terça-feira, 30 de abril de 2019

A INDÚSTRIA DO COMPLIANCE COMO NOVO FOCO DE CORRUPÇÃO, POR LUÍS NASSIF

Como nasceu a Lava Jato? Qual o papel do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na formação da força-tarefa? Como a indústria de compliance surgiu a partir da operação na Petrobras?
No GGN publiquei um “Xadrez” sobre a maneira como o Departamento de Justiça dos EUA passou a tratar a questão da corrupção política e como que preparou a Lava Jato, procuradores e juízes brasileiros.
Isso começa no começo dos anos 2000 com a criação da Seção de Integridade Pública do DOJ, incumbido de investigar crimes políticos, crimes que envolviam a administração pública de uma maneira geral.
Pra evitar pressão política, foi dada cobertura total a esse departamento. Blindagem total. Um grupo de 36 pessoas, procuradores e outros, que passara a investigar os grandes escândalos corporativos e políticos.
Leia mais: 
Um dos primeiros episódios foi o da Enron e da Andersen Consulting, que era a empresa de auditoria da Enron.
Ali, pela primeira vez, foi testada uma “tecnologia” de atropelar direitos, que depois foi incorporada pela Lava Jato.
Então no artigo eu mostro um conjunto de fatores, o fato de esconderem provas das defesas, o fato de usar o acesso às provas para impor narrativas aos réus e testemunhas para aceitarem delação premiada.
E depois, como lá tem um sistema jurídico que chega, em certo momento, a dar um cabo nesses abusos, quando chegavam nas instâncias superiores e se percebiam os abusos, muitos procuradores saiam e iam trabalhar em grandes escritórios de advocacia.
Por aí a gente vê esse knowhow importado para o Brasil, essa ligação entre procuradores e grandes escritórios de advocacia e compliance.
Compliance se trata de um conjunto de regras e tudo visando blindar uma empresa contra corrupção. Não tem mistério. É só você mapear todos os processos de decisão da empresa que geram os contratos, que geram a saída de dinheiro, identificar e definir valores e tudo, e definir atribuições, estabelecer instâncias de decisão. Tal valor tem que tais e tais diretorias envolvidas… A partir de tal valor… O Banco do Brasil tem isso estupendamente, tanto que não teve rolo nenhum dele nesse período. O BNDES tem esse mesmo processo, o que aconteceu com ele foi arbitrariedade da Lava Jato do Rio.
Então, agora, o compliance é o seguinte: os mais velhos se lembram da bolha de tecnologia que houve no começo dos anos 2000. Quando você tem essas bolhas, essas bolhas impedem uma precificação do projeto. O projeto, quanto que vale? As bolhas extrapolam esses valores.
Então você teve muito de dinheiro lavado através de projetos de tecnologia.
Você montava um projeto, fazia uma start-up, entrava o dinheiro… Têm filhas de políticos aqui que ficaram ricos por conta disso.
Com o compliance ocorre o mesmo. Você tem um quadro novo, que são procuradores sem limites avançando sobre empresas, destruindo empresas. Nos Estados Unidos, destruíram a Enron, a Andersen Consulting.
Depois de anos, que se percebeu, em vez de criminalizar, digamos, pessoas que cometeram atos, eles criminalizaram a própria empresa. Quebraram a empresa, como foi feito aqui com a Petrobras pela Lava Jato.
Então você espalha o terror. Tem casos aí, que nem aqui no Brasil, do sujeito ser mantido preso durante um tempo, até abrir o bico.
As delações premiadas serem de acordo com o que procurador queria. Então você espalha o medo nas empresas. A partir daí entram as empresas de compliance.
No caso brasileiro, o que houve aqui com Petrobras, Eletrobras, com Ellen Grace, isso vai dar uma CPI em algum momento.
Não tinha nada para justificar 200 milhões de dólares para fazer compliance na Petrobras, sendo que já tinham grandes escritórios paulistas contratados para fazer esse trabalho.
A mesma coisa com a Eletrobras. No caso do acordo que houve nos EUA, a class-action, um acordo da Petrobras com todos os chutes aí… Eles calculavam a propina da Petrobras em 900 milhões de dólares. Um chute, um chute.
A propina saia da margem de lucro da empresa. E você vê: se a Petrobras era vítima, as multas das empreiteiras tinham que reverter para a Petrobras. Em vez disso, a Petrobras assina o contrato nos EUA, com o Departamento de Justiça, e com a participação dos procuradores brasileiros, em que ela se compromete a pagar 3 bilhões de dólares em indenização. E daí, 2 milhões e meio de reais vem para administração da Lava Jato.
Todos esses procuradores, e ninguém para defender o Brasil lá. Uma empresa pública, um patrimônio nacional.
Então essa questão do compliance é a chave para entender tudo que está ocorrendo aí. É um jogo milionário, sem limites. Sem limites. Quanto mais o terror implantado aqui do lado dos procuradores, mais as empresas vão estar dispostas a pagar. E pagar é compra de proteção, porque compliance, qualquer pessoa medianamente, qualquer sistema de RP, tudo, você implanta compliance em uma empresa. ‘Mas aqui você vai fazer com tais e tais escritórios de advocacia’, porque eles têm ligações com o DOJ e vendem uma proteção.
Por aí se entende muito desse jogo da indústria da delação anticorrupção, que acabou fazendo com que a corrupção mudasse de lado.
A venda de defesa, através desses contratos de compliance, faz com que as empresas sangrem muito mais do que com a corrupção que existia antes. Até mais.
GGN

