Foto: Reprodução Facebook/Embraer
O Ministério Público do Trabalho se manifestou nesta
segunda-feira (14) em nota sobre a decisão da Presidência da República em não
exercer o poder de veto (Golden Share) na negociação da Boeing com a Embraer.
A alegação da governo foi que a proposta apresentada pelas
duas empresas preserva a soberania e os interesses nacionais, mas os
procuradores argumentam que o contrato firmado entre as duas companhias não
inclui mecanismos para preservar a planta de produção de aeronaves comerciais
no Brasil e a preservação de empregos e, ainda, que ambas se recusaram a
assinar um acordo proposto pelo próprio MPT que previa as referidas garantias.
"A Boeing justificou-se afirmando que 'Limitações do
tipo que provavelmente seriam incluídas em um TAC [termo de ajuste de conduta]
poderiam afetar a habilidade dessa nova entidade de lidar com este ciclo
natural, assim como a habilidade de a nova entidade enfrentar a realidade do
mercado'. Ou seja, Boeing já antevê a possibilidade de transferência da
atividade produtiva para fora do país", reforçam os procuradores do
Trabalho.
O MPT arremata que a cautela da Boeing em não acatar o
pedido, de incluir as medidas de proteção aos interesses nacionais, "está
em sintonia com o memorando de entendimentos firmado entre as empresas sobre a
possibilidade de transferência das operações da sede para o exterior".
Em setembro, um memorando acertado em sigilo entre as duas
companhias previa o controle total da nova joint venture pela norte-americana.
O documento veio à luz após o procurador do Trabalho Rafael de Araújo Gomes
determinar em despacho a quebra de sigilo.
Com a decisão, ficou exposto que a Boeing teria o controle
total operacional da nova empresa, chamada no memorando de NewCo. A joint
venture teria um conselho administrativo, cujos membros seriam indicados pela
Boeing e gerenciada por uma diretoria indicada por esse conselho. À Embraer
caberia a indicação de apenas um membro como observador (sem direito ao voto).
O procurador revelou, ainda, que "o principal objetivo
da Embraer em deter a participação societária da NewCo seria o de receber
dividendos". Em suma, a brasileira não teria controle da joint venture e
de suas operações ou negócios.
Isso explica porque, na última sexta-feira (11), a agência de
classificação de risco Standard & Poor's colocou a Embraer - atualmente em
BBB - em observação para possível rebaixamento, um dia após aprovação da
proposta apresentada pelas empresas ao Governo, "evidenciando a fragilidade
da Embraer em razão da venda de seu segmento mais lucrativo", arremata o
MPT na nota de hoje.
Na quinta-feira (10), o governo Bolsonaro aprovou a parceria
entre as duas empresas, o que significa da liberdade para assinarem o acordo
que vinha sendo tratado desde o início do ano passado, e que irá transferir o
segmento da aviação comercial da companhia brasileira para uma nova empresa. Na
joint venture, a Boeing terá participação majoritária (80%) e a Embraer
minoritária (20%).
O acordo inclui, ainda, a criação de uma segunda empresa para
produzir o KC-390, onde a Embraer irá deter 51% da sociedade e a Boeing os 49%
restantes.
Em outubro, uma reportagem publicada no Jornal Valor
mencionava as tratativas entre as duas empresas de transferir a montagem de uma
linha do cargueiro militar para os Estados Unidos.
Na nota divulgada nesta segunda, o MPT destaca que encaminhou
ao Governo um "robusto documento com subsídios para análise do acordo
apresentado pelas empresas", completando:
"Considerando que a União terá ainda outra oportunidade
para utilizar a Golden Share na assembleia de acionistas que deverá ser
convocada para aprovar, ou não, a operação, o Ministério Público do Trabalho
espera que os fatores de elevado risco aos interesses nacionais sejam até lá melhor
analisados pelo Governo Federal".
O MPT destaca que não é contra a criação de joint ventures,
apenas exige que as companhias incluam no contrato garantias jurídicas e
efetivas que protejam a soberania nacional para a manutenção da planta de produção
de aeronaves e empregos no Brasil.
Os procuradores do Trabalho calculam que, se isso não for
feito, 26 mil empregos no país estarão em risco.
A seguir, a nota na íntegra.
NOTA DO MPT À IMPRENSA
Em nota, a Presidência da República informou que não pretende
exercer o poder de veto (Golden Share) na negociação da Boeing com a Embraer,
alegando que a proposta apresentada preservaria a soberania e os interesses
nacionais.
Considerando os possíveis e prováveis desdobramentos da
negociação para a economia da região de São José dos Campos – SP, e para as
famílias de 26 mil trabalhadores brasileiros que dependem, direta ou
indiretamente, do setor, o Ministério Público do Trabalho vem através da presente
nota externar a preocupação com a ausência de garantias jurídicas reais de
preservação dos postos de trabalho e ao estímulo ao emprego de qualidade no
Brasil.
A experiência dos mercados e do setor recomenda a exigência
de garantias efetivas para a afirmação empresarial de que manteria a produção
no Brasil das aeronaves já desenvolvidas, bem como os atuais empregos. O
documento divulgado não menciona qualquer sanção ou consequência em caso de
descumprimento.
A preocupação não é vã. As empresas recusaram assinar o
acordo proposto pelo MPT que prevê as referidas garantias (Inquérito Civil
000353.2018.15.002/0). A Boeing justificou-se afirmando que “Limitações do tipo
que provavelmente seriam incluídas em um TAC poderiam afetar a habilidade dessa
nova entidade de lidar com este ciclo natural, assim como a habilidade de a
nova entidade enfrentar a realidade do mercado”. Ou seja, Boeing já antevê a
possibilidade de transferência da atividade produtiva para fora do país.
A cautela da Boeing está em sintonia com o memorando de
entendimentos firmado entre as empresas sobre a possibilidade de transferência
das operações da sede para o exterior.
Também confirma a preocupação com o segmento a avaliação da
agência de classificação de risco Standard & Poor´s (S&P) que incluiu o
rating da Embraer em observação para possível rebaixamento após aprovação da
proposta apresentada pelas empresas ao Governo, evidenciando a fragilização da
Embraer em razão da venda de seu segmento mais lucrativo.
O elevado risco de extinção de dezenas de milhares de
empregos levou o MPT a encaminhar ao novo Governo documentos que sugerem que a
Boeing não possui interesse em manter a atividade econômica de montagem de
aeronaves no Brasil. Trata-se de robusto documento com subsídios para análise
do acordo apresentado pelas empresas.
Considerando que a União terá ainda outra oportunidade para
utilizar a Golden Share na assembleia de acionistas que deverá ser convocada
para aprovar, ou não, a operação, o Ministério Público do Trabalho espera que
os fatores de elevado risco aos interesses nacionais sejam até lá melhor
analisados pelo Governo Federal, a fim de que se exija, soberanamente, a
prestação de garantias jurídicas efetivas e concretas de que a atividade
industrial e a geração de tecnologia não deixarão o país.
GGN