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segunda-feira, 22 de abril de 2019

XADREZ DA ULTRADIREITA E O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO, POR LUIS NASSIF

A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Peça 1 – a irracionalidade como ideologia
Confesso que a primeira vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que fosse apenas mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por cronistas vociferantes. Ele citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras vezes. Segundo Baudrillard, “o comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.
Eixo do mal, ideologia viral invadindo os cérebros das pessoas, esse tipo de discurso pirado, profundamente anacrônico, no entanto, começou a ser exercitado por outros cronistas do ódio, alguns se espelhando claramente em Olavo de Carvalho.
Um paper para discussão, do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz algumas luzes sobre as ideias que ajudaram a moldar a nova face do anticomunismo no Exército: a luta contra o marxismo cultural, do qual o principal expoente foi o General Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011.
A principal obra do general Sérgio é “Revolução Gramcista no Ocidente, de 2002 e reeditado pela Biblioteca do Exército em 2010.
Peça 2 – as raízes da nova direita
Segundo o autor, as influências centrais, tanto do general Coutinho, como de Olavo de Carvalho, foi o pensamento  neoconservador  norte-americano  dos  anos  1980  e  1990,  “mais especificamente  o  ramo  denominado  “paleoconsertives” com raízes fincadas no coletivismo de direita americana da década de 1920 e 1930, de oposição ao New Deal”.
Sustentava-se no tripé pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (civilização ocidental e judaico-cristã).
Esse conservadorismo ressurge agora no movimento denominado de “alt-right”, com ênfase ainda maior na guerra cultural, “pois  a  cultura  e  a moralidade  americana  estariam  sendo  destruídas”. Os instrumento de destruição seriam o multiculturalismo e o “marxismo cultural” sendo manobrado por acadêmicos, militantes, jornalistas.
Esses argumentos são desenvolvidos após o fim da União Soviética, como forma de manter alimentada a indústria do anticomunismo.
Não foi por coincidência, alguns dos ideólogos eram ligados ao pensamento militar. Foi o caso de William Lind, que, em 1989, foi o primeiro a cunhar o termo de guerra de 4a geração, que depois seria rebatizada de ““guerra híbrida”, cujo objetivo era “obter  vantagens  com  as mudanças  políticas,  sociais,  econômica  e  tecnológica  em  virtude  do  aumento  da complexidade com adversários não estatais (terroristas, grupos revolucionários, etc.)”.
A grande ameaça, segundo Lind, seria a ideologia do multiculturalismo, “no qual o confronto ideológico-militar se dá entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um lado e o MCI, Movimento Comunista Internacional  (e os países islâmicos) de outro”.
Peça 3 – a ultradireita brasileira
É por esses mares que singra o barco do general Coutinho. De acordo com Costa Pinto, para o Gal. Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller,  Bill  Clinton,  entre  outros)  e  como  o  Lula  (articulado  com  Fidel  Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3)  nas escolas e Universidades;
4) nos  meios  de  comunicação;
5)  nas manifestações  artísticas;
6)  nos movimentos  sociais (ambientalistas,  movimento  negro,  LGBT,  MST,  etc..).
Nas palavras de Coutinho “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados  ou  mesmo  criados  pelas  organizações  de  esquerda  revolucionária  como componente  auxiliar  da  luta  de  classes  (aprofundamento  das  contradições  internas)  e como  elemento  ativo  da  ‘desconstrução’  da  família  tradicional  e  dos  valores  da civilização ocidental cristã”. ”
No plano internacional, além do apoio das ONGs, se valeriam da própria Organização das Nações Unidas (ONU) para favorecer regimes nacionais de esquerda e movimentos revolucionários em países do Terceiro Mundo.
É em cima dessa barafunda teórica, que o movimento alt-right, e seus sucedâneos tupiniquins, conseguem transmudar movimentos pacíficos, de defesa dos direitos humanos, em ameaças revolucionárias que precisam ser combatidas no plano cultural e com repressão política.
Peça 4 – o Estado como expressão do socialismo