sábado, 27 de abril de 2019

“BRASIL GOVERNADO POR LOUCOS” É MANCHETE PELO MUNDO

Jornais da Europa, América Latina e Estados Unidos destacam a entrevista de Lula como preso político, com destaque para luta para desmascarar Moro e Lava Jato e a submissão de Bolsonaro a Trump.
Foto: Reprodução do noticiário, montagem da RBA
A imprensa internacional repercutiu a primeira entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como preso político, concedida na sexta-feira (26) aos jornais Folha de S.Paulo e El Pais, destacando a afirmação de Lula de que o Brasil passou a ser governado “por um bando de lunáticos” e de que vai lutar para mostrar ao povo brasileiro e ao mundo as armações de Sergio Moro para incriminá-lo e tirá-lo da disputa eleitoral.
O principal jornal da França, o Le Figaro, ressaltou a “obsessão” de Lula, a quem chama de ícone da esquerda, de provar sua inocência, ainda que custe a própria liberdade. “Eu quero sair daqui com a cabeça erguida, como entrei: inocente. Muitas pessoas pensaram que eu teria que fugir, sair do Brasil ou me refugiar em uma embaixada. Mas eu decidi que o meu lugar era aqui. Posso ficar na prisão por cem anos, mas não vou trocar minha dignidade pela minha liberdade”, relatou o jornal.
O britânico The Guardian deu destaque a Lula ter classificado os membros do governo Bolsonaro de “lacaios dos Estados Unidos”, e reproduziu uma de suas falas sobre o tema “Nunca vi um presidente saudar a bandeira americana. Nunca vi um presidente sair dizendo ‘Eu amo os Estados Unidos. Você deve amar sua mãe, você deve amar o seu país. O que é isso de amar os Estados Unidos? Alguém acha mesmo que os Estados Unidos vão favorecer o Brasil?”, cita o The Guardian.
canal de notícias americano Fox News, citando reportagem da agência Associated Press, também escolheu ressaltar que Lula quer provar sua inocência das condenações que recebeu por conta das irregularidades cometidas pela força-tarefa da Lava Jato. “Estou obcecado em desmascarar o juiz Moro e aqueles que me sentenciaram. Quero expor a farsa montada no Departamento de Justiça dos Estados Unidos.”
A agência russa Sputnik relatou a comparação de Lula, durante a entrevista, do tratamento que a imprensa brasileira dá a ele e a Bolsonaro “Imagina se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha família”, destacou o site – além de o próprio Bolsonaro residir no mesmo condomínio de um dos acusados pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol-RJ), o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, homenageou e empregou familiares de um miliciano, quando era deputado estadual no Rio
O argentino Página 12 citou a passagem da entrevista em que Lula afirma a “maluquice” que chegou ao governo brasileiro. “Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é o Brasil estar governado por esse bando de malucos. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso”, escreveu o jornal.
Na versão em espanhol da entrevista produzida pela filial brasileira, o El País traduziu ressaltou: “Lula está preso, ele quer conversar e sabe que esta entrevista é uma oportunidade para fazê-lo depois de um ano silenciado pela prisão”.
A multiestatal teleSUR lembrou do caminho jurídico que tornou a entrevista possível. “O ex-mandatário fez suas declarações durante a entrevista que foi autorizada no último dia 18 de abril pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, José Antonio Dias Tóffoli, após um processo legal para sua realização”.
Do GGN

sexta-feira, 26 de abril de 2019

“É O LULA DE SEMPRE. ELE TEM FÚRIA”, DIZ FLORESTAN FERNANDES

Lula: "O que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com este país, com este povo".
“Suas mãos tremem um pouco quando começa a ler. Seu rosto fica vermelho olhando para o texto que traz um rosário de críticas contra seus julgadores. ‘Sei muito bem qual lugar que a história me reserva. E sei também quem estará na lixeira.’ Lula critica o ex-juiz Sergio Moro, responsável pela sua condenação, a operação Lava Jato, e o procurador da Deltan Dallagnol. ‘Reafirmo minha inocência, comprovada em diversas ações’. O silêncio é absoluto, apesar da presença de delegados da Polícia Federal e de três oficiais armados, todos a serviço da PF, que está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, conduzido por Sergio Moro.”
Esse é o primeiro parágrafo da reportagem de Florestan Fernandes, ao El País Brasil, com a entrevista do ex-presidente Lula, após uma batalha jurídica, na manhã desta sexta-feira (26). A narrativa de Florestan é desde as palavras e gestos de Lula, mas também a partir de perspectiva pessoal do jornalista nos fatos que rodeavam aquele momento: “Lula está engasgado e sabe que esta entrevista é a oportunidade para falar depois de um ano silenciado pela prisão em abril de 2018”, continuou.
“É o Lula de sempre. Ele está igual. Quem esperava vê-lo envelhecido ou derrotado, se frustra. Ele tem fúria”, descreve o jornalista.
Foi ao comentar a morte de seu neto, Arthur Araújo Lula da Silva, de 7 anos, que Lula desabafou: “Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Porque eu já vivi 73 anos, eu poderia morrer e deixar meu neto viver.”
E ao narrar as motivações que o mantêm firme, mesmo ainda dentro da prisão, Lula criticou o “messianismo ignorante” daqueles que o condenaram, que “forjaram uma história”. “Eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com este país, com este povo”, declarou.
 
Leia aqui a primeira matéria de Florestan Fernandes, uma introdução da sequência de outros trechos da entrevista de Lula aos jornalistas, que serão publicadas ao longo do dia pelo jornal. Nessa primeira parte, Florestan assegura: “É o Lula de sempre. Ele está igual”.
Acompanhe também alguns trechos da entrevista: Não vou descansar enquanto não desmascarar Moro, Dallagnol e sua turma, diz Lula 
GGN

quinta-feira, 25 de abril de 2019

“TENHO DÚVIDA SERÍSSIMA QUANTO AOS DOIS CRIMES”, DIZ MARCO AURÉLIO SOBRE CONDENAÇÃO DE LULA

"Teria havido procedimento do presidente visando dar, ao que ele recebe 'via corrupção', a aparência de algo legítimo? A lavagem pressupõe [isso]”, afirmou.
Foto: Agência Brasil
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta quarta-feira (24), segundo informações do portal Jota, que a Corte terá que discutir se na condenação de Lula no caso tríplex estão configurados os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

