Foto: Antonio Cruz/
Agência Brasil
Gilmar Mendes cometeu crimes junto à Lei Orgânica da Magistratura,
ao Código do Processo Civil e à Lei do Impeachment por três motivos: atuação
político-partidária ilegal, ao articular com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) a
aprovação da lei de abuso de autoridade; por julgar causas com a defesa do
advogado Guilherme Pitta, membro do escritório de sua própria esposa; e por
desrespeitar com ataques membros do Ministério Público Federal (MPF), ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
As considerações são do constitucionalista e professor da
Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Neves, do ex-procurador-geral da
República Cláudio Fonteles, e outros 29 representantes do Direito e
Universidades, que enviaram contra o ministro Gilmar Mendes três peças para o
seu afastamento do Supremo: um pedido de impeachment ao Senado, uma reclamação
disciplinar ao STF e uma "notitia
criminis" ao MPF.
Marcelo Neves explicou como o ministro e presidente do TSE
infringiu diversas leis e regulamentações da magistratura, que se caracterizam
como crime de responsabilidade. "O primeiro é exercício ilegal de
atividade político-partidária que fere tanto a Constituição, como a Lei de
Organização da Magistratura, como também o artigo 39 da Lei de
Impeachment", introduziu.
A alegação é com base nos autos de Aécio Neves (PSDB-MG), alvo
de denúncia da Procuradoria-Geral da República, que traz uma conversa grampeada
do parlamentar com o ministro do STF: "O senador Aécio Neves pedia para
ele cabalar votos do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) [para angariar votos
favoráveis à lei de abuso de autoridade]. [Gilmar] não só respondeu que ia
fazer isso imediatamente, cumprindo de certa maneira uma função partidária, mas
disse também que já tinha falado, convencido e persuadido dois senadores, o
Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o Antonio Anastasia (PSDB-MG). Isso claramente é
atividade político partidária", lembrou.
O constitucionalista ressaltou, ainda, que os senadores
Anastasia e Flexa Ribeiro são investigados criminalmente no Supremo, onde
Gilmar tem, ainda, um poder maior de influência, que se configuraria em
conflito de interesses. "Outro aspecto da atividade político-partidária
são os encontros frequentes com o Temer", somou Neves.
O segundo argumento levantado nas peças enviadas ao Senado, STF
e PGR para afastar Gilmar é a sua atuação em casos nos quais o ministro deveria
se declarar suspeito ou impedido de julgar, mas não o fez. Além do amplamente
divulgado caso do empresário Eike Batista, que não foi sequer arrolado pelos
constitucionalistas, outros mais graves indicam o crime de responsabilidade.
Explicou que ainda que a esposa de Gilmar, Guiomar Mendes,
trabalha no escritório Sergio Bermudes, do advogado do empresário Eike Batista,
o caso específico não tinha atuação do mesmo advogado. Por outro lado, outros
casos conflitam o novo Código do Processo Civil, de que o ministro não pode
julgar quando a parte seja cliente do escritório de seu cônjuge.
"Há dois casos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que
o advogado Guilherme Pitta, que é do escritório da esposa do ministro, atuou em
dois processos em recursos aceitos por Gilmar, que foi o relator do caso.
Gilmar era objetivamente impedido. E o juiz que é impedido ou suspeito para
julgar e julga, apesar disso, está desrespeitando a lei de impeachment,
praticando crime de responsabilidade", completou Marcelo.
O terceiro fator diz respeito à postura do ministro,
"incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo". O constitucionalista
admite que a caracterização insere-se em "termos vagos", mas que,
ainda assim, tanto a Lei da
Magistratura, quanto o Código de Ética da Magistratura delibera
sobre os limites de atuação de um juiz.
"Um dos aspectos fundamentais é tratar com humanidade,
tratar de forma polida as partes, os colegas, os membros do Ministério Público,
as instituições da República. Qualquer forma de ataque, agressão às
Instituições e às pessoas envolvidas no processo é vedada.
"E ele fere, chama o colega Marco Aurélio [ministro do STF]
de 'velhaco', por uma decisão. Também é incompatível com a dignidade do decoro
e a dignidade do cargo criticar, fora dos autos, os processos dos colegas. Ele
não só critica, ele agride os ministros, os membros do MP, agride o Tribunal
Superior Eleitoral, dizendo que é 'um laboratório do Partido dos
Trabalhadores', agride a PGR e seus membros, imputando a eles crimes. Tudo isso
foge a qualquer razoabilidade para um magistrado. Qualquer magistrado que
fizesse um centésimo do que o Gilmar já fez, principalmente neste último
período, ele já estaria fora da magistratura", lembrou.
Com base nesses argumentos, o ex-procurador-geral da República
Cláudio Fonteles e o professor da UNB entraram com um novo pedido de
impeachment ao Senado. O primeiro foi arquivado pelo então presidente da Casa,
Renan Calheiros (PMDB-AL), no último ano. Agora, os constitucionalistas
acreditam ter sustentações suficientes não apenas para a peça no Congresso,
como também junto à PGR e no próprio Supremo.
Na última instância, foi dirigida uma reclamação disciplinar
que, em tese, deveria ser encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Entretanto, o CNJ não pode julgar membros do STF, uma vez que está subordinado
à Corte. A falta de regulamentações para fiscalizar um ministro da Suprema
Corte foi um dos empecilhos aos autores dos pedidos, que tentaram contornar a
situação: "Não havendo um órgão para julgar por falta disciplinar o
ministro do STF, nós entendemos que o Supremo tem que decidir isso."
Junto à Procuradoria-Geral da República o pedido foi específico:
para que o MPF também considere Gilmar Mendes coautor das acusações que recaem
contra Aécio Neves, uma vez que a conversa grampeada integra os autos da
denúncia contra o senador como prática de obstrução à Justiça.
"O procurador-geral da República, Janot, quando denunciou
Aécio por corrupção passiva e por obstrução à Justiça, incluiu como objeto dos
fatos que deram razão para a denúncia a ligação com o Gilmar. Se ele Aécio foi
também denunciado por esse fato, não seria Gilmar um coautor? O princípio da
coautoria", explicou Marcelo Neves.
Ao contrário do que ocorreu em setembro de 2016, quando Renan
arquivou os primeiros pedidos de impeachment protocolados contra Gilmar, desta
vez, o receio dos autores é de que as peças, tanto no Senado, quanto no STF,
sejam proteladas e simplesmente não analisadas. Isso porque o presidente da
Casa Legislativa não poderá repetir a atuação monocrática de Renan, já que
compete à Mesa do Senado receber o pedido de denúncia e, se assim decidir,
arquivar.
Por outro lado, caso qualquer uma das três instituições - seja o
Ministério Público, o Supremo ou o Senado - acatar os argumentos de Marcelo
Neves, Cláudio Fonteles e outras 29 assinaturas, Gilmar será afastado.
"Se for aceita a denúncia [no Senado], condenado por crime
de responsabilidade, ele é destituído do cargo e perde também o direito de
exercer funções públicas. Se for pelo Supremo, que é puramente disciplinar, não
é judicial, ele vai tem uma aposentadoria compulsória com proventos
proporcionais. Se for pelo crime comum, ele também perde o cargo, pela
gravidade do crime", explicou o professor da UNB.