A visão do Estado como um instrumento de opressão – e de fortalecimento do socialismo – vem dos tempos do New Deal. Para o general Coutinho, o Estado de Bem Estar, implementado pela social-democracia, seria uma forma de sociedade socialista.
Segundo Costa Pinto, trata-se de uma adaptação da visão da extrema direita americana sobre os “pequenos governos”. A diferença é que a visão da alt-right americana é da globalização, enquanto a dos Bolsonaro é da defesa da globalização e da abertura comercial.
Peça 5 – Coutinho e o pensamento militar
Costa Pinto vai buscar em entrevistas atuais de militares brasileiros, os indícios da influência do general Coutinho.
Do General Villas Boas
“Nós vivemos um fenômeno no Brasil e também no mundo que é o advento do pensamento do politicamente correto  […]  O  que  está  acontecendo  é  que  ele  [o  politicamente  correto]  está  tão impregnado  na  nossa  sociedade  ele  está  fazendo  com  que  todos  pensem  da  mesma maneira. […]. O pensamento politicamente correto se ideologiza e quando as questões são ideologizadas elas perdem a visão de resultado […]. Então quando mais temos de ambientalismo  mais  dano  ambiental;  […  quanto  mais  essa  preocupação  racial  mais preconceito  temos[…].  Quanto  mais  essa  questão  de  gênero  mais  preconceito homofóbico  vivemos  […]  E  mais  essa  quase  ditadura  do  relativismo  que  nós  estamos experimentando faz com se flexibilize todos os limites”. “
Do General da Reserva Luiz Eduardo Paiva
“Uma coisa é o  Haddad  aqui  em  cima  ou  o  Lula  aqui  em  cima, mas  quem  dá  a  linha  ideológica perigosíssima do PT está aqui em baixo. É o Zé Dirceu, era o Marco Aurélio Garcia, é o Pomar.  Porque  eles  estão  implementando  no  país  uma  revolução  silenciosa  que  é  a revolução Gramscista, ocupando espaço, mobiliando todo o estado[…]”.  “
Do General Augusto Heleno, atual Ministro do Gabinete de Segurança Institucional:
“Nós beiramos [o socialismo], até tentamos com o Foro de São Paulo, alguns partidos que defendiam as teses socialistas […] Nós estivemos bem próximo disso acontecer, só que faziam uma máscara para fingir que não era, mas o caminho procurado era esse. Tanto é assim que as novas referências durante algum tempo foram Cuba e foram a própria Venezuela […]”.
“(…) Da Intentona de 1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução socialista”. ”
Peça 6 – o projeto de Nação
Desse modo, segundo Costa Pinto, o projeto de Nação vislumbrado por setores amplos das Forças Armadas, seria pela via dos costumes, da tradição, da identidade, sob ataque comunista. Mas “no plano econômico, a identidade  e  a  nacionalidade  seriam  realizadas  pelo  mercado,  sobretudo pelos capitais estrangeiros (de preferências norte-americanos) que supostamente trariam a modernidade para o país. Seremos altivos na identidade cultural, mas subalternos no plano econômico. ”
No Portal Feb, um dos muitos blogs de militares, o trabalho de Coutinho é equiparado ao de um missionário “que dedica sua vida ao resgate de almas e nações, é porque sua vocação pode levá-lo a pregar como um religioso ou discursar como um filósofo. Mas os poucos que lhes escutam e estudam suas recomendações chegarão à conclusão de que só se salva uma nação quando se estabelece no homem a consciência de sua alma e sua vinculação com o Criador. A construção de uma sociedade sadia está fundamentada na reconciliação do homem com Deus”.
No Ternuma – que junta ex-militares defensores da ação dos porões na ditadura – há os movimentos de aproximação com os blogs de ultradireita que surgiram na época.
“Aproximei-me, então, ainda mais do Gen Coutinho, até porque fiquei responsável por remeter ao Reinado Azevedo um exemplar do livro “A Revolução Gramscista no Ocidente”. A história da maneira pela qual o General decidiu estudar Gramsci, na idade em que muitos de nós mal tem paciência para ler o jornal, dá um pouco da dimensão deste homem”.
A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Pode ser que o autor tenha superdimensionado a influência dos militares de pijama.
GGN

domingo, 28 de maio de 2017

Ideologia e fortuna, narrativa de Sérgio Saraiva

O velho jornalista, quando menino, sonhou servir a igreja do Cristo. No seminário, ensinaram-lhe latim, mas cobraram-lhe o cumprimento de três votos: obediência, castidade e pobreza.