terça-feira, 23 de abril de 2019

JULGAMENTO DE RECUSO DO LULA NO STJ



ENTENDA AS RAZÕES DAS INVESTIGAÇÕES DO STF SOBRE OS VAZAMENTOS, POR LUIS NASSIF

A Lava Jato Curitiba se tornou a principal alimentadora dos ataques das redes sociais ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os procuradores agem de maneira explícita. Em declarações e artigos em órgãos de imprensa ou pelo Twitter, passaram a alimentar campanhas virtuais contra o STF, impulsionadas por redes digitais bancadas por empresários financiadores do bolsonarismo. E o corporativismo impede que os órgãos de controle do Ministério Público Federal colocassem um freio nos abusos, em defesa da própria corporação.
Não se limitam a sua atuação funcional, mas procuram pressionar os órgãos superiores, através das milícias digitais, e a interferir nas políticas partidárias.
Esse é o pano de fundo, o ponto central a ser analisado.
Por conta dessa ausência de auto regulação, e da infiltração de partidos de direita na corporação, hoje em dia, o MPF é uma barafunda ideológica, a ponto de Airton Benedito – o procurador goiano que considera que direitos humanos é uma faceta do marxismo cultural – ter sido eleito por seus colegas goianos justamente para a Procuradoria Estadual dos Direitos do Cidadão. Seria o mesmo que indicar Brilhante Ustra para coordenar a justiça de transição.
A proliferação de abusos na 1ª instância, e o enfraquecimento dos órgãos de controle, foi a bomba deixada pelo ex-PGR Rodrigo Janot no colo da sua sucessora. E, aí, um tema complexo encontrou uma procuradora centralizadora, fechada, e com pouquíssima flexibilidade política.
Para evitar opiniões disparatadas sobre temas complexos, Dodge havia proposto um novo modelo para meio ambiente, criminal e tutela coletiva, criando câmaras temáticas para ajudar a definir uma espécie de jurisprudência da casa.
Pensava agradar a categoria aumentando as gratificações por função. Mas a medida foi interpretada como maneira de acabar com a independência funcional do MPF, previsto na Constituição de 1988. Julgou-se que os conselhos poderiam designar procuradores para o caso especial. O mal-estar permaneceu mesmo após desmentido de Dodge.
O enfraquecimento de Dodge aumentou o atrevimento da Lava Jato de Curitiba. Não apenas Dallagnol, mas procuradores como Diogo Castor e Roberto Pozzobon passaram a criticar abertamente o STF, insuflando as milícias digitais, do mesmo modo que o veterano Carlos Fernando dos Santos Lima. O MPF tornou-se uma verdadeira casa da mãe Joana.
O STF abriu uma representação contra Dalagnoll por uma entrevista em que (mais uma vez) desancava a 2a Turma do STF, acusando-a de leniente com a corrupção.
Para decepção dos Ministros, Dodge refugou, fez a defesa da liberdade de opinião, totalmente incabível em um agente do Estado, quando insufla a opinião pública contra outro poder.
Percebendo a impotência da PGR, Dallagnol abusou. Entrou com uma representação junto à PGR, pedindo a suspeição de Gilmar Mendes. Antes que a representação chegasse a Dodge, divulgou a informação visando pressioná-la. Deixou-a emparedada. Se aceitasse, seria pau mandado; não aceitando, seria leniente com a corrupção.
Não se tratava mais do jovem evangélico em luta contra o dragão da corrupção, mas um agente político irresponsável em relação à sua corporação, que não vacilava em desmoralizar o próprio MPF e a PGR em favor dos propósitos políticos de seu grupo.
Dodge deu o troco no episódio da proposta de criação da tal fundação que visaria administrar R$ 2,5 bilhões que a Lava Jato recebeu no acordo firmado com o Departamento de Justiça norte-americano.
O episódio causou uma trinca na imagem da Lava Jato junto à mídia. Ao perceber a quebra na unanimidade, Dodge entrou batendo pesado, propondo uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional) contra a medida. A ADPF leva o caso diretamente ao STF, evitando o risco de decisões corporativistas dos órgãos de controle do MPF, como os conselhos superiores. Mas, ao mesmo tempo, provocou críticas na corporação, pelo enfraquecimento da 1a instância.
Desagradou a gregos e troianos. Se a independência funcional foi utilizada irresponsavelmente para desestabilizar a democracia, como seria sem independência funcional, em um momento em que ascende ao poder um governo autoritário?
Nos dois casos, nem os críticos da Lava Jato concordaram com as duas decisões, pelo caráter centralizador. Em ambos os casos, foram decisões solitárias de Dodge, que não tem por hábito consultar nem seus assessores diretos.
Foi esse pano de fundo que levou o STF, através do nada sutil Alexandre de Moraes, a tocar a investigação contra os vazamentos e as milícias digitais. Haverá garantia de que os fatos serão apurados, sem defesas corporativistas. Depois, com a ampla publicidade dada aos resultados da apuração, o MPF terá a dura missão de fazer (ou não) a denúncia. Não haverá como o MPF deixar de encarar seus ossos no armário.
Seria bom que caísse a ficha da corporação que a maior ameaça ao MPF independente se chama Deltan Dallagnol e seu padrinho Sérgio Moro.
Do GGN

