Adotando
aqui o conceito de "governante" no sentido amplo, referido às pessoas
que ocupam posições de destaque nas instâncias dirigentes dos três poderes, o
que se observa, de forma acelerada nas últimas semanas, é que alguns deles vêm
empreendendo uma devastadora destruição do pouco que resta da
institucionalidade e da constitucionalidade do Estado brasileiro. A marca das
condutas e do empenho desses dirigentes é a completa falta de caráter, de
moral, em suas ações deletérias.
O mais grave
é que não há forças capaz de detê-los. O STF não só perdeu a capacidade de
exercer o controle constitucional, como, alguns dos seus ministros se engajaram
ativamente na destruição do próprio órgão e de outras instituições. As
oposições, sem uma estratégia definida, além de não terem força no Congresso,
não têm capacidade de promover uma significativa convocação da sociedade para
as ruas visando deter o processo destrutivo do país.
Hoje existem
quatro centros com alguma capacidade de decidir: O governo, cujo núcleo central
é constituído por uma quadrilha chefiada pelo presidente ilegítimo; o
Congresso, que protagonizou o golpe e com vários de seus membros acumpliciados
com a quadrilha governamental; o STF e setores do judiciário, com suas ações
arbitrárias, aleatórias e com setores comprometidos com vários tipos de
ilegalidades e parcialidades e com a própria manutenção de um governo que o
povo não quer; e, finalmente, o Ministério Público, que sofre dos mesmos males
do STF.
Em suas
manifestações políticas e retóricas objetivas, pessoas como Temer, Gilmar
Mendes e Aécio Neves, entre outros, mostraram-se desprovidos de caráter, não se
importando com a evidência da manipulação dos seus argumentos, das mentiras que
proferem, abusando do cinismo e da desfaçatez e usando os seus poderes e as
instituições para proteger atos criminosos. Quando as instituições são usadas
para proteger atos criminosos perdem todo seu conteúdo público e o Artigo 37 da
Constituição, que estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência para a conduta dos servidores do público,
é simplesmente reduzido a pó.
Além de
resistir entrincheirado num cargo usurpado, a forma como Temer compra os
congressistas para se salvar, protegendo inclusive vários ministros denunciados
e investigados, expressa uma conduta típica de companheiros de crime. Não se
pode dizer menos de partidos como o PSDB e outros, todos empenhados na
destruição do país, da moral pública e da moral social. Não restou mais nenhum
senso de decência neste governo e em quem o sustenta.
Algum idiota
da objetividade ou pessoas sem princípios poderiam argumentar que a política
não comporta a moral. Essa noção, que é uma forma envergonhada do "rouba
mas faz", se constitui num dos fatores que vêm destruindo a dignidade da
política e provocando a sua rejeição por parte da população. Maquiavel, que foi
o descobridor da moral própria da política - a virtù - em nenhum
momento isentou a necessidade dos políticos se conduzirem moralmente, seja em
consonância com os valores morais do senso comum ou seja em consonância com a
moral própria da política sempre que os acontecimentos e as circunstâncias o
exigirem.
Nas suas
ações ordinárias, os líderes que têm causas a defender e que não são meros
charlatões e aproveitadores, devem pôr-se em acordo com os valores morais do
senso comum. Nos momentos críticos, exigentes de ações extraordinárias, devem
agir de acordo com a virtù, usando meios e condutas condizentes com a
manutenção do poder do Estado para promover o bem do povo. Desta forma, o poder
nunca é um fim em si mesmo, mas um meio-fim para produzir um fim maior: o bem
do povo, que é a mais alta finalidade ética. Supor que isto está presente no
atual governo, em sua política econômica, nas reformas e nas ações daqueles
protegem e mantêm Temer no poder é uma indignidade e uma injúria contra o
próprio povo.
O STF e a perigosa ideia do Poder
Moderador
Ministros e
ex-ministros do STF, alguns juristas, cientistas políticos e comentadores da
mídia têm se engajado na perigosa e antidemocrática ideia de ver um papel de
Poder Moderador no Tribunal. O Poder Moderador, imposto na Constituição
autocrática de 1824, foi uma forma esperta de contrabandear para dentro da
mesma um mecanismo de conteúdo absolutista, consequentemente, anti-republicano.
O Poder Moderador era um poder interveniente nos demais poderes, arbitrário e
contrário à separação dos poderes, ideia desenvolvida por Montesquieu ou à
teoria do equilíbrio, pesos e contrapesos, proposta e implementada pelos pais
da Constituição norte-americana.
Admitir que
o STF possa atuar como Poder Moderador, como defendem Gilmar Mendes, Dias
Tófoli e outros, significa investi-lo de poder de arbítrio, de capacidade de
destruição da Constituição, como vem ocorrendo hoje. Note-se que o STF é um
órgão desorganizado, sujeito a todo tipo de abusos, ora adotando decisões de
forma monocrática, como foram estas de libertar Aécio Neve e Rocha Loures, e
ora adotando decisões colegiadas, sem que regras claras para isto sejam
estabelecidas.
Se o STF
atua como Poder Moderador ele amplia a sua prerrogativa de ser o órgão de
controle constitucional e, a rigor, viola a própria função de controle
constitucional revestindo-a com a vontade dos ministros que passam a decidir de
acordo com critérios puramente políticos. É o que vem ocorrendo desde o
fraudulento processo de impeachment. Desde então, a Constituição é
permanentemente submetida à interpretação política dos magistrados.
Os juízes
dos outros tribunais e de primeira instância também passam a interpretar a
Constituição e a aplicar a lei, não segundo a sua natureza técnica, mas de
acordo com a interpretação arbitrária de sua vontade política. É o que vem
fazendo Sérgio Moro na prática de inúmeras ilegalidades, condenando, inclusive,
a partir da mera delação premiada de delatores que querem se salvar, suprimindo
a exigência de provas como determina a lei. Esse braço longo do arbítrio, alimentado
no STF e que se estende até a primeira instância, poderá alcançar Lula e outros
delatados.
Esse mesmo
braço longo do arbítrio poderá salvar Temer, Aécio Neves, Rocha Loures e tantos
outros corruptos e criminosos que hoje estão no poder. Isto porque as graças e
os castigos não são distribuídos segundo a Constituição e as leis, mas de
acordo com a vontade política de quem julga. O julgamento de Temer no TSE
deixou claro que no país já não existem instituições imparciais. Para Gilmar
Mendes, o que valia para Dilma, não vale para Temer. Para Marco Aurélio, o
mandato de Aécio Neves, concedido pelos eleitores, é uma coisa séria que deve
ser respeitada. É tão séria que garante a Aécio a imunidade para praticar
crimes.
O Brasil
está perdido e extraviado numa noite trevosa. O sistema político e as
instituições insularam-se em sua própria crise. Não há governo, não há leis e
não há Constituição. O desemprego, a violência e a degradação social se
alastram. Trata-se de um país que não tem glórias passadas para ressuscitar e
nem a miragem de um futuro factível para onde caminhar.
O povo está
abandonado à sua própria sorte, sem que alguém o guie para livrar-se de um
governo que ele não quer. Desta forma, tem que aceitar um governo que lhe
destrói os direitos e a dignidade; destrói o presente e a esperança e o reduz à
impotência dos resignados. A indignação só faz jus a este nome quando se traduz
em luta contundente, em recusa à passividade, em capacidade de convocação às
ruas e em organização. São esses elos perdidos ou frágeis que as oposições e os
movimentos sociais precisam reconstruir antes que 2018 produza uma nova
derrota.
GGN, Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).