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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O ESTRANHO JOGO DA OPERAÇÃO MARGEM CONTROLADA COM A SONEGAÇÃO, POR LUIS NASSIF

Deflagrada hoje, a Operação Margem Controlada, da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual do Paraná, não cheira bem.
A operação foi montada contra uma suposta organização criminosa que impedia os postos de combustível de praticarem preços livres.  A tal organização seria integrada por “executivos” das três maiores distribuidoras do país, BR Distribuidora, Ipiranga e Shell.
Na inacreditável entrevista concedida às TVs de Curitiba, o delegado descreveu o crime cometido. É de um nonsense sem tamanho:
O delegado admitiu que os postos tinham contrato com as respectivas distribuidoras, pelos quais se comprometiam a adquirir combustível delas com exclusividade.
Segundo o delegado, a tal quadrilha tinha proibido os postos de darem desconto, o que contrariaria a Constituição, “que prevê liberdade de mercado”. No  inquérito aberto, se diz que “de forma irregular, o preço de compra (custo) ao preço de venda que o revendedor deve cobrar do consumidor”.
Como represália, as distribuidoras estariam cobrando dos postos mais do que os postos cobravam de seus fregueses na bomba.
A partir daí, a Policia Civil e o MPE solicitaram – e conseguiram do juiz – a prisão de 8 “executivos” das empresas. E espalharam “com exclusividade” os documentos para as TVs locais.
Vamos refazer a narrativa da maneira correta, sem inverter a lógica, como fez o delegado para justificar a operação:
Por contrato, os postos só podem adquirir combustível das distribuidoras de sua bandeira.
Em Curitiba, o próprio delegado admite que estavam vendendo na bomba por um preço abaixo do que pagavam pelo combustível. Ninguém, em sã consciência, vende seu produto principal por um preço menor do que o que pagou.
É evidente os postos que estavam adquirindo de terceiros o combustível. E, para vender abaixo do preço da distribuidora, a única explicação é que estão adquirindo combustíveis sem nota fiscal.
Os “executivos” presos são meros três assessores comerciais da Petrobras, dois assessores da Shell e um gerente da Ipiranga, obviamente cumprindo determinações das empresas para a mais banal das fiscalizações: comparar o preço de venda na bomba com o preço de compra da distribuidora. Simples assim.
Porque a ênfase nos “executivos”? Porque se admitissem que se trata de uma política nacional por parte das três distribuidoras, o caso sairia do Paraná. Preferiram, então, jogar o peso da lei sobre subalternos, expondo seus nomes na TV local, e criminalizando uma ação das distribuidoras contra o crime organizado da venda de combustíveis sem nota.
A distribuição de combustíveis
O mercado de distribuição é concentrado. Apenas 4 distribuidoras controlam 77% do mercado. Enquanto na parte de baixo da pirâmide, 58 pequenas distribuidoras tem apenas 4% do mercado.
Além disso, há um mercado de comercialização do etanol. Na parte regulada, a venda do etanol se dá em leilões públicos.
À sombra desse oligopólio, existem distribuidoras menores, lutando com dificuldade, e quadrilhas organizadas.
Até algum tempo atrás, um dos golpes consistia em criar empresas fantasmas que conseguiam retirar combustível das refinarias sem pagamento antecipado de tributos, a chamada substituição tributária. Vendiam mais barato, acumulavam um passivo e, quando o Fisco ia cobrar, a empresa desaparecia na poeira.
Outra jogada consiste em comprar etanol diretamente das usinas, revendendo-a sem nota fiscal para os postos.
A maneira mais óbvia de combater a sonegação é conferir o preço final de venda. Se estiver abaixo do preço de compra, obviamente o posto está adquirindo produto sem nota fiscal.
Os “executivos” presos apenas cumpriam ordens óbvias de fiscalização. E foram expostos como criminosos, com procuradores e delegados anunciando, em coletiva, que estão sujeitos a penas de 2 a 12 anos de prisão.
É evidente que a operação visa desarmar um dos instrumentos de controle do mercado informal de combustíveis.
