O STF começa a examinar os inúmeros casos de omissões e
contradições nas delações premiadas, uma verdadeira indústria que abriga um
"abjeto submundo", segundo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann; os
primeiros casos da lista do STF são os do ex-senador Delcídio Amaral, do
lobista Júlio Camargo, de Nelson Mello, ex-diretor de Relações
Institucionais da Hypera Pharma, e do operador Lúcio Funaro; são
apenas a ponta de um enorme iceberg, como ficou patente depois que os doleiros Vinícius
Claret e Claudio de Souza denunciaram o pagamento de propina mensal de US$
50 mil durante vários anos para proteger seus acordos de delação premiada.
Depois que os doleiros Vinícius Claret e Claudio de
Souza denunciaram o pagamento de propina mensal de US$ 50
mil durante vários anos para proteger seus acordo de delação premiada, começam
a chover denúncias contra aquela que se transformou numa verdadeira indústria.
Um auditor da Prefeitura de São Paulo revelou ter sido chantageado pelo Ministério Público para envolver o
ex-prefeito Gilberto Kassab -como não o fez, sua delação não foi aceita.
Advogados relatam bastidores que esta chantagem é recorrente em Curitiba, com
os presos sendo forçados a envolverem o PT e especialmente o ex-presidente Lula
em suas delações. O assunto já chegou ao STF. Há omissões e contradições em
várias delas, o que pode indicar que foram manipuladas politicamente, como o
caso do ex-senador Delcídio do Amaral, cuja delação foi peça-chave na derrubada
de Dilma em 2016.
Segundo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, é possível dizer
que "há um abjeto submundo nas delações premiadas, uma verdadeira
indústria", o que revela-se com mais nitidez agora. Em reportagem, o
jornal Valor Econômico relaciona, além do caso de Delcídio, um dos mais
escandalosos, o STF deverá analisar em breve as delações do lobista Júlio
Camargo, de Nelson Mello, ex-diretor de Relações Institucionais da Hypera
Pharma, e do operador Lúcio Funaro.
Leia os trechos mais relevantes da reportagem do Valor
Econômico:
Passados quatro anos desde as primeiras delações premiadas da
Operação Lava-Jato, uma série de incertezas ronda esses acordos. Um dos pontos
que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que analisar em breve é a
consequência jurídica da omissão de fatos por um colaborador ou da apresentação
de versões diferentes entre eles. Pela ótica da Procuradoria-Geral da
República (PGR), o delator é obrigado a revelar todos os crimes que cometeu.
Mas algumas delações, se analisadas em conjunto, omitem fatos ou apresentam
contradições.
O STF irá se
pronunciar pela primeira vez sobre o assunto no caso dos executivos da J&F.
Na sexta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a pedir
ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, a rescisão dos
acordos de Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva. Dodge fez a
manifestação final da PGR após a defesa dos executivos, levando a
discussão a um momento decisivo. A PGR também defende a rescisão das delações
de Joesley Batista e Ricardo Saud. Se confirmada a rescisão, os delatores
perderão os benefícios. Agora, caberá a Fachin homologar a rescisão, rejeitar o
pedido ou levar o assunto ao plenário do STF.
Dodge acusa os delatores de omitir "de forma intencional
fatos criminosos dos quais participaram ou tinham conhecimento" ao fechar
os acordos. Ela cita a participação de Marcelo Miller na negociação das
delações enquanto ele ainda era procurador da República; a prática de
"insider trading", pelo uso de informação privilegiada sobre a
própria delação para atuar no mercado financeiro; e o pagamento de R$ 500
mil ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) para mudar o posicionamento sobre o
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Para Dodge, os delatores agiram
com a intenção de "ludibriar o Ministério Público e proteger aliados, em
conduta claramente desleal e afrontosa." (...)
O Judiciário já se deparou até agora com pelo menos um caso
comprovado de omissão, na delação do lobista Júlio Camargo. Em seus primeiros
depoimentos, Camargo omitiu o repasse de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) em contratos de navios-sonda da Petrobras. Quando o fato veio à tona
na delação do doleiro Alberto Youssef, Camargo alterou a versão original
para incluir o pagamento a Cunha.
Ao analisar a situação de Camargo o juiz Sergio Moro, da 13ª
Vara Federal de Curitiba, reconheceu que houve omissão, mas manteve os
benefícios do acordo por entender que o lobista apresentou uma razão plausível
para sua conduta: o receio de retaliações.
Outros casos ainda
devem chegar ao crivo do Judiciário. A delação do ex-senador Delcídio do
Amaral, por exemplo, entra em choque com fatos narrados por ex-executivos da
Odebrecht. Delcídio relatou que pediu ajuda ao ex-diretor da área internacional
da Petrobras, Nestor Cerveró, e ao ex-diretor de serviços da estatal, Renato
Duque, para quitar dívidas da campanha para o governo do Mato Grosso do
Sul em 2006. Ele confessou ter recebido US$ 1 milhão em espécie, a mando de
Cerveró - mas sem oferecer contrapartida, e assegurando não ter usado a mesma
conduta em outras ocasiões.
Enquanto isso, ex-executivos da Odebrecht narraram supostas
irregularidades também nas campanhas de Delcídio para o Senado, em 2010, e para
o governo de Mato Grosso do Sul, em 2014. Segundo o ex-presidente da Odebrecht
Infraestrutura Benedito Júnior, o grupo pagou R$ 5 milhões em caixa dois para a
campanha de Delcídio em 2014. O ex-diretor da diretor da empreiteira
Rogério Araújo também afirmou que, em 2010, Cerveró solicitou à Odebrecht
contribuição para a campanha de Delcídio como contrapartida à eventual
aprovação de projeto de gasoduto que seria realizado por uma empresa controlada
pela Petrobras Energia Argentina. (...)
Outro caso de possível omissão é a delação de Nelson Mello,
ex-diretor de Relações Institucionais da Hypera Pharma, antiga Hypermarcas. Ele
relatou repasses milionários a parlamentares do MDB por meio de contratos de
serviços não prestados - e assumiu sozinho a responsabilidade pelas tratativas.
O operador Lúcio Funaro, por sua vez, disse em sua delação que o esquema
contava com a participação do principal acionista da Hypera, João Alves de
Queiroz Filho, o Júnior da Arisco.
Do Brasil 247