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Lava Jato e a destruição institucional sem controle
A Lava Jato é uma operação de investigação
de corrupção e lavagem de dinheiro, reunindo Polícia Federal, Ministério
Público Federal perante a Justiça Federal de Curitiba.
No entanto, analisando a sua evolução ao
longo do tempo é possível identificar determinados métodos e ações empregados
pelas instituições e agentes envolvidos com essa operação que dão a ela uma
amplitude que ultrapassa em muito as restritas dimensões afeitas ao combate à
corrupção. Esses métodos e ações dão à operação um caráter de ferramenta
política que opera fortalecendo determinadas posições políticas em detrimento
de outras.
Essa seria uma situação que se enquadraria
na definição de Lawfare (guerra jurídica), que abarca aqueles casos nos quais a
lei é usada como arma na guerra política, caracterizando o uso ilegítimo da
legislação em manobras jurídicas com a finalidade de causar danos a um
adversário político.
Essa definição, porém, não consegue
definir a natureza essencial da Lava jato. Aquela que explicita o elemento
constitutivo central que estrutura e imprime lógica à sua operação e expansão.
Nesse sentido, para se ter o sentido exato
do que seja a Lava Jato é preciso reconhecer que ela é essencialmente um
mecanismo de geração de instabilidade institucional. Sua força reside na sua
capacidade de criar e ampliar ameaças à estabilidade e, mais do que isso,
ameaças à própria existência das instituições.
O poder da Lava Jato decorre do seu poder
de destruição institucional. No limite, é da lógica constitutiva primeira da
Lava Jato a destruição institucional. É dela que os agentes e instituições que
a compõem retiram o seu poder. Nesse caso, maior destruição é sinônimo de maior
poder.
Face a isto, será justamente a
possibilidade de utilização dessa capacidade de destruição que irá governar o
processo de adesão dos diversos atores à Lava Jato, transformando-a em um
consórcio destrutivo que ao desestruturar as instituições introduz tamanha
incerteza jurídica e econômica que, mais do que eliminar adversários políticos,
elimina empresas, cadeias produtivas, renda e empregos, e, ao fim, grande parte
da própria economia do país; gerando uma tal descoordenação
político/institucional que fragmenta os próprios interesses reunidos em torno
do bloco do poder.
O weberianismo messiânico dos procuradores
prega a destruição da república atual para que no seu lugar seja erigida uma
nova, livres dos pecados da corrupção. Esta busca por uma redentora refundação
da república naturalmente candidata o Ministério Público a estar no centro do
fenômeno Lava Jato. Para esses procuradores todos os custos da destruição
institucional são plenamente compensados pelo advir desse novo país. Portanto,
aqui não há limites de custos para se alcançar essa terra prometida.
Para levar a cabo esse esgarçamento de
limites, é preciso agregar ao consórcio dois elementos chaves na evolução da
Lava Jato: a mídia e o judiciário.
A possibilidade de ampliar e direcionar
esse poder de destruição por intermédio da mediação entre os procuradores e a
opinião pública, segundo os seus interesses políticos e econômicos mais
imediatos, tornou a mídia o parceiro preferencial dos procuradores. A mídia
brasileira, historicamente, sempre usou a sua capacidade de gerar e ampliar
crises como moeda de troca na garantia dos seus privilégios. A Lava Jato deu a
mídia, particularmente às organizações Globo, um poder de fogo que ela nunca
havia tido anteriormente na história.
Pode-se afirmar que Mídia e Ministério
Público constituem os sócios majoritários do consórcio da Lava Jato. Os demais
foram aderindo em função dos seus interesses particulares. Sejam eles
corporativos, econômicos ou partidários. Entre esses, o mais relevante é, sem
dúvida, o judiciário. Para entender a função desse poder no desmonte das
instituições brasileiras é fundamental compreender o mote principal da Lava
Jato; aquele que lhe dá sentido, criando e estruturando toda a narrativa.
A destruição institucional da Lava Jato se
ancora na criminalização indiscriminada, arbitrária e amplificada da relação
entre as esferas pública e privada.
O ministério Público desempenha um papel
chave na medida em que ele é que define inicialmente o âmbito da
criminalização; ou seja, o que será criminalizado e os agentes públicos e
privados alcançados por essa criminalização. O grau de arbitrariedade dessa
definição e, portanto, do poder de quem a faz, depende da anuência do poder
judiciário. É necessário que esse poder sancione em todas as suas instâncias
essa arbitrariedade.
A figura do juiz de primeira instância
desempenha uma função essencial na aprovação inicial da flexibilização legal do
processo de criminalização. Porém, é necessário que essa cumplicidade atinja as
esferas superiores da justiça.
