Algumas
pessoas de esquerda e democratas bem pensantes se apressaram em condenar a
ovada que o prefeito João Dória recebeu em Salvador. Na verdade, os
manifestantes soteropolitanos devem ser parabenizados, pois Dória merece ser
alvo de muitas ovadas por ser um elemento provocador, desrespeitoso,
estimulador do ódio, usando frequentemente uma linguagem e práticas que
resvalam para a arruaça política. Dória precisa ser tratado como inimigo, já
que ele trata as pessoas progressistas e de esquerda como inimigas.
O
condoer dos progressistas com a situação de Dória mostra o quanto muitos
setores de esquerda perderam a noção da luta política. Antes de tudo, note-se
que ovadas são práticas de protesto recorrentes nas democracias. Para citar
casos recentes, Emmanuel Macron foi atingido com um ovo na cabeça nas últimas
eleições francesas, Marine Le Pen recebeu uma chuva de ovos e François Fillon
foi enfarinhado. Níccolas Maduro também foi atingido por ovo nas últimas
manifestações. Para lembrar outros casos aqui no Brasil, José Serra, Paulo
Maluf, Marta Suplicy, Mário Covas e vários outros políticos também foram
atingidos por ovos. Nessas ocasiões, ninguém fez tanta fumaça como está sendo
feito agora com o prefeito bem-vivente dos Jardins.
Os
progressistas condoídos parecem ser seguidores da moral dos evangelhos e dos
pacifistas, bem assinalada por Max Weber: "se alguém te ferir na face
direita, ofereça-lhe também a outra", o "não resistas ao mal pela
força" ou o pacifista que depõe as armas e as lança longe em respeito ao
Evangelho. Em política, todas essas máximas expressam uma ética sem dignidade,
como indica o sociólogo. É assim que hoje vemos progressistas dóceis,
domesticados, sem virtù e sem coragem em face da virulência dos brutos,
dos soberbos, dos violentos, dos pregadores do ódio, dos arrogantes e dos
raivosos. Dória e Bolsonaro são dessa estirpe. Todos os estudos sobre o
totalitarismo e o fascismo mostram que onde esses movimentos e líderes
triunfaram, em grande medida, se deveu à covardia e à omissão dos democratas,
dos liberais e dos progressistas.
A
pregação da violência e do ódio por parte de Bolsonaro dispensa comentários,
pois ele o faz de forma explicita, aberta e direta, galvanizando a simpatia de
milhões de pessoas que perderam as esperanças nos partidos e nos políticos. Já,
Dória, vai pela via da mentira, da sinuosidade e do cinismo, num jogo em que
estimula a violência ao mesmo tempo em que imputa aos seus alvos a prática da
violência, enquanto ele se apresenta como o pacifista, o educado, o civilizado.
Basta ver os vídeos que gravou após a ovada para ver esse método tão praticado
por movimentos totalitários, quanto por charlatões que enganaram suas vítimas
em todos os tempos.
Após
receber a ovada de militantes do PC do B, Dória afirmou que aquela intolerância
expressa o caminho do PT, de Lula e das esquerdas. Esta declaração é uma
provocação clara. Nos dias seguintes se manifestou contra o ódio ao mesmo tempo
em que chamava Lula de mentiroso e mandava os ativistas de esquerda para a
Venezuela. Outras declarações de Dória: "É melhor ser um nada do que ser
um ladrão como o Lula"; "Trabalho desde os 13 anos e o Lula nunca
trabalhou. Vive às custas dos amigos". Afirmou várias vezes que visitaria
Lula em Curitiba onde o petista estaria preso, provocou ativistas nas ruas e em
eventos e recorre a uma linguagem de ódio e de exclusão. Tudo isto são formas
de violência política que desencadeia mais violência política. Acrescente-se
que Dória sequer tem respeito aos fundadores do PSDB, como demonstrou com FHC e
outros, e está empenhado de corpo e alma na empreitada de traição a Alckmin,
seu padrinho, na disputa pela candidatura presidencial.
Tal
como a propaganda totalitária dava ênfase às supostas fundamentações
científicas de seus argumentos, Dória confere status de infalibilidade aos
métodos de gestão empresarial que estaria aplicando na Prefeitura. Ocorre que,
tal como a cientificidade dos totalitários era falsa, a gestão empresarial de
Dória também é falsa. A gestão Dória é uma montanha de mentiras. Quase todos os
programas novos que anunciou são programas antigos que estavam em andamento,
simplesmente rebatizados com nomes novos. A "Cidade Linda" é a
maior das mentiras, assim como o João trabalhador, o João gari, o João varredor
de ruas etc. São Paulo, como assinalaram alguns líderes tucanos, está
abandonada, tem um prefeito que não prefeita, um gestor que só viaja pelo
Brasil e pelo mundo, gastando o dinheiro dos cofres públicos para fazer
proselitismo político e demagógico visando sua candidatura presidencial.
Basta
ler as "Origens do Totalitarismo" de Hannah Arendt para saber a razão
do sucesso de Dória junto à opinião pública. Esse sucesso conta com três
pilares principais: 1) carência, descrença e desesperança das massas; 2) sua
atomização e desinformação; 3) sua crença nas ficções criadas pelas mentiras da
propaganda. O sucesso desses lideres e movimentos de viés totalitário e
fascistizante antes de chegarem ao poder, se assenta, diz Arendt, "na sua
capacidade de isolar as massas do mundo real".
Dória
ou Bolsonaro, certamente, não seriam capazes de criar um regime totalitário no
mundo de hoje. Mas o totalitarismo e o fascismo hoje se manifestam de outras
formas, em ondas parciais, que envolvem vários aspectos da vida social e
arrastam as pessoas para práticas nada democráticas mesmo que acreditem na
democracia.
Esses
líderes e movimentos, investidos de poder, se tornam perigosos. No passado
praticaram à larga o terrorismo de Estado e o extermínio em massa. Dória se
mostrou capaz de pequenas vilanias, praticando pogrons contra drogados e
doentes e mandando jogar jatos de água fria, em pleno inverno, em moradores de
rua.
Os
bem pensantes progressistas e de esquerda pregam que é preciso reduzir o ódio e
aumentar o diálogo, promover debates de alto nível. Sim, tudo isto é
necessário, mas onde é possível e com quem é possível. Com Dória e Bolsonaro
não é possível. Usar boas maneiras, oferecer a outra face, significa se deixar
passar por cima por essas ondas protofascistas que estão vindo com força.
Subestimá-las, representa um erro fatal. Convém lembrar que quase todos os
líderes totalitários e fascistas foram subestimados no início de suas
carreiras.
Para
combater Dória e Bolsonaro é preciso entender o fenômeno que eles representam,
compreender a especificidade de cada um e os seus métodos de fazer política e
de se promover através da propaganda e das mentiras. Os progressistas e as
esquerdas vêm colhendo derrotas e fracassos sucessivos. Poderão colher uma
estrondosa derrota em 2018. Se é para ser derrotado, que o seja com luta,
coragem e dignidade. Que não seja com o mi mi mi das boas maneiras para com
quem as trata como inimigas. E se for para buscar a vitória, que se mudem os
métodos, os discursos e os modos de agir e que se saiba quem são e como
agem os inimigos.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
GGN