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sábado, 10 de fevereiro de 2018

O poder de manipulação do Judiciário

Por que a Justiça brasileira tem uma tendência em beneficiar a elite nas suas sentenças? O Comitê dos Juristas Piauienses pela Democracia está divulgando um texto esclarecendo algumas questões acerca do judiciário nacional que podem ser parte da resposta à pergunta. 
Para entender o Judiciário
Você já parou para pensar como pode um cidadão prepotente, arrogante, parcial, ser Juiz (Ministro) do Tribunal mais importante do País, o Supremo Tribunal Federal, que julga as questões fundamentais da República Federativa do Brasil?
Você já parou para pensar como pode um cidadão prepotente, arrogante e parcial, que protege os amigos senadores e persegue os inimigos políticos de seus amigos senadores, ser o juiz mais badalado e festejado pela Rede Globo?
Tudo muito esquisito, não é mesmo?
Nós sempre fomos tentados a acreditar que dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), o único que não é escolhido por nosso voto democrático, seria o mais sério.
A justiça, imaginamos, seria o equilíbrio entre o modo como as pessoas vivem, se comportam e agem, por um lado, e a situação, o tratamento que, por outro lado, recebem. Os seja: se a pessoa se comporta mal, fere aos demais membros da sociedade, merece um tratamento corretivo proporcional a sua maldade. Por isso o símbolo da justiça é a balança.
A vida em sociedade acaba exigindo que assim seja. Afinal não se pode esperar que um ladrão se arrependa e devolva a motocicleta roubada a seu legítimo dono. Isso pode até acontecer, mas não é comum.
A sociedade ideal, pensada ainda nos anos de 1700, na França, seria mais ou menos assim: o poder legislativo (Câmara Municipal, Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional) faria as leis para melhorar a situação de vida do povo. O poder executivo (Prefeito, governador ou Presidente), governaria de acordo com essas leis. E o poder judiciário julgaria o comportamento das pessoas que agissem contrariamente a essas leis.
O modelo é perfeito. Sua aplicação em nossa história, entretanto, nunca seguiu a esse modelo.
O conjunto das leis brasileiras obedece a uma certa hierarquia. A isso se chama “Ordenamento jurídico”. Pois bem, nosso ordenamento jurídico, desde que o Brasil existe, foi concebido como um modelo completo e coerente.
Completo porque regula todos os aspectos da vida em sociedade. Desde o registro de nascimento da pessoa até como deve funcionar a transmissão de dados via internet.
Coerente porque as leis, respeitada a hierarquia que as ordena, não guardam contradição entre si, o que poderia ocorrer num país gigantesco como o Brasil.
Mas veja: ordenamento jurídico completo e coerente, porém absolutamente independente de nossa realidade social e econômica.
E isso é importante: independente das dificuldades por que passa o povo justamente porque serve a interesses das elites que sempre estiveram alheias a essa realidade social e econômica objetiva. Talvez por isso se diga que a Justiça é cega.
Você poderia dizer: o problema aí é da lei. De fato. Mas a aplicação dessa lei, pelo Judiciário, desde que o Brasil existe, aprofunda, em muito, as desigualdades existentes em nossa realidade socioeconômica.
Vamos tentar entender um pouco do que é e como funciona essa “caixa preta” chamada Poder Judiciário no Brasil.
Primeiro precisamos entender como, em geral, funciona o processo judicial. Processo é a forma como “anda” uma ação que se propõe em juízo.
Nosso processo, se diz, é “inquisitorial”. Primeiro se busca o culpado, depois se arranjam as provas da culpa. As condicionantes sociais e econômicas são irrelevantes. Não importa, por exemplo, que a mãe de família furtou aquele pacote de bolacha para alimentar seus filhos famintos...
E quando se diz que o processo, no Brasil, é “inquisitorial” se quer dizer que todos (todos à exceção das elites) são, de antemão, presumidamente culpados. No inquérito policial o acusado é ouvido sem poder se defender. A polícia produz a prova a partir desse depoimento do acusado e de indícios outros.
E o interessante é que quando o inquérito policial se transforma em ação penal, já na justiça, o acusador se senta ao lado do julgador, na sala de audiências. A defesa não tem esse privilégio!
Ou seja, a partir da forma como se distribuem os personagens em um julgamento já se denota que a máquina judicial está montada para condenar. A esse sistema não interessa se o acusado é “inocente” ou “culpado”. E sim a maior ou menor de forma de controle a ser exercido sobre esse acusado que, presumidamente, optou pelo crime e por isso deverá perder uma parte maior ou menor de seus direitos de cidadania.
Esse sistema inquisitorial do processo brasileiro, no qual todos os pobres, todos os pretos e todos os moradores da periferia das grandes mansões, são culpados (basta depois conseguir as provas!) tem raízes históricas perfeitamente definidas em um modelo de sociedade excludente e de judiciário elitista.