segunda-feira, 22 de abril de 2019

XADREZ DA ULTRADIREITA E O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO, POR LUIS NASSIF

A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Peça 1 – a irracionalidade como ideologia
Confesso que a primeira vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que fosse apenas mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por cronistas vociferantes. Ele citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras vezes. Segundo Baudrillard, “o comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.
Eixo do mal, ideologia viral invadindo os cérebros das pessoas, esse tipo de discurso pirado, profundamente anacrônico, no entanto, começou a ser exercitado por outros cronistas do ódio, alguns se espelhando claramente em Olavo de Carvalho.
Um paper para discussão, do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz algumas luzes sobre as ideias que ajudaram a moldar a nova face do anticomunismo no Exército: a luta contra o marxismo cultural, do qual o principal expoente foi o General Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011.
A principal obra do general Sérgio é “Revolução Gramcista no Ocidente, de 2002 e reeditado pela Biblioteca do Exército em 2010.
Peça 2 – as raízes da nova direita
Segundo o autor, as influências centrais, tanto do general Coutinho, como de Olavo de Carvalho, foi o pensamento  neoconservador  norte-americano  dos  anos  1980  e  1990,  “mais especificamente  o  ramo  denominado  “paleoconsertives” com raízes fincadas no coletivismo de direita americana da década de 1920 e 1930, de oposição ao New Deal”.
Sustentava-se no tripé pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (civilização ocidental e judaico-cristã).
Esse conservadorismo ressurge agora no movimento denominado de “alt-right”, com ênfase ainda maior na guerra cultural, “pois  a  cultura  e  a moralidade  americana  estariam  sendo  destruídas”. Os instrumento de destruição seriam o multiculturalismo e o “marxismo cultural” sendo manobrado por acadêmicos, militantes, jornalistas.
Esses argumentos são desenvolvidos após o fim da União Soviética, como forma de manter alimentada a indústria do anticomunismo.
Não foi por coincidência, alguns dos ideólogos eram ligados ao pensamento militar. Foi o caso de William Lind, que, em 1989, foi o primeiro a cunhar o termo de guerra de 4a geração, que depois seria rebatizada de ““guerra híbrida”, cujo objetivo era “obter  vantagens  com  as mudanças  políticas,  sociais,  econômica  e  tecnológica  em  virtude  do  aumento  da complexidade com adversários não estatais (terroristas, grupos revolucionários, etc.)”.
A grande ameaça, segundo Lind, seria a ideologia do multiculturalismo, “no qual o confronto ideológico-militar se dá entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um lado e o MCI, Movimento Comunista Internacional  (e os países islâmicos) de outro”.
Peça 3 – a ultradireita brasileira
É por esses mares que singra o barco do general Coutinho. De acordo com Costa Pinto, para o Gal. Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller,  Bill  Clinton,  entre  outros)  e  como  o  Lula  (articulado  com  Fidel  Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3)  nas escolas e Universidades;
4) nos  meios  de  comunicação;
5)  nas manifestações  artísticas;
6)  nos movimentos  sociais (ambientalistas,  movimento  negro,  LGBT,  MST,  etc..).
Nas palavras de Coutinho “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados  ou  mesmo  criados  pelas  organizações  de  esquerda  revolucionária  como componente  auxiliar  da  luta  de  classes  (aprofundamento  das  contradições  internas)  e como  elemento  ativo  da  ‘desconstrução’  da  família  tradicional  e  dos  valores  da civilização ocidental cristã”. ”
No plano internacional, além do apoio das ONGs, se valeriam da própria Organização das Nações Unidas (ONU) para favorecer regimes nacionais de esquerda e movimentos revolucionários em países do Terceiro Mundo.
É em cima dessa barafunda teórica, que o movimento alt-right, e seus sucedâneos tupiniquins, conseguem transmudar movimentos pacíficos, de defesa dos direitos humanos, em ameaças revolucionárias que precisam ser combatidas no plano cultural e com repressão política.
Peça 4 – o Estado como expressão do socialismo
A visão do Estado como um instrumento de opressão – e de fortalecimento do socialismo – vem dos tempos do New Deal. Para o general Coutinho, o Estado de Bem Estar, implementado pela social-democracia, seria uma forma de sociedade socialista.
Segundo Costa Pinto, trata-se de uma adaptação da visão da extrema direita americana sobre os “pequenos governos”. A diferença é que a visão da alt-right americana é da globalização, enquanto a dos Bolsonaro é da defesa da globalização e da abertura comercial.
Peça 5 – Coutinho e o pensamento militar
Costa Pinto vai buscar em entrevistas atuais de militares brasileiros, os indícios da influência do general Coutinho.
Do General Villas Boas
“Nós vivemos um fenômeno no Brasil e também no mundo que é o advento do pensamento do politicamente correto  […]  O  que  está  acontecendo  é  que  ele  [o  politicamente  correto]  está  tão impregnado  na  nossa  sociedade  ele  está  fazendo  com  que  todos  pensem  da  mesma maneira. […]. O pensamento politicamente correto se ideologiza e quando as questões são ideologizadas elas perdem a visão de resultado […]. Então quando mais temos de ambientalismo  mais  dano  ambiental;  […  quanto  mais  essa  preocupação  racial  mais preconceito  temos[…].  Quanto  mais  essa  questão  de  gênero  mais  preconceito homofóbico  vivemos  […]  E  mais  essa  quase  ditadura  do  relativismo  que  nós  estamos experimentando faz com se flexibilize todos os limites”. “
Do General da Reserva Luiz Eduardo Paiva
“Uma coisa é o  Haddad  aqui  em  cima  ou  o  Lula  aqui  em  cima, mas  quem  dá  a  linha  ideológica perigosíssima do PT está aqui em baixo. É o Zé Dirceu, era o Marco Aurélio Garcia, é o Pomar.  Porque  eles  estão  implementando  no  país  uma  revolução  silenciosa  que  é  a revolução Gramscista, ocupando espaço, mobiliando todo o estado[…]”.  “
Do General Augusto Heleno, atual Ministro do Gabinete de Segurança Institucional:
“Nós beiramos [o socialismo], até tentamos com o Foro de São Paulo, alguns partidos que defendiam as teses socialistas […] Nós estivemos bem próximo disso acontecer, só que faziam uma máscara para fingir que não era, mas o caminho procurado era esse. Tanto é assim que as novas referências durante algum tempo foram Cuba e foram a própria Venezuela […]”.
“(…) Da Intentona de 1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução socialista”. ”
Peça 6 – o projeto de Nação
Desse modo, segundo Costa Pinto, o projeto de Nação vislumbrado por setores amplos das Forças Armadas, seria pela via dos costumes, da tradição, da identidade, sob ataque comunista. Mas “no plano econômico, a identidade  e  a  nacionalidade  seriam  realizadas  pelo  mercado,  sobretudo pelos capitais estrangeiros (de preferências norte-americanos) que supostamente trariam a modernidade para o país. Seremos altivos na identidade cultural, mas subalternos no plano econômico. ”
No Portal Feb, um dos muitos blogs de militares, o trabalho de Coutinho é equiparado ao de um missionário “que dedica sua vida ao resgate de almas e nações, é porque sua vocação pode levá-lo a pregar como um religioso ou discursar como um filósofo. Mas os poucos que lhes escutam e estudam suas recomendações chegarão à conclusão de que só se salva uma nação quando se estabelece no homem a consciência de sua alma e sua vinculação com o Criador. A construção de uma sociedade sadia está fundamentada na reconciliação do homem com Deus”.
No Ternuma – que junta ex-militares defensores da ação dos porões na ditadura – há os movimentos de aproximação com os blogs de ultradireita que surgiram na época.
“Aproximei-me, então, ainda mais do Gen Coutinho, até porque fiquei responsável por remeter ao Reinado Azevedo um exemplar do livro “A Revolução Gramscista no Ocidente”. A história da maneira pela qual o General decidiu estudar Gramsci, na idade em que muitos de nós mal tem paciência para ler o jornal, dá um pouco da dimensão deste homem”.
A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Pode ser que o autor tenha superdimensionado a influência dos militares de pijama.
GGN

