A narrativa
é a seguinte: Marcelo Odebrecht criou um fundo para agradar Lula e avisou
Antonio Palocci, que decidiu mexer na conta em uma oportunidade envolvendo
saques em dinheiro vivo. Em outra, a Odebrecht teria comprado terreno para o
Instituto Lula com os recursos do "saldo Amigo". Mas Marcelo admitiu
que não tem como "comprovar" que o ex-presidente estava por trás das
demandas.
A divulgação
do vídeo que registra o depoimento de Marcelo Odebrecht ao juiz Sergio Moro
mostra que o empresário e delator da Lava Jato admitiu, sim, que o
"Amigo" que aparece em planilhas apreendidas pela Lava Jato era, em
sua concepção, o ex-presidente Lula. Porém, os principais jornais do País
ignoraram o trecho em que Marcelo afirmou que o fundo destinado ao
"Amigo" nunca foi movimentado por Lula. Além disso, Marcelo, apesar
de ter convicção de que Lula sempre soube de tudo e se beneficiou do esquema,
não tinha "como comprovar" isso.
"Veja
bem, o Lula nunca me pediu diretamente. Essa informação eu combinei com
[Antonio] Palocci. Obvio que, ao longo de alguns usos [do saldo controlado por
Palocci], ficou claro que realmente era para o Lula, porque teve uns usos que
ficou evidente isso para mim. Teve uns que o pedido era feito e saia via
espécie, e o Palocci pediu para mim que isso fosse descontado do saldo 'Amigo'.
Então, quando ele pedia para descontar do saldo 'Amigo', eu sabia que ele
estava se referindo a Lula, mas não tinha como comprovar."
Segundo
Marcelo, sua relação com Palocci começou em 2008, quando o ex-ministro teria
pedido doações ao PT para a eleição municipal, visando bancar os custos do
marqueteiro João Santana. A partir daí, Palocci teria recebido da Odebrecht uma
espécie de conta cujos recursos serviam aos interesses do PT. Parte dessas
verbas foi registrada no Programa Especial Italiano. "Sempre que eu falei
Italiano [nos e-mails encontrados pela Lava Jato], eu estava me referindo a
Palocci", disse.
Quando
Palocci deixou o governo, a Odebrecht validou um fundo que passou a ser gerido
pelo "Pós Itália", ou seja, o ex-ministro Guido Mantega. "Quando
chegou em meados de 2010, tinha um saldo ainda da minha relação com ele
[Palocci]. Desse saldo, 50 milhões eu combinei com Palocci que seria gerido por
Mantega, pois foi uma solicitação específica que Mantega fez a mim. Palocci
sabia dos 50 milhões, mas só podia mexer com anuência de Mantega."
Marcelo
ainda disse que do saldo combinado com Palocci, havia um crédito de R$ 40
milhões que não era de uma relação com o PT do Brasil, mas com a presidência da
República. "Vai mudar o governo, vai entrar a Dilma, então esse saldo
passa a ser gerido a pedido dela", disparou.
Mas, na
visão de Marcelo, ainda era necessário separar um saldo que deveria
"atender as demandas de Lula". "A gente sabia que ia ter
demandas de Lula, para questão de Instituto e outras coisas. Então a gente
disse: 'vamos provisionar uma parte desse saldo, uns 35 milhões, e colocamos no
saldo Amigo, que é Lula'. Então, [o saldo era] para uso que era de orientação
de Lula, porque a gente entendia que Lula ainda ia ter influência na
presidência e no PT."
Depois de
expôr o contexto em que o "Amigo" foi criado por Marcelo, o delator
deixou claro que tinha convicção de que Lula sabia dos fundos mas, na prática,
não tinha como comprovar isso, porque quem teve acesso aos recursos foi
Palocci.
Segundo
Marcelo, dois episódios o levaram a crer que Lula tinha ciência do saldo Amigo.
O primeiro foi quando "veio um pedido para a compra do terreno do IL, que
não consigo me lembrar se foi via Paulo Okamotto ou [José Carlos] Bumlai, mas
com certeza foi um dos dois - e depois eu falei com os dois - e eu deixei bem
claro que se fosse comprar o terreno, sairia do valor provisionado."
O segundo
episódio foi uma doação ao Instituto Lula, em 2014, que teria saído do saldo
"Amigo", disse Odebrecht. "São as duas únicas coisas que eu
saberia dizer. O resto vinha de informações de Palocci. Quando ele dizia para
Brani [Branislav Kontic] pegar o dinheiro em espécie, ele dizia 'olha, é para
abater do saldo Amigo ou do saldo Itália, que era gerido por ele."
Ao todo, o
depoimento de Marcelo Odebrecht teve pouco mais de duas horas de duração, e foi
dividido em quatro vídeos. No primeiro, ele relatou como a empresa
operacionalizava os pagamentos de propina e doações via caixa 2 desde a década
de 1990, esclareceu como começou sua relação pessoal com Antonio Palocci e
denota que a destinação de fundos ao "Amigo" foi iniciativa da Odebrecht
para agradar Lula, já que mesmo fora da presidência, ele poderia manter
influência sobre Dilma Rousseff e PT, mas não há como afirmar que o
ex-presidente tinha conhecimento disso.