O ponto obscuro é saber o que a motivou, se apenas ignorância e exibicionismo, ou algo mais grave.
Do GGN

domingo, 13 de maio de 2018

Uma promotora de Justiça que honra a função, por Luis Nassif

A função do promotor não é a de condenar: é a de procurar a verdade. Esses tempos sombrios de lava jato consolidaram a imagem deturpada do procurador vingador, que define uma narrativa inicial e, depois, enfia provas a marretada, na maioria das vezes contra o réu, para satisfazer a sede de vingança de uma sociedade doente. Como o nome define, é um promotor da justiça, o que procura fazer justiça, e não sair condenando a torto e a direito,
A promotora Sandra Reimberg deu um exemplo relevante da verdadeira função do Ministério Público, à altura do seu colega Eduardo Araújo da Silva, que enfrentou uma imprensa sedenta de sangue e libertou rapazes inocentes, detidos e torturados em função do episódio conhecido como Bar Bodega.
No acidente que vitimou o filho do governador Geraldo Alckmin, houve uma investigação conduzida pela Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes) da Força Aérea e convalidada pelo perito Hélio Rodrigues Ramacciotti, do Instituto de Criminalística.
Com base nele, a Polícia Civil concluiu um relatório indiciando cinco pessoas por negligência e imperícia, que iam o homicídio culposo qualificado, homicídio culposo em coautoria, falso testenho e aí por diante.
A promotora Reimberg não aceitou o laudo e não se acomodou. O Ministério Público Estadual continuou investigando por conta própria. Chegou-se à conclusão o helicóptero havia retornado da Helibras na véspera do acidente, e não se respeitou o prazo de secagem das pás. Com base na sua investigação, cinco inocentes não foram denunciadas.
A promotora denunciou o perito Hélio Ramacciotti, que admitiu ter copiado trechos do relatório da Cenipa, sem ter vistoriado o helicóptero, devido a pressões da Polícia Civil para acelerar a investigação.
Do GGN

domingo, 26 de novembro de 2017

Os 300 índios guaranis que estão defendendo sua terra em Santa Catarina de tudo e de todos. Por Renan Antunes

Enseada do Brito: terra disputada por guaranis e posseiros
Perdão leitores e turistas: reapresento a história da índia guarani da mão cortada a faconaços.
É necessário para recontar as circunstâncias desta brutal agressão ocorrida em Santa Catarina no feriado de Finados – consequência da luta pela terra entre brancos e guaranis.
O ataque foi um gesto nada sutil. O objetivo da barbárie é expulsar os guaranis da Terra Indígena do Morro dos Cavalos, onde 300 deles resistem às investidas.
A vítima da hora foi mesmo a índia que mostramos com exclusividade aqui no DCM: Ivete de Souza, fotografada num leito do Hospital Regional São José na noite dessa terça, 21.
O que agora se sabe é que ela foi marcada para morrer porque é ninguém menos do que a matriarca dos guaranis da aldeia. Figura respeitadíssima e mãe da combativa cacica Eunice.
Seu verdadeiro nome é Juxiká.
Na língua deles significa “divindade das sementes” – Ivete é apenas o nome aportuguesado dela, assim registrado no BO da polícia e no hospital.
Juxiká é de poucas palavras. Sua voz é só um murmúrio, cada frase soa como um suspiro.
Ela já estava na aldeia quando a reencontrei na quinta, dia 23. O coto da mão cortada estava enrolado em bandagens encardidas. Tinha os cabelos desgrenhados, vestia roupas surradas, o esmalte vermelho descascando das unhas da mão que lhe sobrou.
Não foi fácil chegar ao esconderijo dela, só possível depois de negociações com lideranças guaranis em São Paulo.
Aqui não posso descrever o local, porque os índios me pediram sigilo, por segurança – vai que quem a atacou queira terminar o serviço.
Posso dizer que a sala era pobre, mas ampla e arejada, com um mapão na parede.
A velha índia contou, sem alterar a voz, que não identificou quem queria seu mal.
Descarta rixa com algum índio: “Minha vida era só carpir, plantar e cozinhar para a família”.