domingo, 21 de abril de 2019

O CASO LULA NADA TEM A VER COM PRISÃO APÓS 2ª INSTÂNCIA, POR LUIS NASSIF

Ministros pusilânimes se valeram dessa manobra, de jogar o caso Lula no balaio geral da prisão em 2ª instância, para não ter que analisar as ilegalidades manifestas nos julgamentos contra ele.
Não há nada pior em um tribunal do que um uso de espertezas processuais para fugir de decisões que exigem coragem. O julgador tem vergonha do seu voto. Fica entre a cruz da pressão popular e a caldeirinha do notório saber jurídico. A saída é ceder às pressões através de espertezas processuais, que na prática impeçam que o direito prevaleça.
Nos últimos anos, em função da submissão ao clamor da besta, das divisões internas, e do medo – esse eterno exterminador de imagens públicas -, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a se valer exageradamente desse estratagema.
O caso mais emblemático foi o da relação forçada entre prisão em segunda instância e a prisão política de Lula. Nada tem a ver um caso com outro. A prisão de Lula não se deve às decisões sobre prisão após julgamento em 2ª instância, mas aos absurdos jurídicos cometidos e denunciados, ao conluio entre a 13ª Vara de Curitiba e a turma do TRF4 que o colocaram na situação de preso político. 
Ministros pusilânimes se valeram dessa manobra, de jogar o caso Lula no balaio geral da prisão em 2ª instância, para não ter que analisar as ilegalidades manifestas nos julgamentos contra ele.
Mesmo com essa esperteza, Rosa Weber ainda recorreu ao duplo twist esticado, se dizendo contra prisão em 2ª instância, mas votando a favor (com receio de que pudessem influenciar na libertação de Lula) para respeitar a maioria que se formou no julgamento anterior – e que não seria mas maioria com sua mudança de voto. Ou o corajoso Luis Roberto Barroso, fingindo que não se tratava de Lula, mas apenas dos sinais de leniência decorrentes do afrouxamento da prisão imediata para todos.
Aliás, há procuradores e advogados sérios – e garantistas – que consideram que a prisão só após esgotados todos os recursos, é um abuso de quem pode contratar bons advogados.
Nem se entre nessa discussão. Apenas se reitere que a prisão de Lula não pode ser amarrada ao álibi das discussões sobre prisão em segunda instância.
Do GGN

O SÉCULO DO JUDICIÁRIO E A VOLTA DA BARBÁRIE, POR LUIS NASSIF

De um bravo Ministro do Supremo Tribunal Federal, anos atrás ganhei um livro do jurista italiano Luigi Ferrajoli e a crença de que o século 21 seria o século do Judiciário, trazendo luzes, direitos, sede de Justiça, o poder contra-hegemônico levando a justiça às minorias e aos órfaos da política.
O Século 20 havia sido o do Legislativo, no início impondo o poder da maioria sobre os direitos das minorias, insuflado por massas ululantes e levando ao poder ditadores terríveis. Depois da Segunda Guerra, as maiorias legislativas acabaram sendo contidas por constituições, que definiam princípios civilizatórios e limites  que não poderiam ser ultrapassados pela legislação comum, impedindo golpes de Estado de maiorias eventuais.
Agora, com o Século do Judiciário, o que se vê, em nível global, é o arbítrio sendo exercido de uma forma inédita justamente pelo poder incumbido de trazer as luzes. A desmoralização da democracia representativa, dos partidos políticos, a ampliação da cooperação internacional, fizeram com que Ministérios Públicos e Judiciários de vários países passassem a instrumentalizar seus poderes constitucionais, cometendo toda sorte de abusos e sendo alimentados pela malta que passou a vociferar através das redes sociais.
Os casos de multiplicam. No Japão, o franco-brasileiro Carlos Ghosn está sendo submetido a uma perseguição implacável do MP japonês, mantido isolado na prisão, sem direito de se comunicar com o exterior e sem acesso aos autos para se defender. E tudo tendo como pano de fundo a disputa entre franceses e japoneses pelo controle de uma empresa automobilística.
No Canadá, o MP foi acionado pelos Estados Unidos para prender a filha do dono da Huawei, como instrumento da guerra tecnológica pelo desenvolvimento do 5G.
Em Portugal, o ex-primeiro ministro José Sócrates foi submetido a um ano de massacre pela parceria dos procuradores portugueses com a imprensa. Depois, permaneceu um ano preso sem culpa formada.
Nos Estados Unidos, alguns juizes e procuradores se aliaram a escritórios de advocacia e empresas de auditoria para criar uma indústria do compliance, arrancando bilhões da economia produtiva para a economia improdutiva que se instalou. A última vítima foi a Petrobras.
No Peru, a perseguição da Lava Jato local levou um ex-presidente ao suicídio.
País sem tradição democrática, o Brasil comprometeu a própria democracia, tendo como episódios trágicos o impeachment e a prisão política de Lula. O plantio pertinaz das sementes do arbítrio não foram praticadas por  jovens procuradores concurseiros, mas por Ministros do STF, como Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Carmen Lúcia, o indizível Luís Roberto Barroso, de Procuradores Gerais, como Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel, Rodrigo Janot, todos encantados com seus novos poderes, e sem um pingo de responsabilidade em relação à Constituição, às leis, ao país. E, principalmente, devido à cegueira generalizada da mídia, só percebendo o monstro que criara quando de suas entranhas nasceu essa figura pública disforme de nome Jair Bolsonaro.
O século do Judiciário gerou a maior ameaça à  democracia desde a ascensão do nazismo. A lógica é a mesma: a legitimação dada pelo clamor das turbas, derrubando leis, Constituição, calando os críticos, exterminando as oposições e impondo o populismo penal, sem freios nem contrapesos. E com procuradores se comportando como milícias vingadoras, sem estarem submetidos a nenhuma forma de freio.
Hoje o Brasil está mergulhado em uma luta entre corporações, com o caos institucional se espalhando por todos os poros do Estado.
Espera-se que, vendo a bocarra escancarada da barbárie, Ministros, juízes, procuradores, políticos, jornalistas de bom senso acordem a tempo de evitar o caos final.
Do GGN

