O
sistema político está colapsado; sua implosão é parte da estratégia da
força-tarefa da Lava Jato. A política não está sendo dirigida pela própria
política, no sentido abrangente do termo, porque não está sendo deliberada no
âmbito da democracia, da eleição e da representação.
A
política está sendo decidida pelos sem-voto; por aqueles não-investidos de
mandato popular ou de representação partidária. A democracia representativa, já
debilitada pela corrupção e pela ilegitimidade de um Congresso apodrecido, está
com seu funcionamento perigosamente mais comprometido pelo hiper-ativismo
jurídico na política.
Não
se trata somente da judicialização da política; que é, em si mesmo, uma grave
anomalia democrática; mas da preponderância nociva das corporações jurídicas
sobre a política. Entenda-se por corporações jurídicasesferas do Judiciário, o
Ministério Público e a Polícia Federal [a polícia judiciária federal].
Os
expoentes destas corporações altamente partidarizadas – Moro, Dalagnoll, Janot,
Gilmar, juízes, procuradores e delegados da PF – todos com marcado viés
ideológico, afrontam o Legislativo e disputam com os políticos, parlamentares e
governantes, a primazia na arena política.
A
mobilização fanático-religiosa em defesa das dez medidas de combate à corrupção
e o combate histérico ao projeto de lei que pune o crime de abuso de
autoridade, são exemplos das investidas recentes das corporações jurídicas
contra o sistema político. A convivência íntima, normalmente dominical, do juiz
Gilmar Mendes com seu réu Michel Temer no Palácio do Jaburu, é a expressão
escancarada da dominância do judicial sobre o político – Gilmar saiu de todos
os encontros com mais poder e maior influência na arena política.
O
ativismo político de juízes, procuradores e delegados da PF é proibido pela
Constituição e pelas Leis do Brasil. O poder político exercido pelos atores das
corporações jurídicas não se origina de mandato constitucional; mas é um poder
usurpado, originado na intimidação e no medo; um poder fundado na autoridade
ameaçadora da condenação e do castigo que é intrínseca à função judicial.
A
associação das corporações jurídicas com a Rede Globo instaurou esta verdadeira
ditadura jurídico-midiática que confere legitimidade ao golpe de Estado e ao
regime de exceção com o sofisma do “funcionamento normal das instituições”
[sic].
A
Lava Jato, quando surgiu, aparentou ser uma Operação determinada a atacar a
raiz da corrupção do sistema. Com o passar do tempo, todavia, ficou evidente a
manipulação do seu escopo. Hoje, não restam dúvidas de que a Operação é uma
estratégia de poder para viabilizar um projeto anti-popular e anti-nacional que
coesiona os interesses dos grandes capitais nacionais e estrangeiros.
A
Lava Jato, inspirada na Operação Mãos Limpas da Itália dos anos 1990, está em
busca do seu Sílvio Berlusconi; procura o outsider, o “gestor não-político,
puro e limpo” para governar o Brasil depois da devastação moralista que
promove. As apostas para o posto, por enquanto, se concentram no prefeito
paulistano [e proto-fascista] João Dória.
A
popularidade do ex-presidente Lula atrapalha o plano. Lula lidera com folga
todas as pesquisas eleitorais, vence em qualquer cenário. Ele é, dentro do
sistema político, além de eleitoralmente viável, o único com estatura política
e moral para comandar a reconstrução econômico-social do Brasil e a restauração
democrática do país.
Esse
é o impasse do golpe: ou cancela a eleição presidencial de 2018 para impedir a
vitória do Lula; ou, então, consegue impedir a candidatura Lula e, neste caso,
mantém a eleição. A segunda hipótese parece ser a escolhida pela classe
dominante – que, para lográ-la, tem de atender dois requisitos.
O
primeiro requisito é a condenação do Lula na Lava Jato nos próximos meses.
Ajuda decisiva para isso veio da família Odebrecht, que mudou radicalmente sua
estratégia de defesa e trocou o discurso dos últimos três anos, de total
inocência e isenção do Lula, pelo da acusação e incriminação do ex-presidente que
mais contribuiu para a expansão do conglomerado.
A
inflexão judicial da Odebrecht, neste sentido, pode ser sinal de um grande
consenso pelo alto; de um pacto para a continuidade e o aprofundamento do golpe
e das medidas anti-populares e anti-nacionais.
Neste
pacto por cima, a Lava Jato dobrou a Odebrecht. As corporações jurídicas
eliminaram um competidor de peso; um competidor que age como um verdadeiro
Estado paralelo do capital dentro do Estado de Direito.
O
segundo requisito é deixar o moribundo Temer no cargo até o final do mandato,
sobrevivendo com o auxílio de aparelhos e sendo manietado como um títere. Qual
a razão, do ponto de vista racional, qual a justificativa para se preservar a
cleptocracia com 60% dos ministros implicados em corrupção, além do próprio
chefe do bando, e responsável pela maior recessão da história do país? Talvez
porque manter Temer até o fim seja preferível a ter de alterar a rota do golpe
sem deter o controle total da manobra.
De
acordo com a regra vigente, se Temer for afastado, o Congresso escolhe o
sucessor para terminar o mandato. A eleição indireta, por parlamentares
corruptos e ilegítimos, é indesejável, porque pode aprofundar a crise e
radicalizar o conflito social.
Por
outro lado, uma emenda à Constituição para antecipar a eleição direta não
poderia ser aprovada sem que, antes, Lula fosse condenado pelo Moro e, assim,
ficasse impedido de disputar o pleito. A condenação do Lula, por outro lado,
poderá significar o fim do governo Temer, que então deixará de ser um estorvo
para a eleição antecipada para escolher, entre os sem-carimbo da Lava Jato na
testa, o próximo cônsul dos EUA no Brasil.
Por
detrás do noticiário dos últimos dias, que entorpece com os vídeos das delações
da Odebrecht, se escondem algumas pistas sobre os próximos passos do golpe. A
condenação do Lula e a manutenção do Temer são duas variáveis relevantes da
estratégia dos sem-voto.
Esses
são tempos difíceis e complexos; são tempos de caos e de perigosa confusão
institucional. Quando a política cede lugar a quem não tem legitimidade, a
democracia fica ameaçada de morte.
Do
GGN, por Jeferson Miola