A família pela qual ela lutava de enxada na mão é composta pela filha cacica, uma neta (filha de cacica) e uma bebê, bisneta, quatro gerações sob o mesmo teto.
Olhando a big picture, e sabendo que Eunice é uma liderança guarani conhecida e respeitada internacionalmente, que nunca anda desprotegida, entende-se por que Juxiká se tornou alvo.
Juxiká, ou Ivete de Souza, cuja mão foi decepada num ataque
Eunice dá entrevista com a mãe. Também por segurança, pede que fotos da filha e da bebê não sejam publicadas – posso atestar que a menina era linda, saudável e irrequieta, rolando pela casa num andador cor de rosa. A danadinha interrompeu a entrevista várias vezes.
O que não percebemos na primeira reportagem foi a verdadeira natureza e a dimensão do ataque, parcialmente escondido pela grande mídia.
Notícias do conflito poderiam causar impacto negativo no turismo do Mercosur – os gringos que entram em Floripa não suspeitam do caldeirão de ódio e violência que é a paisagem idílica da janela do carro, o parque estadual da Serra do Tabuleiro, onde há décadas os 300 guaranis sobrevivem enfrentando um rosário de desigualdades.
A tribo, da qual a maioria pensa que são só os vendedores de cestos bem do alto do Morro dos Cavalos, às margens da BR101, é hostilizada pelos posseiros brancos que ocupam a terra deles.
Os posseiros têm apoio de políticos locais, no Judiciário, Legislativo, Executivo dos três níveis e da imprensa – índio não lê jornal.
Os fins de semana da tribo são de puro terror.
Nos findis os posseiros têm mais tempo livre e passeiam pela área, disparando para o alto, às vezes mandando bala no casebres da turma. 
Os relatos dos ataques são fartos, comprovados com queixas na polícia e na internet, mas pouca gente se importa.
A bela e Santa Catarina só divulga as qualidades boas de seu povo e as baladas do verão, escondendo o lado sujo dos guaranis.
Não falo aqui de direitos ancestrais às terras.
A área foi demarcada (em 2008) pelo Ministério da Justiça da Era Lula. Eis o documento:
Portaria Declaratória 771, do Ministério de Justiça, declara de posse permanente dos grupos indígenas Guarani Mbyá e Nhandéva a Terra Indígena Morro dos Cavalos, de aproximadamente 1.988 hectares. (Fonte: site do MJ)
Portanto, no papel, os 300 poderiam chamar de seu aquele cantinho.E viver ali para pescar e colher goiabas.
Estava tudo pronto para o então presidente assinar a homologação da área e despejar ajuda federal nela, quando os posseiros, organizados por prefeitos da região, foram ao STF contestando a medida.
O STF levou oito anos para decidir que os índios tinham razão.
Não adiantou: quando os posseiros perderam, foi a vez do governador Raimundo Colombo (PFL/DEM/PSD) entrar no tapetão. Eis outro documento:
O Estado de Santa Catarina pediu a anulação da demarcação da terra indígena no Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Grande Florianópolis. Para isso, a Procuradoria Geral do Estado protocolou no STF solicitação para tornar sem efeito a Portaria Nº 771, do MJ. O governo pede mais: se perder a terra, que ao menos o STF afaste os índios do leito da BR101 (Fonte: site da PGE/SC)
Protocolar no STF é jogar o caso para as calendas.
Provocação: “Enseada é terra de gente”
E o novo pedido veio com uma barganha que os posseiros não pensaram: se os ministros mantiverem a decisão de que a terra é dos guaranis, que pelo menos eles (os índios, não os ministros) sejam chutados do alto do Morro dos Cavalos, para que se possa dar uma reformada na BR101.
FALTOU UMA CANETADA
Dilma teve uma chance para desafiar tudo e assinar a homologação. Os índios mais espertos perceberam que ela ia cair e foram ao palácio. Um dia antes do impeachment imploraram por um canetaço dela – mas ela não teve, digamos, bolas para tanto. Estava tão siderada com o golpe que deixou os índios se virarem sozinhos.