quarta-feira, 17 de abril de 2019

XADREZ DA ENTREGA DO BRASIL AO CRIME ORGANIZADO, POR LUIS NASSIF

Enquanto isto, continuam sendo destruídas as últimas redes de segurança social que mantem um resto de coesão social no país.
Peça 1 – o Brasil legal e o criminoso
No momento, vive-se o maior desafio da história do Brasil.
Têm-se, de um lado, o desmanche do Estado brasileiro, das redes de proteção social, do direito ao trabalho e outros instrumentos básicos de cidadania. De outro, um avanço das organizações não estatais no amparo aos órfãos de Estado.
Há dois tipos de organização. Um deles, os movimentos sociais – como o MST (Movimento dos Sem Terra), MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto), MAB (Movimentos dos Atingidos por Barragens) – organizando os desassistidos, dentro de um processo de inclusão democrática. Em geral, são reprimidos e tratados como criminosos, apesar de sua luta ser dentro dos limites legais.
O outro, organizações criminosas que controlam parte relevante do território nas maiores metrópoles, substituindo o Estado na segurança, na oferta de justiça, no apoio social, no amparo às famílias de presidiários, na atividade econômica clandestina, com uma diferença de estratégia. O PCC, em São Paulo, investindo na adesão das populações dos territórios controlados, e as milícias no Rio, com a estratégia de tomada do poder político local e estadual. Depois de acordos com o MDB do Rio de Janeiro, as milícias montaram seu próprio partido político e conseguiram emplacar aliados na presidência da República e no governo do Rio de Janeiro.
Enquanto isto, continuam sendo destruídas as últimas redes de segurança social que mantem um resto de coesão social no país.
Peça 2 – o direito penal do inimigo
Peça central no desmonte do Estado foi a desmoralização da Justiça, com a consolidação do direito penal do inimigo.
Quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu atropelar a Constituição, trabalho pertinaz de Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Edson Fachin, estava aberto o caminho para a selvageria generalizada.
A morte absolveu Teori Zavascki, o Ministro que tolerou os abusos iniciais da Lava Jato e abriu as portas para o arbítrio mais ostensivo, desde a não tomada de posição em relação ao vazamento dos diálogos de uma presidente da República (reagindo com uma mera advertência), até a decisão inconsequente de autorizar a prisão de um Senador da República, com base em um grampo armado.
Criada a onda, nada mais segurou o oportunismo, a sede de sangue, o atropelo de qualquer ordem jurídica ou política, o desrespeito aos direitos individuais e a instauração sem disfarces do direito penal do inimigo.
O garantismo – a defesa dos direitos individuais – passou a ser tratado como leniência para com o crime, e seus defensores apontados como e cúmplices da criminalidade. Nesses período, todos os abusos foram cometidos: juízes atuando como agentes da acusação, condução coercitiva de testemunhas com ampla publicidade na imprensa, antes que se recusassem a depor, condenações com base em delações negociadas. No Supremo, Ministros endossando, por oportunismo, os abusos e, no Twitter, as milícias digitais sendo insufladas por procuradores. Irresponsáveis!
Agora se está em outro momento de corte, quando os grupos que se aliaram no impeachment passam a disputar espaço político.
Alvo de medidas arbitrárias, a direita do Ministério Público invoca, agora, as garantias individuais, abominando qualquer forma de prática do direito penal do inimigo. Defende o juiz natural, critica os juízes que atuam como acusadores e juízes ao mesmo tempo, propõe habeas corpus coletivo – eles mesmos, que condenaram até o HC coletivo que pretendia mudar para prisão domiciliar penas de presidiárias com filhos recém-nascidos, em um capítulo em que a crueldade institucional rompeu com todos os limites de humanidade.
É esse o teor do Tweet  da diretora da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), exigindo apoio dos “garantistas” através do expediente da provocação. É a isso que foi reduzido o sistema judicial.  Doutrina, princípios, textos legais, tudo é instrumentalizado de acordo com a vontade política do agente público em cada momento, a partir dos exemplos emanados da Suprema Corte. Criou-se uma comunidade dos sem-noção.
E, hoje, há mais um avanço do arbítrio, com a decisão do Ministro da Justiça Sérgio Moro de convocar a Força Nacional para policiar a Praça dos Três Poderes, sem uma justificativa plausível.
Peça 3 – o país legal caótico e o ilegal organizado
Tem-se, então, esse paradoxo. O país institucional se desmoralizando a cada dia.  A Lava Jato mantendo a prática de vazamentos, com amplo apoio das milícias digitais e de veículos associados, e avançando na campanha contra Ministros do STF, e agora fortalecidos por ter um dos seus no Ministério da Justiça. O Ministro Alexandre Moraes propondo censura aos veículos adversários e invasão de domicílios. A Procuradora Geral da República Raquel Dodge desautorizando decisões do STF, ainda que estapafúrdias. No Senado, tentativas de CPI contra o Supremo. No Planalto, Bolsonaro desvirtuando o BNDES e ordenando a abertura de linhas de financiamento para despesas operacionais de caminhoneiros.
Funeral do reitor Cancilier, da UFSC
O punitivismo cego está sendo utilizado para desmontar toda a estrutura política, social e de regulação do país. Quer acabar com um órgão? Anuncie uma devassa em suas contas e criminalize qualquer problema administrativo. Dentro de pouco tempo, a CGU (Controladoria Geral da República), junto com TCU (Tribunal de Contas da União) e Ministérios Públicos retomarão as ofensivas contra as universidades públicas
Enquanto isto, nos territórios ocupados, o PCC continua oferecendo segurança, um sistema de justiça mais eficiente que o sistema legal (amplo direito de defesa as partes, mas incluindo a pena de morte nas penas), uma economia informal pujante, na forma de projetos imobiliários clandestinos, transporte de passageiros em vans.
O combate ao crime organizado não se trata apenas de um fenômeno criminal. Se desalojar o PCC das áreas ocupadas, haverá a substituição do crime organizado pelo crime desorganizado, pois cada vez menos o Estado terá condições de substituir os serviços ofertados pelo crime.
Peça 4 – os desmontes irreversíveis
Mais cedo ou mais tarde Jair Bolsonaro cai. Ele e os quatro filhos tornaram-se uma espécie de Hidra de Lerna do jogo político brasileiro, enquanto Hamilton Mourão está se tornando o barqueiro da Barca de Caronte.
Mas, enquanto a racionalidade não é restabelecida, está ocorrendo um desmonte irreversível do Estado brasileiro. Acabou-se com a Embraer desconsiderando toda a malha de fornecedores que orbitavam no seu entorno. Parte-se agora, para o desmonte da Eletrobrás, abrindo mão de setores estratégicos, como a geração de energia e a transmissão. A privatização significará um novo salto nas tarifas de energia, comprometendo a competitividade da economia.
O incêndio de Roma, quadro de Hubert Robert
Já se liquidou a indústria naval em pleno processo de avanços na curva de aprendizado. Matou-se a engenharia nacional, com a liquidação das empreiteiras. Desmonta-se a mais tradicional instituição brasileira, o Itamarati. Aparelha-se a Apex (Agência de Promoção das Exportações), IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária). E, a cada dia, liquida-se com cada avanço na área dos direitos sociais. E cada espaço aberto pelo país legal é imediatamente ocupado pelas organizações criminosas.
Resta saber quanto tempo de destruição será necessário, ainda, para promover uma pactuação em defesa do país.
Muito mais importante que as manifestações sem rumo da PGR, os coordenadores e membros titulares das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Publico Federal e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, divulgaram ontem uma Nota Pública relevante em defesa dos direitos sociais, contra o decreto de Bolsonaro extinguindo os conselhos e comitês de participação popular na definição de políticas públicas. Confira a nota do MPF e PFDC na íntegra AQUI.
Do GGN

