Ernesto Samper, na entrevista
concedida no Instituto Lula, ao lado de Luiz Dulci
Ernesto Samper foi presidente da Colômbia e secretário-geral
da Unasul — a União das Nações Sul-Americanas. Hoje, um dia antes de visitar
Lula na prisão em Curitiba, ele esteve em São Paulo, onde deu entrevista
coletiva para falar sobre o caso Lula e suas implicações no continente, ao lado
do ex-ministro Luiz Dulci.
“Não há um único dos princípios universais do devido processo
legal que não tenha sido violado no caso do ex-presidente Lula”, disse.
A posição de Samper sobre o processo de violência
institucional no Brasil já era conhecida desde 2017, quando deixou a secretaria-geral
da Unasul depois de não conseguir formar uma comissão para investigar o “golpe
branco” no país.
Na ocasião, não conseguiu também aprovar uma medida que
denunciava o afastamento de Dilma como “ruptura democrática”.
Para ele, o golpe branco em Dilma e a prisão de Lula são duas
faces da mesma moeda: o avanço da direita no continente através da atuação de
juízes, em aliança com grandes grupos de comunicação.
“São atores políticos, que estão fazendo política sem
responsabilidades políticas. Suplantaram partidos políticos em aliança com
grandes grupos empresariais de comunicação. Estou falando de juízes e
promotores que são apoiados midiaticamente e também por organizações
internacionais que intervêm em nossos assuntos internos”, assinalou.
Há dois meses, Samper publicou um artigo para apontar nove
violações do devido processo legal contra o ex-presidente: acusações sem prova,
provas obtidas ilegalmente, violação do princípio da presunção de inocência,
ausência de um juiz natural, parcialidade do magistrado, violação da
intimidade, constrangimento, enquadramento em leis que não existiam e prisão
antes de esgotados todos os recursos.
“Não há nenhuma prova que o condene. Não apareceu a prova
cabal que estavam buscando os seus inimigos. Creio que o que eles estão
buscando não é uma sentença justa, mas uma vitória política”, declarou Samper,
que é advogado.
Ressaltou, entretanto, que Lula não está sozinho. Segundo
ele, a comunidade internacional tem clareza de que o processo contra Lula não é
justo.
Samper fez elogios à liderança de Lula no continente e
lembrou do dia em que o conheceu, quando Lula ainda era presidente. Primeiro,
falou José Mujica, então presidente do Uruguai, muito aplaudido. Depois Lula.
Samper ficou impressionado com o carisma de Lula. Seu
discurso foi em português, poucos entenderam, mas a forma como o ex-presidente
brasileiro fez as colocações emocionou a todos. “É uma energia que
impressiona”, disse.
O ex-secretário-geral da Unasul destacou a habilidade de Lula
para construir consensos e a falta que ele faz no processo de construção da
unidade sul-americana.
O futuro da Unasul — esvaziada neste momento — depende do resultado
das próximas eleições no Brasil.
“Se Lula ganhar as eleições no Brasil, a Unasul tem futuro.
Não há outra pessoa que possa convocar um consenso neste momento senão Lula.
Ele é muito poderoso, tanto na esquerda quanto na direita. É como um transatlântico”,
disse.
A Unasul se esvazia num momento em que o continente mais
precisa dela. Citou a tensão existente entre Colômbia e Venezuela e a
possibilidade do conflito ser usado como pretexto para uma interferência dos
Estados Unidos na América do Sul.
Relacionou a entrada na Colômbia na OTAN, organização que
nasceu durante a guerra fria, como parte desse processo de interferência.
A tensão entre os dois países aumentou tanto que colocou o
continente sob o risco de um confronto armado.
Seria uma possível uma guerra?
Samper ouviu a pergunta, deu um leve sorriso e disse:
“Estamos no país do realismo fantástico. Tudo pode
acontecer”, alertou o ex-presidente.
Ele se referia a Colômbia, terra de Gabriel García Marquez,
que com sua obra possibilitou ao mundo conhecer o realismo fantástico.
Mas poderia muito bem estar falando do Brasil e do processo
contra Lula.
Do DCM