Feito rapaz, percebeu só ter forças e vontade para atender a um desses três votos. Conservou para si o latim e abandonou o seminário.

Seguindo a vocação dos que têm latim, mas não têm dinheiro, tornou-se jornalista.

O voto de castidade abandonou na primeira oportunidade que surgiu, o de pobreza cumpriu por contingência, não por obrigação moral. Abandonaria-o assim que oportunidade surgisse; e ela surgiu. O de obediência manteve por toda a vida.

Logo, obediente à sua consciência, opôs-se à Ditadura de 64. Foi preso e teve sua família sujeitada a sérios constrangimentos. Outros colegas seus foram mortos a pauladas antes de terem o cadáver abandonado pendurado pelo pescoço.

A estadia na prisão e suas atribulações, no entanto, lhe reforçou os votos de obediência. Dali para frente, obedeceria sempre ao poderoso de plantão.

A sorte no amor e na política é vária. E eis que, finda a ditadura, os antigos prisioneiros tornaram-se os mandatários do país – democraticamente eleitos.

Apressou-se a apresentar-se a eles – eram seus companheiros de lutas - e a lembrar-lhes todos os seus sofrimentos. Fazia jus a uma reparação. Pleiteou e obteve vultuosa indenização do Estado Democrático pelos crimes da Ditadura– tornou-se um milionário.

Mandou à merda os antigos companheiros que lhe lembraram que a luta era ideologia, não investimento, e embolsou o dinheiro. “Às favas os pruridos da consciência”. Não fora ele quem criara essa frase, mas fez dela suas palavras.

Agora rico, foi viver entre os ricos. Proprietário de bela morada em frente a lagos e mares da melhor cidade da América do Sul.

A sorte no amor e na política é vária. E eis que um novo golpe se implanta no país e os antigos companheiros voltam à prisão. Mas, agora, o velho jornalista, além de velho, já era puta-velha. Mudou de lado, sempre fiel aos seus votos depravados de obediência, tratou de ficar bem com os novos donos do poder. Aprendera: manda quem pode, obedece quem tem juízo. 

Passou a acusar os antigos companheiros que haviam lhe proporcionado fortuna de serem eles venais. De terem se vendido e recebido em troca castelos feitos de litros de tinta e muito bafo quente. 

Aos que lhe afirmavam que tal construção ilusória nada mais era que uma mentira, retorquia que não; que era, antes, uma verdade ainda não provada. Mas plenamente aceita como verdadeira, já que, a mentira que agrada o poderoso, verdade é.

E assim, vez por outra, o velho jornalista publica textos em que reafirma sua autoridade em julgar aos outros, pois ainda que ainda que pecador seja, pecou apenas pela carne; sua integridade moral conserva-se tão virginal quanto era o menino recém entrado no seminário.

Por malandro que é, o velho jornalista não revela a ninguém um segredo íntimo de tal pureza: sua moral foi abençoada com um hímen complacente.

OBS.: Oficina de Concertos Gerais e Poesia: na arquibancada para a qualquer momento ver emergir o monstro da Lagoa.

GGN

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Por que a direita está tão desesperada para aprovar a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista não é uma obsessão de Temer e de seus comparsas por acaso. É parte de um conjunto de decisões de política econômica pautada num tripé: i) reestruturação produtiva, mercantilização do trabalho humano e fragmentação da solidariedade de classe; ii) desregulamentação financeira e laboral; iii) hegemonização ideológica neoliberal pautada no individualismo e na competitividade.