segunda-feira, 15 de abril de 2019

FORAM OS ECONOMISTAS, NÃO OS BOLSOMINIONS, QUE ATROPELARAM A RAZÃO, POR LUIS NASSIF

Grandes grupos nacionais naufragaram com CEOs genéricos, da Sadia à BRF, o Unibanco e, agora, a Vale do Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do modelo de gestão do pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
Tenho escrito alguns artigos sobre a praga do CEO genérico – o sujeito que só trabalha em cima do conceito de corte de custos e de aumento da rentabilidade da empresa no curto prazo.
Grandes grupos nacionais naufragaram com esses tipos, da Sadia à BRF (a tempo, os sócios trocaram um genérico por um do setor), o Unibanco e, agora, a Vale do Rio Doce. E, no plano internacional, a desmoralização do modelo de gestão do pai de todos os genéricos, Jorge Paulo Lehman.
O universo de uma empresa passa por inovação, segurança, desenvolvimento de novos produtos, atenção às mudanças no mercado. Mas o CEO genérico é focado exclusivamente na busca de resultados de curto prazo. O que importa é a distribuição de bônus a cada trimestre e o corte de custos.
Narrei aqui o deslumbramento de executivos da Sadia, quando o conselheiro Vicente Falconi descobriu um método de economizar água na lavagem dos uniformes; ao mesmo tempo em que se descuidava de uma norma básica de gestão: o departamento incumbido de analisar riscos de operações financeiras estava diretamente subordinado ao diretor financeiro, incumbido de correr riscos de operações financeiras. A Sadia quebrou, mesmo economizando a água da lavagem dos uniformes. Assim como no setor público, é o Executivo maior que dá a orientação geral, o enfoque a ser seguido pelos subordinados. Quando o enfoque é unicamente melhorar a rentabilidade, a empresa mata seu futuro; como mataria se o enfoque fosse o de aumentar os preços a qualquer custo.
Quando se subordina toda política econômica ao Ministro da Fazenda, o resultado é o mesmo. A partir de Paulo Haddad (o último Ministro da Fazenda com conhecimento do funcionamento da economia real), nenhum dos Ministros posteriores tinha a menor noção sobre a relevância das políticas científico-tecnológicas, do apoio à pequena e micro empresa, dos programas de treinamento profissional do sistema S, das estratégias comerciais, dos modelos de financiamento de longo prazo, do impacto do câmbio apreciado sobre a atividade industrial.
E sequer sobre as correlações entre os setores da economia. Por conta da preponderância massacrante da análise econômica de mercado, o Brasil criou uma ciência econômica aplicada tão irracional quanto os argumentos de bolsonaristas nas redes sociais. Assim como o CEO genérico, o analista de mercado quer saber apenas a influência dos eventos econômicos sobre as cotações de mercado.
O jogo do micro preto
Montou-se um jogo perverso, no qual os grandes gestores criam questões ilusórias para provocar a alta dos mercados. Por exemplo, se a reforma da Previdência for aprovada, o mercado explode. Aí, com a ajuda preciosa do jornalismo econômico-financeiro, vai alimentando as expectativas. Se um fenômeno internacional provoca a alta do dólar, eles explicam que ela se deveu ao menor esforço do governo em aprovar a reforma. E vai-se em frente com um jornalismo subdesenvolvido.
Quando está perto do fato (ou da aprovação ou rejeição da reforma), o primeiro time vende seus ativos no pico e começa a alimentar o discurso negativo. O mercado despenca e o jogo recomeça. E para onde eles vão, a mídia vai atrás.
Nesse loucura, perdeu-se qualquer noção de correlação econômica.
A ciência-demência da economia
A melhor definição para o jogo de manipulação da ciência foi Olavo de Carvalho, em um artigo dos anos 90 intitulado “Ciência e Demência”.
Dizia ele que o intelectual se torna respeitado e conhecido devido a uma determinada teoria que abraçou. A teoria se torna tudo para ele, seu ganha pão, sua fonte de prestígio. Aí, ele começa a observar a realidade, e o que vê na bate com a teoria que aprendeu. Mas, como ele é um intelectual, ele desenvolve uma nova teoria para provar que aquilo que ele está vendo não existe.
