Marcelo Auler dá voz, em seu blog, ao ex-
subprocurador geral da República Álvaro Augusto Ribeiro Costa,
que, entre 1975 e 1997, atuou junto ao STF para explicar que a liminar dada ao
ex-presidente para que não se decrete a prisão antes que, ao menos, o seu habeas
corpus seja julgado é absolutamente natural e evitar a desmoralização de
que o Supremo, em meio a um julgamento, seja atropelado pelo acórdão do TRF-4 e
pela fúria encarceradora de Sérgio Moro:
“O Supremo entendeu corretamente, em defesa dele próprio, que
tem que preservar a utilidade da conclusão do seu julgamento. O Supremo atuou
em favor dele mesmo. Ele não atuou em favor do Lula ou de quem quer que seja.
Aliás, se os advogados não tivessem pedido, eles próprios (os ministros) teriam
que ter tomado esta decisão. Porque do contrário, na prática, seria a mesma
coisa que não ter colocado em pauta o processo. Seria inócuo. O Supremo agiu em
favor dele. Uma questão técnica. Qualquer juiz tem que fazer isso."
No post original, Costa desenvolve o raciocínio, mas quero
chamar a atenção para trechos de sua fala que ajudam a entender o que é o
recurso do Superior Tribunal de Justiça e porque ele está longe de ser uma mera
formalidade, destinada apenas a protelar a sentença imutável de segundo grau.
É verdade que não se discute, neste grau recursal, os fatos.
Mas se discute se eles foram corretamente tipificados na lei que, no caso
criminal ( o Código Penal) , é federal e sob controle do STJ, assim como
analisar se o processo revestiu-se das características formais de outra
legislação federal (o Código de Processo Penal).
Uma das questões essenciais é, para exemplificar, a questão
da posse ou propriedade do tal triplex do Guarujá, que seria o benefício
concreto para a caracterização de corrupção e, por consequência da lavagem de
dinheiro.
“No caso do Lula, dizem o seguinte, ‘o imóvel foi destinado a
ele’. Ora, onde está dito que destinar o imóvel transfere propriedade de fato
ou de direito? O que é esta destinação? Se fosse, é uma conduta (penalmente) atípica.
Então, é claro que, seja no recurso ao STJ, seja em um recurso ao Supremo, ou
mesmo em Habeas Corpus, ou até em futura revisão criminal, a qualquer tempo, a
tipicidade desta conduta – destinar um imóvel – terá que ser discutida. E antes
desta discussão não se pode dizer que a culpa foi definida. Não foi. Logo, não
se pode antecipar o cumprimento de uma pena”
De fato, o crime de corrupção se consuma quando se
socilita ou recebe uma vantagem indevida (no caso o triplex). Como não há
menção no processo menção a soliciatação, direta ou indireta, da vantagem – a
história do delator da OAS é de que João Vaccari, não ouvido no processo lhe
teria dito que o apartamento “se destinava” a Lula – seria necessário preencher
a opção do “recebimento” que, em momento algum, ficou provado. Tanto que a
expressão da sentença é “atribuído”.
É apenas uma das questões – em meio a muitas outras –
que caberá aos ministros do STJ avaliar e, acolhida, resultar na
absolvição de Lula. E, portanto, tornar o cumprimento de pena algo, como você
ouviu várias vezes, teratológico. Isto é, absurdo, monstruoso.
"Não se resolve (a imposição de pena por culpa) porque
não se aplicou ainda definitivamente o Direito. Por exemplo. Se aquela conduta
é típica ou não. Isto é, se aquela conduta está ou não prevista no Código Penal
como crime. Esta é uma questão de Direito federal, que não se resolve na
segunda instância. O que se esgota no segundo grau é o exame do fato, mas não a
afirmação da exação da culpa. Porque o julgamento, o juízo criminal só se
completa com a aplicação da lei ao fato”.
O julgamento de recurso ao STJ não é, por isso, uma mera
burocracia protelatória, mas uma verdadeira revisão da correta aplicação da lei
e dos ritos processuais que garantem a insenção do juízo.
Coisa que, no caso do triplex, deixou-se de lado para
chegar à sentença “proferida” desde antes de proposta a ação contra Lula.
Tijolaço/Marcelo Auler