Aí, caiu na mão de quem para assinar o decreto de homologação da área indígena?
Dele, Michel Temer. Quem conhece o tema garante que ele só assinará uma homologação destas no dia em que as galinhas criarem dentes.
Mais: foi já na gestão dele que os brancos ganharam a última escaramuça, apertando o torniquete nos índios.
A ajuda do mal foi dada pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), órgão do Ministério da Agricultura. Ela cortou a cesta básica que durante anos pingava na tribo.
Chega a ser provocação: o site da empresa mostra que entre suas tarefas está “a distribuição de cestas de alimentos, compostas por 22kg de produtos da linha básica de consumo, destinadas à suplementação alimentar de segmentos da população em situação de vulnerabilidade social, tais como comunidades indígenas” – mas, neca pros guaranis do Morro dos Cavalos.
TOMARAM A TERRA, QUEREM A ÁGUA
Como é a terra disputada?
O naco dos guaranis tinha tudo para ser um pedaço do paraíso dentro do paraíso que são os 84 mil hectares do parque estadual da Serra do Tabuleiro (1% do território catarinense).
Os guaranis ocupam menos de um 1% deste 1%, mas mesmo assim incomodam. Os melhores mananciais de água limpa nascem nas terras deles – e os brancos a bebem lá embaixo.
Os 300 que vivem lá dentro dominam as terras entre os rios Maciambu e do Brito, mas 70 famílias de brancos estão enraizadas no meio deles – uns passam pelos outros de olho arregalado.
No ponto mais alto, as terras indígenas cortam a rodovia vital dos catarinenses, aquela que traz ondas de gaúchos e argentinos para o turismo. Ninguém entra em Floripa vindo do Sul sem passar pela terra deles.
Também é dos guaranis uma das praias mais lindas do litoral catarinense, a Enseada do Brito, com uma vista monumental do continente – do outro lado está Floripa, dá para ir nadando.
Para sobreviver, tudo o que os índios fazem nelas, além de suas roças de mandioca, é explorar a venda de bugigangas, cestas de palha e caldo de cana. Os posseiros têm negócios variados: postos de combustível, borracharias e puteiros.
O cocoruto do morro e o conflito pelas obras da 101 são a parte visível, sempre com os índios pintando nas páginas da maioria dos jornais como inimigos do progresso.
Os índios resistem com suas barraquinhas de suvenires pros viajantes na passagem do morro porque sabem que se forem varridos do alto, serão varridos do parque – já dá para imaginar bandeirantes modernos nos grotões caçando para deportação aos últimos vendedores de caldo de cana.
A luta continua, sem noção: hoje, as lideranças indígenas fazem periódicas peregrinações ao Planalto para pedir ao ministro Eliseu Padilha que encaminhe o decreto de homologação para assinatura do presidente Temer – os pajés sonham com o dia das galinhas dentuças.
Barraquinha de venda de suvenires às margens da BR101, no Morro dos Cavalos
Depois da judicialização do caso pelo governo de SC, o governo federal se sente confortável para deixar o caso pras calendas – tanto que ele continua dormindo no STF.
Os índios e o as autoridades já tinham acertado até como fazer para preservar os cocorutos do Morro dos Cavalos pra BR101 – o DNIT deveria fazer túneis, projeto pronto. No ano passado, o TCU vetou os túneis e reabriu a ferida de passar pela terra indígena sem se importar com os vendedores de suvenires.
Semanas atrás um grupo de políticos e empresários de Palhoça foi a Brasília pedir ao mesmo Eliseu Padilha que interceda em favor da expulsão dos índios – neste caso, é bom levar a galinha para ser examinada no dentista porque aí sim ela pode criar dentes.
INDIOZINHOS EXIBIDOS EM ESCOLAS
Um historiador local, ouvido pelo DCM, ex-presidente do conselho de moradores da Enseada do Brito, defende que não havia guaranis no pedaço “antes das ONGs” (defensoras dos índios) dizerem que eles estavam lá por séculos – conforme laudo antropológico da área, aceito pelo MJ.