Desde que comecei a questionar dogmas acadêmicos, ainda nos anos 80, me surpreendia com esse padrão de auto-defesa de escolas acadêmicas.
Lembro de uma defesa da indústria nacional infante, e o economista amigo me fuzilando: “Você se tornou um mercantilista!”. E eu apenas queria ver a solução de um problema da industrialização brasileira. Ou, fazendo a defesa do mercado de capitais como forma de reciclar, para a economia real a acumulação financeira do período anterior. “Você se tornou um neoliberal!”.
Esse conjunto de slogans em nada fica a dever ao padrão de argumentação dos bolsominios no Twitter. Na verdade, a perda de foco na análise dos fatos foi uma praga antiluminista que atingiu todos os setores das ciências humanas, da economia ao direito – nesse campo, o maior estimulador desse antirracionalismo foi o Ministério Luis Roberto Barroso, do STF, tornando a decisão jurídica uma interpretação aleatória do que supostamente pensa a opinião pública.
O melhor exemplo da ciência-demência foi fornecido, recentemente, por Edmar Bacha, em um artigo em que tentava rebater argumentos de André Lara Resende sobre gastos públicos.
Bacha pegou um tema específico: o peso dos juros no déficit público nominal (deficit primário +  juros). Disse que não era 7,5%, mas 3,5%, “logo, os juros têm que seguir abaixo da expectativa de crescimento do PIB”.
Qual a relação de causalidade? Nenhuma. Mas o argumento tornou-se padrão e Bacha se vê autorizado a repetir em qualquer ambiente.
O grande Dionísio Dias Carneiro, economista neoclássico, lá pelos anos 90 definiu bem o novo jogo que se armava, em torno da era das planilhas eletrônicas:
O jovem economista junta duas séries, sem nenhuma correlação, e tira conclusões taxativas sobre elas.
É o que ocorre nas políticas de estímulo à demanda. A raiz de todos os males atuais está na queda da demanda: queda de emprego e de renda, endividamento das empresas e famílias, queda da arrecadação fiscal, inviabilização das concessões rodoviárias e de aeroportos – obviamente com a contribuição fundamental da Lava Jato, destruindo a engenharia nacional.
No entanto, todas as soluções apresentadas passam por restrições de demanda visando criar um suposto choque de expectativas positivas. Se o empresário acreditar que a reforma da Previdência será bem sucedida, ele voltará a investir. Mesmo que todas as decisões tenham sido no sentido de contrair ainda mais a demanda.
Mas vender para quem? E a troco de quê investir se a crise gerou capacidade ociosa? 
Analise no gráfico o conjunto de medidas tomadas desde Joaquim Levy com a intenção de recuperar a demanda:
elevação da taxa real de juros – antidemanda;
corte drástico nos gastos – antidemanda
PEC do teto – antidemanda
redução dos programas sociais – antidemanda
travamento do crédito – antidemanda
esvaziamento do BNDES – antidemanda.
É evidente que há limites para os gastos públicos. Mas esses limites são dados pelo nível de preços ou pelas contas externas. Se uma economia está bombando, a receita fiscal também estará bombando, o nível de desemprego está caindo, a renda está subindo. Chega um momento em que poderá ocorrer um super-aquecimento, gerando inflação.
Justamente por isso, a política econômica é muito mais arte do que ciência, muito mais conhecimento do mundo real – isto é, da maneira como os agentes econômicos irão reagir às decisões de política econômica – do que as suposições contidas nos manuais. Qual a dosagem ideal de aumento nos gastos públicos que provoque um aumento da receita fiscal superior ao gastos efetuado? Não há manual que resolva essa questão. Mas qualquer norma de bom senso, qualquer análise dos fundamentos da economia, sabe que, quando a economia cai, cortes fiscais aceleram ainda mais a queda. Nem essa lição básica a política econômica brasileira aprendeu. É por isso que todo ano começa com uma projeção de crescimento que vai se diluindo à medida em que o tempo passa. A fé move montanhas, mas não ressuscita PIB fuzilado pela política econômica.
O Brasil tornou-se uma sociedade irracional. E a culpa não foi dos Bolsonaro. Eles apenas saíram às ruas, quando uma suposta elite intelectual abriu as portas das jaulas.
GGN