É a receita proposta como alternativa à crise de demanda da década de 1970. Esse receituário, somado a outras medidas previstas no Consenso de Washington, foi o responsável por 124 crises financeiras sistêmicas(https://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2008/wp08224.pdf) em mais de 90 países, no período de 1970 até 2007, conforme denuncia o estudo de Luc Laeven e Fabian Valencia, publicado pelo “insuspeito” FMI.

Em português: foi o receituário responsável pela maior crise financeira e monetária que o mundo moderno já viu. É a racionalidade que nos condena a uma desigualdade social irreversível acaso triunfe definitivamente.

Paradoxalmente – mas não por acaso – a saída sistêmica para a crise do próprio sistema capitalistatem sido radicalizar esse receituário.

Países periféricos como Espanha, Grécia e Brasil, por exemplo, são obrigados por credores ocultos (poder transnacional, difuso e incontrolável),que se valem de políticos ilegítimos e apontados pela própria mídia como corruptos, a: i) desprezar a democracia; ii) privilegiar o pagamento da dívida pública, em detrimento de gastos primários (saúde, educação, seguridade social); iii) desregulamentar as relações de trabalho para reduzir salários diretos, indiretos (direitos sociais atrelados ao trabalho) e diferidos (pensões), bem como aniquilar a representação sindical; iv) ampliar os privilégios de uma classe social em detrimento da maioria da população; v) manter intocada a desregulamentação do mercado financeiro.

 O que isso tem gerado?
Concentração de riqueza como nunca se viu. Empobrecimento crescente da maioria dos sete bilhões de seres humanos. Ampliação das tensões sociais e ressurgimento de movimentos populistas, xenófobos, racistas e antidemocráticos de extrema direita. Abandono de agendas de respeito ao meio-ambiente. Desprezo absoluto pela democracia e pelos Direitos Humanos. Em síntese: o capital está ganhando.

A reforma proposta por um governo ilegítimo,que é levada adiante por um parlamento composto por políticos eleitos com dinheiro de propina e Caixa 2 – antidemocraticamente eleito, portanto – retira a centralidade que o trabalho tem na sociedade brasileira.

Devolve as brasileiras – principalmente elas – e os brasileiros que ascenderam socialmente na última década ao estado de miséria e fome que os maculava historicamente.

A classe média brasileira – majoritariamente trabalhadora – experimentará um estado de instabilidade social e empobrecimento crescente e verá os “afortunados” cada vez mais ricos e poderosos. Não haverá investimento suficiente em “empregabilidade” – seja lá o que isso for – que seja capaz de alterar sistemicamente esse quadro.

As dúvidas são:
Estes trabalhadores perceberão que o problema é coletivo ou se enclausurarão na ideia equívoca de que o problema é individual, de que o insucesso e o infortúnio é problema de cada um?

Virão para as ruas, para o espaço público, e lutarão por direitos que lhes garantam dignidade ou permanecerão inertes, dominados pela paralisia decorrente da máxima thatcherista de que não há alternativa?

Parte significativa dos que vivem de sua força de trabalho já perceberam a magnitude do problema e estão lutando. Outros, todavia, ainda não. Para aqueles, há alternativa, e ela passa por radicalizar a democracia e os direitos humanos, bem como por desmercantilizar o trabalho humano, a natureza e o próprio dinheiro.

No caso brasileiro, passa por ir imediatamente às ruas. Posicionar-se contra os maiores ataques aos Direitos Sociais desde a CLT. Lutar agora, e não amanhã, contra a reforma trabalhista e contra a reforma da previdência.

A direita sabe disso e por isso tem pressa. Só em um Estado de Exceção como o que estamos vivendo é possível aprovar reformas como estas. Nas últimas quatro eleições presidenciais esse projeto foi rechaçado.
É hora de eleições gerais e diretas já. Do contrário o gosto amargo da derrota permanecerá por muito tempo na boca das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.

Do Cafezinho