Segundo a tese dele, uma família de sobrenome Moreira teria acampado no Morro dos Cavalos nos anos 60, durante a construção da 101, daí se originando o que hoje é o grupo estimado em 300 resistentes escondidos naqueles grotões.
Ele contou que até levou algumas crianças indígenas para exibi-las aos seus alunos, no tempo em que lecionava nas escolas da região.
Defende a permanência dos brancos posseiros no pedaço porque “são famílias que estão aqui desde o tempo dos açorianos”, os colonizadores da vizinha Floripa.
Explicou também que a água consumida nas casas dos moradores brancos que ocuparam a Enseada vem toda da terra indígena, através de mangueiras que captam no alto do morro: “Vamos deixar toda água com os índios”? pergunta, assustado.
Hoje a causa dos brancos é defendido por uma funcionária pública, também integrante do conselho de moradores, que não quer ter seu nome publicado.
Ela sustenta que os índios chegaram mais tarde ainda do que a tal família Moreira.
Na versão dela teria sido em 1993. Ela aposta numa vitória do governo de Santa Catarina para despejar a indiarada. De lambuja, não quer nem sua foto publicada no DCM – desejo aceito.
Ela tem a ainda uma tese “líquida” de que a tribo entrincheira no morro não tem guaranis legítimos: “Onde você viu guaranis que tomam chimarrão”?
Aqui o repórter foi obrigado a buscar esta rápida info na web sobre a erva Ilex paraguairiensis: diz a história que foram os guaranis que descobriram seu uso, passando o conhecimento aos espanhóis.
Ou seja, quando os brancos chegaram na América os guaranis já tomavam aquela beberagem.
VERSÃO OFICIAL DO ATAQUE É FANTASIA
Os dois integrantes do conselho de moradores disseram saber que são os atacantes que deram os faconaços em Juxiká.
Registro que os dois se disseram horrorizados com o acontecido.
A versão deles é a mesma versão oficial do ataque: de que ele foi perpetrado por lideranças indígenas adversárias da cacica Eunice.
O que nos leva de novo à cena do crime: Juxiká estava sozinha em seu casebre quando dois adolescentes (hoje detidos, com identidades preservadas de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente) a atraíram para uma casa vizinha.
Lá dentro havia um homem, adulto, com um facão, pronto pra suprema covardia: bater até a morte numa velhinha de 1m52, desprevenida: “Eu senti o primeiro gole na cabeça e o sangue escorrendo”, lembra Juxiká, estoica, sem derrubar nenhuma lágrima.
Não foi possível apurar mais detalhes do ataque porque ela disse que perdeu a visão com o sangue nos olhos: “Senti tudo, mas não entendi direito e só me defendi” – bem provável que se o cara deu o primeiro faconaço na cabeça dela queria mesmo era matá-la.
Sem especulações: dona Juxiká não perdeu a consciência, tentou se defender com os braços, recebeu mais golpes pelo corpo, sangrou muito e teve a mão esquerda decepada.
Caída numa poça de sangue, a “divindade das sementes” foi deixada para morrer.  É provável  que atacante tenha achado que o serviço estava pronto e sumiu, deixando-a pronta pra semear nos sete palmos.
Como vai a investigação da Polícia Civil de Santa Catarina ?
Lembremos que seu governo quer a saída dos índios do pedaço.
Na delegacia da Mulher de Palhoça, os agentes não dão prioridade ao caso. 
Eles espalham um boato, pedindo para que nada seja publicado antes do final das investigações: o atacante seria outra liderança indígena, um suposto cacique Luiz.
E aí deram uma dica para o repórter: “Procure por ele nos mesmos morros, mais para cima, num trecho perto dos garapuvus, foi visto próximo de uma roça de melancias” – eu é que não sou bobo de procurar cacique em roça de melancias, pelo que eu sei esta fruta só dá no plano.
A cacique Eunice repudia as versões genéricas: “Cada vez que um dos nossos é atacado, as pessoas pensam em desistir e mudar-se, é isto que os atacantes querem. Está óbvio que não são indígenas, nosso povo está unido. É coisa deles” – com “deles” em língua em guarani e em português, quer dizer gente de fora da aldeia, brancos.