Aqui, a mídia desempenha um papel crucial
mediante a amplificação e publicização do processo de criminalização e a
subsequente pressão, via opinião pública, sobre as instâncias superiores do
judiciário para que sancionem as ações e procedimentos da Lava Jato;
independentemente do grau de ilegalidade dessas ações e procedimentos. Essas
pressões muitas vezes envolvem a criminalização de relações público/privadas
que dizem respeito a juízes e desembargadores das instâncias superiores,
incluindo, inclusive, a própria corte suprema.
Nesse contexto, a primeira instituição a
ser desestruturada pela Lava Jato é o próprio poder judiciário através da
completa perda de referência do papel do juiz e do papel regulador das
instâncias superiores. Desse modo, a onda desestruturante que começa na
primeira instância vai subindo a cadeia hierárquica até alcançar as cortes
superiores.
Mais do que um sócio menor do consórcio, o
judiciário se torna refém dos sócios majoritários; leia-se Mídia e Ministério
Público. Daí, as enormes dificuldades em controlar a operação por intermédio da
recuperação das prerrogativas de poder das instâncias superiores. Prerrogativas
que essas mesmas instâncias transferiram - por medo, cumplicidade ou omissão -
para os sócios principais.
Mesmos entre os sócios majoritários, a
descoordenação institucional surge como marca indelével do processo.
Inicialmente, era possível observar que,
de fato, o sócio principal não era o Ministério Público, mas a força tarefa de
Curitiba; o outro sócio principal não era a Mídia, mas as organizações Globo.
Nesse sentido, a Globo e a chamada “República de Curitiba” deteriam o controle
da operação. Contudo, os acontecimentos envolvendo a delação da JBS demonstram
que o processo é muito mais complexo do que aparenta. Dessa maneira, o
Procurador Geral da República, tentando recuperar um protagonismo maior no
jogo, em particular na sua própria sucessão, armou uma jogada aparentemente à
revelia do núcleo central, pegando a própria Globo de surpresa.
A questão fundamental aqui é que o
mecanismo de destruição depois de disparado se retroalimenta de forma a
acelerar o processo. A expectativa de usar o mecanismo em proveito próprio,
como foi no caso do PGR, torna o seu controle um processo praticamente
impossível. O que importa é que o mecanismo dá poder a quem o usa. Esse poder
baseia-se na capacidade de gerar instabilidade, insegurança, desconforto.
Enfim, é a mesma lógica do exercício do terror pelas facções do tráfico em seus
domínios. Portanto, a lógica desse processo complexo, que de forma
impressionista poderia ser chamado de Lava Jato, é gerar incerteza,
instabilidade e ameaças às instituições, de tal forma a chantageá-las,
extorqui-las, achacá-las para obter privilégios, que em uma situação de
normalidade institucional seriam muito mais difíceis de serem alcançados.
Nesse quadro, entende-se a tentativa dos
empresários de se aproximar do judiciário para que este entregue aquilo que o
Golpe não foi capaz de entregar: o fim da sangria da Lava Jato. Contudo, o
desenrolar dos acontecimentos até agora não sancionam essa estratégia. Afinal,
é da própria essência da Lava Jato rejeitar o controle das instâncias
superiores. Aceitar esse controle seria colocar em risco a sobrevivência da
própria operação e, por conseguinte, abrir mão de todo o poder que ela dá,
transferindo-o para outros atores - leia-se o judiciário - que se encontram
fora do consórcio básico.
A dificuldade maior dos empresários que se
reuniram com a Ministra Cármen Lúcia no início de Maio em busca do apoio do
Judiciário - leia-se STF - às suas demandas é que seu problema principal é a
criminalização sem limites da relação público-privada operada pela Lava Jato.
Essa criminalização é que está no centro do mecanismo de destruição que irá
liquidar com a economia e, portanto, com muito deles. O Supremo já não controla
esse processo há muito tempo. Não vai ser agora que irá fazê-lo.
O que Globo e MP podem entregar é mais
instabilidade, mais incerteza e mais fragmentação. Em outras palavras, mais
destruição do país. As instituições foram para o buraco e não têm nenhuma capacidade
de controlar o processo. Diante disso, a única racionalidade que sustenta essa
destruição é a daqueles interesses fora do país e dos seus sócios internos.
Nessa altura do campeonato, Globo e MP são dois cavalos desembestados em
direção a um desastre anunciado.
E para terminar um pequeno detalhe sobre a
“clarividência” das nossas valorosas elites econômicas. Considerar que a Globo
- afinal um representante das organizações estava na referida reunião - é uma
aliada delas para protegê-las da tempestade é um enorme equívoco. A Globo - em
conjunto com o MP - não é proteção para a tempestade, ela é a própria
tempestade. É daí que ela sempre tirou o seu poder decisivo; da ameaça da
tempestade, não da promessa da bonança.
Do GGN, Ronaldo Bicalho é engenheiro