da matéria num domingo, sendo que no
dia seguinte o relator da apelação originária já estaria trabalhando. Então a
decisão do Favreto foi uma decisão fundamentada de acordo com a sua convicção,
com seu entendimento. E isso faz parte do livre convencimento do juiz.
Queiram-se, concorde-se ou não. Eu não daria no mérito essa decisão, mas ela é
legítima, o desembargador tem competência e é uma decisão judicial. Plantonista
é instrumento do tribunal.
JOTA: Como o senhor
avalia a atuação do juiz Sérgio Moro, que estava em férias?
Dipp: Ele se manifestou em um momento inapropriado. Porque no
caso da liminar ele seria ouvido. Pela lei, tanto a autoridade coatora quanto o
MPF são ouvidos em um prazo de cinco dias. Ele, no entanto, atravessou um
despacho questionando a competência de um superior hierárquico seu. Afirmou
falta de competência, afirmou que falou com o presidente do tribunal, afirmou
que teria que ouvir o relator. Nada disso poderia ter sido feito.
JOTA: O relator
originário da apelação, desembargador Gebran Neto, agiu corretamente?
Dipp: Quem tinha jurisdição naquele momento era o
desembargador plantonista. Ele [Gebran Neto] num domingo, tendo alguém
representando o tribunal- e quem representava era o Favreto – convoca
para si o processo e manda suspender o alvará de soltura do Lula. Juiz de igual
hierarquia. Ambos desembargadores do TRF4. Um determina o contrário do outro.
Isso não poderia haver.
Decisão judicial ruim, errada ou teratológica se reforma
segundo a lei e a Constituição pelos recursos cabíveis e pela autoridade
hierarquicamente cabível.
JOTA: E a decisão do presidente
do tribunal, desembargador Thompson Flores?
Dipp: A meu ver, apesar de ter resolvido a questão que deixou
todo mundo em polvorosa, a competência para dirimir matéria jurisdicional em
conflito não é do presidente do tribunal. Presidente do tribunal administra,
assina orçamento, presidente sessões, decide suspensão em segurança – o que diz
respeito à ordem pública, economia, saúde pública, o que não era o caso, já que
aqui é matéria penal. Então, ele suprimiu também ou o plenário do TRF ou a
competência do STJ. Foram erros e irregularidades seguidos.
JOTA: A decisão do
desembargador Favreto estava errada?
Dipp: Quem menos errou aí, em termos de competência, em
termos de processo penal, foi o desembargador Favreto, apesar de eu não
concordar no conteúdo com a tese dele, porque não tinha urgência. E a questão
está sendo examinada pelas instâncias superiores. Não dá para decidir isso num
domingo. Mas ele resolveu, e ele estava no direito, tinha competência para
tanto, resolveu enfrentar a questão. E no caso do HC o recurso não se confunde
totalmente com a apelação no mérito, aquela que está sendo julgada pelo
tribunal, e que tem recursos no STF e no STJ. O HC tem particularidades, é uma
medida constitucional que tem particularidades, que foram desenvolvidas ali
naquele HC. Certo ou errado, não interessa.
JOTA: O que as decisões
conflitantes a respeito do habeas corpus impetrado por deputados a favor do
ex-presidente Lula mostram?
Dipp: Tudo isso deixa ver uma politização escancarada do
Judiciário. Um imbróglio que veio a acontecer num momento inadequado, nas
eleições. Tudo aconteceu porque existe um nome na capa do processo: Luiz Inácio
Lula da Silva.
O tribunal não está fazendo mais do que receber uma educação
inadequada do STF, onde esses conflitos são diários entre ministros, entre
turmas
Cada um com uma decisão disparatada. É que nem pai. Pai dá
exemplo para o filho, e isso aconteceu por erro de avaliação do filho sobre
aquilo que é certo ou não no pai.
JOTA: Desde domingo, o
CNJ recebeu seis pedidos de providência para que seja apurada a conduta de
Rogério Favreto de conceder habeas corpus e mandar soltar o ex-presidente Lula
durante o plantão judicial do TRF4. Outras três representações têm como alvo o
juiz federal Sérgio Moro. O CNJ deve analisar estes pedidos?
Dipp: Para mim, todas essas decisões foram decisões
jurisdicionais. Certas ou erradas. E sendo decisões jurisdicionais podem ser
atacadas pelo recurso cabível em matéria processual penal da legislação. Não se
trata de infração disciplinar que mereça a atenção do CNJ. Houve um fundamento
na decisão. O CNJ não é um órgão judicial, é um órgão administrativo
disciplinar do Judiciário. Aqui se tratam de várias decisões judiciais, mesmo
que quase todas formuladas de modo irregular.
JOTA: Um dos pedidos foi
assinado por 100 procuradores e promotores que requerem o “afastamento liminar
do citado Desembargador Federal [Favreto], haja vista a ordem ilegal decretada
em afronta à decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
referendado pelo Plenário do STF”.
Dipp: Tudo isso é falta de conhecimento da atribuição do CNJ,
da sua competência. O precedente básico é que o CNJ não pode rever decisões
judiciais. Os dois fatos que mais chamam atenção são a atitude do Sérgio Moro e
do relator de atravessar, num domingo, um processo em que ele tem competência,
mas não naquele momento. Isso é teratológico, irregular, mas eles bem ou mal
fundamentaram juridicamente suas posições. Veja que o próprio desembargador
Thompson Flores usou fundamentos basicamente externados pelo Gebran. São sim
decisões judiciais extemporâneas, erradas. Mas tudo se reforma através dos
recursos cabíveis, e pela autoridade competente hierarquicamente para modificar
ou manter a decisão. O CNJ não tem atribuição para tanto, salvo se, e aí de
maneira grosseira, toda decisão judicial reclamar uma providência disciplinar,
o que termina com o sistema e faz com que o CNJ acabe não sendo mais o órgão
criado para zelar pelas suas atribuições. Existem muitas decisões dizendo que o
CNJ não pode rever decisão judicial.
Mariana Muniz – Repórter em Brasília
Do Jota/GGN