Os 300 guaranis do Morro dos Cavalos não fazem aquelas cenas de se pintar para guerra ou usar arco e flecha na frente das câmeras.
Para resistir às provocações, todos os findis, e durante a noite, a hora mais temida, os guaranis, já acostumados com os sustos, se reúnem em vigília, em locais protegidos.
As crianças enroladas em cobertores, os cachorros soltos, pra avisar qualquer coisa.
Os guerreiros ficam no smartphone, as mulheres vendo TV.
As famílias cozinham pinhão e mandioca.
Muitos passam a noite em claro, de cuia na mão, tomando chimarrão.
Juxiká (de costas) com a filha, cacica Eunice
DCM

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Os abusos na busca feita pela polícia de Alckmin na casa de Marcos Lula, filho mais velho do ex-presidente Lula

Foto: Divulgação
Tão logo veio à tona, na noite de terça (10), por meio da colunista Mônica Bergamo, a história da busca e apreensão na casa de Marcos Lula, filho mais velho do ex-presidente Lula, passou a ser alvo de críticas feitas por especialistas em Direito horrorizados com o nível de violações que as primeiras informações sobre o caso guardavam. 
O principal pilar do escândalo era o fato de que a autorização judicial para a busca foi dada mediante o argumento de que câmeras de vigilância dificultavam o "monitoramento" dos endereços alvos da denúncia anônima. No ordenamento jurídico brasileiro, denúncia anônima por si só não serve (ou não deveria servir) para nada. 
O segundo ponto questionável é a notícia de que a Polícia Civil, sob o comando de Geraldo Alckmin (PSDB), entrou em endereços ligados a Marcos Lula com a desculpa de lá poderia existir drogas e armas de alto calibre, e saiu carregando objetos pessoais de Marcos, como computadores, mídias e outros papéis. 
A chave para a questão está no mandado de busca e apreensão, ainda não divulgado. 
A DENÚNCIA ANÔNIMA
 Professor de Direito Penal da PUC-SP, Edson Luis Baldan explicou ao GGN que "mera informação anônima não fornece justa causa para quebra da inviolabilidade do domicílio do cidadão que goza dessa proteção em sede constitucional". 
"Com 26 anos de atividade como Delegado de Polícia, jamais imaginei recorrer a um Juiz de Direito para pleitear uma medida dessa natureza com lastro exclusivo em inidônea denúncia anônima", disse Baldan. 
Ao relatar o julgamento de um habeas corpus (HC 106.152), em março 2016, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber também apontou que denúncia anônima carece de investigações preliminares que atestem a procedência das informações. 
"(...) a não-confiabilidade dessas informações apócrifas decorre do fato de que seus autores são desafetos da pessoa imputada, criando sério risco de que o aparato policial e judicial seja movimentado como instrumento de vingança particular", acrescentou Baldan.  
No pedido para obter autorização para a busca na casa de Marcos Lula, consta que a Polícia Civil recebeu notícia de que duas residências estavam sendo usadas para "armazenamento de grande quantidade de drogas e armas de alto calibre" e, em função disso, "iniciou-se investigações para apurar os fatos". 
Os investigadores fizeram "campanas veladas" em dias e horários diferentes, e identificaram "grande movimentação" nas chácaras. A principal suspeita apontada pelo delegado era a de que pessoas entravam e saiam com caixas. Os policiais não encontraram "indícios de moradia", e como mantiveram distância por conta das câmeras de vigilância, não conseguiram apurar outra parte da denúncia: a de que as placas dos veículos eram de Estados diversos. 
Bom base nesses elementos, a Justiça concedeu o mandado. O GGN pediu ao governo Alckmin acesso ao documento, mas não obteve resposta. 
DIFICULDADES NA APURAÇÃO
 Segundo Baldan, as investigações preliminares a partir de denúncias anônimas são válidas. Mas ele indicou que, em casos como este, a equipe de investigadores poderia ter esgotado outras possibilidades antes de alegar que a distância dificultava o trabalho. 
