Peça
1 – os fatores que antecederam a crise
Nosso
colunista Fábio de Oliveira Ribeiro fez um belo apanhado sobre a
imprevisibilidade das ciências sociais, a incapacidade de prever eventos. A
posteriori, é possível identificar uma série de fenômenos que precederam a
crise atual:
A mudança social na
estrutura do Judiciário, Ministério Público e alta burocracia pública, mudando
a vocação, de servidores públicos para membros de classes elevadas.
Do mesmo modo, a
ascensão social de excluídos, que passam a se identificar com as classes de
maior renda e a considerar que sua ascensão se deveu à seu próprio mérito
– o que também não deixa de ser verdade.
A degradação
progressiva da política, sem que fosse enfrentada por nenhum dos partidos
hegemônicos, PSDB e PT.
A estratificação desses
partidos, impedindo a renovação e o acolhimento dos novos atores políticos que
surgem com as redes sociais, movimentos sociais e com as organizações
não-governamentais.
O protagonismo político
por parte do Judiciário e do MPF, inicialmente com o surgimento dos juízes
vingadores e, depois, com a AP 470, do mensalão. E, agora, com o atrevimento de
Ministros como Luis Roberto Barroso, pretendendo transformar o Supremo em
criador de leis.
O televisionamento das
sessões do STF, acabando com o pudor de Ministros pelos holofotes e tornando os
mais fracos alvos fáceis da lisonja ou da ameaça dos meios de comunicação,
reduzindo a vocação contra hegemônica do Supremo.
A estratégia do combate
à corrupção como instrumento da geopolítica norte-americana e a adesão do
Brasil aos acordos da OCDE para crimes financeiros, sem uma avaliação
consistente sobre o interesse nacional.
O protagonismo político
da velha mídia, visível desde o impeachment do Fernando Collor e acentuando-se
a partir do mensalão, e o discurso diuturno do ódio, praticado especialmente
após 2005.
Em cima desse cadinho,
a desorganização final do mercado de informações com as redes sociais e com a
explosão dos fakenews (leia a propósito os artigos: O
desafio de garantir a credibilidade das notícias sem manipulação, por Luis
Nassif e Os
fake news como estratégia de censura aos blogs oposicionistas, por Luis Nassif).
Peça
2 – os fatores atuais
Hoje em dia, quem
disser que sabe o que vai acontecer, mente. Poucas vezes, na história do país,
houve cenário tão imprevisível.
De concreto, os
seguintes fatores estimuladores do caos:
Nesse quadro, há a
possibilidade de vários tipos de detonadores – de eventos capazes de explodir o
paiol. Ontem, no Twitter, por exemplo, o jornalista Ricardo Noblat estimulava o
público a atacar Ministros do Supremo nos aeroportos; a senadora Ana Amélia incentivava
ruralistas gaúchos a agredir a caravana de Lula.
Em suma, é o quadro
ideal para o aparecimento de táticas oportunistas e irresponsáveis.
Some-se a indefinição
eleitoral.
Embora, no caso
Marielle, muitos vissem oportunismo da Globo, permitindo aos seus jornalistas o
exercício da indignação visando tirar a bandeira da esquerda, tenho para mim
que foi também uma postura de cautela, ante a iminência da eclosão de
movimentos terroristas, em cima do ódio plantado na última década.
As denúncias contra o
MBL e outras organizações de direita também caminham nesse sentido. Mas são
movimentos difusos, medrosos. Falta à mídia inteligência estratégica e coragem
editorial para investir contra o monstro que ela ajudou a nascer e a se
multiplicar.
A maneira como a
Globonews e o Estadão – hoje em dia, os arautos mais estridentes do estado de
exceção – investiram contra os Ministros do Supremo, é sintomático da perda de
referenciais desse pessoal.
Ainda não se deram
conta – assim como a esquerda – que o adversário, hoje em dia, não é Lula, o
PSDB ou o PT, mas a iminência do país ser transformado em um enorme México, com
a violência saindo das periferias e tornando-se instrumento de luta política.
A informação de que o
grande operador do PSDB em São Paulo, Paulo Preto, negociava com lideranças do
PCC, não deve espantar. A cada dia que passa, mais se institucionaliza o poder
do PCC, visto como mal menor, em contraposição aos pequenos grupos de
traficantes.
Lula poderia ter sido o
grande agente de conciliação nacional, o avalista de um pacto unindo
centro-direita e centro-esquerda. Mas o país permitiu que se jogasse fora o
ativo Lula.
Hoje em dia, não há um
interlocutor de fôlego, para falar pela esquerda ou pela direita. Ambos, centro
direita e centro-esquerda, estão igualmente fragmentados.
Peça
3 – o caos no mercado da informação
Some-se a isso tudo a
emergência dos fake news, do uso de robôs e outras formas de tecnologia para
manipular a opinião público. O
quadro traçado por Charile Wazel, no Buzz Feed, é assustador.
Trata-se não apenas de
simular novas realidades, manipulando imagens, voz e declarações, mas também do
descrédito que recai sobre o mercado de notícias, com o ceticismo que recai
sobre todas as notícias. E isso em um país, como o Brasil, onde há tempos a
velha mídia deixou de lado qualquer veleidade de respeito aos fatos. O bordão
“antes de espalhar a notícia, confira se saiu em algum órgão de mídia” será de
baixa validade no país, devido ao histórico de manipulações da última década.
Hoje em dia, não há
instituições sancionadoras das notícias, quando até Ministros da mais alta
corte, manipulam informações em proveito de suas posições políticas – como foi
o caso do Ministro Luís Roberto Barroso, valendo-se de estatísticas não
confiáveis sobre decisões do STJ para reforçar seu argumento contra as
apelações em terceira instância.
Há um sentimento
crescente no ar, de pessoas vendo o carro caminhar em direção ao barranco
Bolsonaro. A iminência do desastre poderá despertar algum sentimento de
sobrevivência.
Em suma, há uma
contagem regressiva para o desastre. Será um período de grandes turbulências,
com uma pequena probabilidade de despertar a racionalidade dos agentes
políticos. Mas muito pequena mesmo.
GGN