E quando se diz que a sociedade brasileira é excludente, que exclui os pobres do centro de suas preocupações, se diz com base em dados: hoje apenas 5 (cinco) pessoas ricas do Brasil detém tanta riqueza quanto o somatório de tudo o que possuem mais da metade de nossa população! Um historiador inglês já dizia que o Brasil é “um monumento às desigualdades sociais”.
Desigualdades sociais acobertadas pelo Poder judiciário.
Sempre achamos que aquele homem branco de quarenta e poucos anos, o Juiz de nossa cidade, seria o homem mais inteligente, mais preparado da cidade. Por isso mesmo o mais justo.
Não nos enganemos. A justiça que esse homem branco de quarenta e poucos anos distribui não é a Justiça em favor dos pequeninos. É a justiça dos fariseus!
A Justiça no Brasil, desde que o Brasil é Brasil, em essência, é tradicional, formal. Serve-se a si mesma. Enquanto a sociedade se transforma, o Judiciário continua a se pautar por muitas características do passado.
Até 1808, pelo menos, quem julgava e condenava os moradores de suas terras era o latifundiário. Evidente que nos núcleos urbanos havia uma pequena estrutura de judiciário que, de certa forma, independia dos latifundiários.
Esse Judiciário de então era um serviço público que funcionava como a uma “franquia”. Uma concessão: o cidadão formado em Direito (os cursos superiores eram sediados em Portugal: portanto somente os filhos de latifundiários ou dos altos funcionários da Corte Portuguesa podiam ser advogados e juízes) adquiria a concessão daquele serviço público chamado Judiciário, passando a ser o dono das taxas e custas cobradas dos “clientes” da justiça.
Eram os chamados “Juízes de Fora”. Aqui no Piauí o mais famoso foi o Juiz de Fora de Campo Maior e Parnaíba. Esse Juiz de Fora aplicava aos casos que julgava um “direito” absolutamente deslocado daquela específica realidade social e econômica. Por exemplo: o costume na região era a partilha na base da quarta. Pois esse juiz de fora poderia condenar o agricultor a partilhar sua roça na base da meia, costume de outra região, com notórios prejuízos ao agricultor.
E o que é pior: os Juízes de Fora sempre consultavam ao Executivo quanto a como decidir determinada demanda. Isso além de atrasar a solução do caso, mostrava a subordinação do judiciário ao executivo.
E se o agricultor que quisesse recorrer contra aquela sentença injusta deveria ir até a Casa de Suplicação de Lisboa (isso mesmo: em Lisboa) para apresentar seu recurso.
É verdade que desde 1587 havia um Tribunal de Relação, em Salvador, na Bahia. Mas esse Tribunal tratava de questões meramente administrativas, do funcionamento da Corte Portuguesa no território brasileiro.
Fica claro, então, que as três questões fundamentais para que entendamos o judiciário no Brasil, desde sua origem, são exatamente essas:
O Juiz de Fora era um filho das elites (altos funcionários da Corte Portuguesa ou latifundiários);O Judiciário era uma concessão pública, uma espécie de “franquia”, de modo que as taxas judiciárias beneficiavam exclusivamente aqueles filhos da elite que tivessem o privilégio de possuí-las; eO Juiz de Fora aplicava uma regra geral, também de fora, interpretando de maneira particular. Ou seja: de forma absolutamente desconectada com a realidade local.
Essa três características dos primórdios do judiciário no Brasil findaram por moldar toda a estrutura do judiciário que hoje temos no Brasil: um conjunto de servidores públicos filhos da elite, cheios de privilégios corporativos, que julgam as questões sem o menor senso crítico de nossa realidade socioeconômica de gritantes desigualdades sociais.
Um concurso público para Juiz, com as famosas “perguntas de algibeira”, frequentemente usadas para excluir do certame aqueles candidatos que não tiveram condições financeiras para estudar por anos à fio, finda por elitizar cada vez mais a esse judiciário.
É certo que, por vezes, alcançam êxito em concursos públicos alguns que não são, por berço, gente da elite. Ocorre que a própria carreira da magistratura é instrumento para enquadrá-los no sistema. A jurisprudência dos tribunais superiores é por eles absorvida sem qualquer discussão.
Assim, se o Juiz de Fora consultava ao Executivo como julgar aquela demanda, hoje o Judiciário está tão hierarquizado que os juízes novatos, recém aprovados em concurso, mesmo não sendo por acaso filhos da elite, findam por incorporar aquela jurisprudência, aquela forma de decidir já estabelecida no sistema.
Portanto: é um sistema fechado. Alheio à nossa realidade socioeconômica. Não há como mudá-lo.
Lamentavelmente, não bastam reformas pontuais no Judiciário brasileiro.
Os democratas brasileiros devem repensar, de forma amiudada, esse Poder.
Do Comitê dos Juristas Piauienses pela Democracia