"Risível o argumento de que a existência de vigilância eletrônica impeça o trabalho de investigação preliminar da polícia, pois esta deve estar capacitada para transpor esse óbice e se mimetizar ao ambiente sem despertar suspeitas do investigado, por exemplo:  utilizando veículos descaracterizados e fechados (estacionados a prudente distância do alvo em cujo interior permanecem os policiais observando o endereço suspeito), simulando uma atuação profissional (funcionário da limpeza pública, manutenção de rede elétrica ou telefônica, vendedor ambulante) etc ... Tudo isso é elementar, básico do trabalho investigatório, devendo o policial aliar essas conhecidas estratégias à sua argúcia e criatividade diante do cenário diverso que se lhe apresentar." 
Além do mais, "caso nenhuma estratégia de investigação preliminar discreta seja possível, a informação anônima deve ser momentaneamente descartada, no aguardo de dados mais completos ou meios mais eficazes para a apuração."   
A APREENSÃO DE OBJETOS PESSOAIS
 A apreensão de dois notebooks, mídias e documentos nos endereços de Marcos Lula sem a previsão no mandado de segurança pode ser outra prova da arbitrariedade da operação. 
O GGN solicitou à Polícia Civil, através da assessoria da Secretaria de Segurança Pública do Estado, acesso ao inteiro teor da autorização judicial para a busca e apreensão, entre outros dados. Até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno. 
O que se sabe, através do pedido enviado à Justiça, é que a autoridade policial demandou o mandado "com o objetivo de apreender produtos ou instrumentos de crime, armas, drogas e etc." 
Na visão de Baldan, "a excepcional medida judicial de violação de domicílio deve, como requisito de sua legalidade e prestabilidade à prova processual, ser executada com base em elementos objetivos que indiquem, claramente, não só o fundamento autorizador da medida, mas, igualmente, que delimitem o objeto dessa diligência de busca, não podendo sua finalidade ser vaga, ampla ou indiscriminada." 
Advogado e delegado aposentado da Polícia Federal, Armando Coelho Neto disse ao GGN que "nos tempos da democracia, todo mandato tinha que ser específico."
Neto explicou que a exceção é quando a Polícia entra em busca de documentos e encontra um outro item evidentemente ilícito penalmente. "Há variantes nessa questão do mandado de busca. (...) Seria diferente se você tem mandado para entrar numa casa em busca de documento e de repente você encontra um pacote de cocaína. Aí você encontrou um crime. Mas no caso específico de você procurar um crime e de repente querer levar a casa toda porque você pressupõe que no colhão, ou dentro das panelas, ou no laptop da criança (tem alguma coisa), aí não... A ação policial tem que estar adstrita à investigação específica, com endereço específico e objeto específico."
"Tirante essa hipótese, a apreensão de coisas ou documentos (que por si só não caracterizem um ilícito) não contemplados no instrumento de busca (...) serão imprestáveis para servir como prova porque evidentemente ilícitas", acrescentou Baldan.
Para Armando, "nós estamos vivemos um período de exceção, onde o Direito vem sendo solapado de todas as formas. Em nome de um tal bem maior que ninguém declama, estão cometendo uma série de arbitrariedades."  
O ABUSO DE AUTORIDADE
O professor Edson Luis Baldan ainda apontou que "caso um magistrado conceda mandado de busca e apreensão domiciliar com fundamento exclusivo em mera denúncia anônima, configurada estará uma evidente violação a garantia individual do cidadão, tutelada por norma constitucional inderrogável, afigurando-se, em tese, um crime de abuso de autoridade consistente no atentado à inviolabilidade ao domicílio e à honra de pessoa natural (Lei 4.898/65, arts.3º , “b”, e  4º, “h”)".
 A punição pode ser administrativa (advertência, repreensão, suspensão do cargo por 5 a 180 dias, destituição de função, demissão) e/ou criminal (penas oscilantes de 10 dias a 6 meses de detenção, multa, perda do cargo e inabilitação para exercício de qualquer função pública pelo prazo de até 3 anos).
 Do GGN