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quarta-feira, 10 de julho de 2019

PAULO HENRIQUE AMORIM, UM JORNALISTA DE CORAGEM, POR LUIS NASSIF

Tornou-se um campeão do Youtube, graças à sua enorme capacidade de identificar um tema, mirar no detalhe ridículo que ninguém percebia, e fuzilar com a pontaria dos grandes polemistas.
Conheci Paulo Henrique Amorim em minha ida para a Editoria de Economia da Veja, em 1974, em uma oportunidade aberta por Paulo Totti, que era chefe de reportagem.
Ao lado de Elio Gaspari e Marcos Sá Correa, Paulo Henrique formava o trio dos jovens jornalistas cariocas, importados para a Veja e com curso superior. Se não me engano, ele era formado em Ciências Sociais.
Assumiu o cargo de Editor de Economia ao lado do inesquecível Emilio Matsumoto. Sua estreia em São Paulo havia sido pouco antes, convidado por Luiz Fernando Mercadante para trabalhar na revista Realidade. Ali, já deixara sua marca mais conhecida, um feroz espírito de competição que o impulsionava atrás de notícias.
Jovem ainda, tornou-se influente junto à área econômica do governo.
Sua carreira prosseguiu fora da Veja. Primeiro, foi escalado para dirigir a revista Exame, que fazia parte de um pacote de revistas técnicas que a Abril adquirira.
Depois, mudou-se para o Jornal do Brasil. Ali experimentou sua fase mais brilhante de jornalista, como titular da coluna Informe Econômico.
Na nova função, passou a revelar uma de suas características mais marcantes, de cunhar expressões que se tornariam motes, a exemplo de Elio Gaspari, e provavelmente inspirado no jornalismo de guerra da velha Rio de Janeiro de Gondim da Fonseca e outros. A expressão “raposa felpuda” tornou-se sua marca, além da incomparável capacidade de valorizar, pela manchete ou pelo lide, as informações mais prosaicas.
De lá foi para a TV Globo, onde também se consagrou pelos furos e pelos motes, como editor de Economia e comentarista. Não me lembro perfeitamente da maneira como anunciava informações exclusivas de Brasília. Mas fazia o telespectador participar do clima de cumplicidade, como se ele estivesse junto com Paulo Henrique em um local misterioso, arrancando informações da fonte. Competitivo, mantinha uma disputa surda com o comentarista oficial Joelmir Betting.
Era cioso de sua idade. Quando recebi um convite da Globo para ser comentarista, e foi marcado um almoço no Rio, Paulo me ligou e, na conversa, sugeriu delicadamente que eu não dissesse que havia sido seu foca na Veja. Acabei desistindo do convite e do almoço.
De lá saiu para dirigir o escritório da Globo em Nova York. Não sei as razões de sua saída. Logo foi contratado pela TV Bandeirantes para a vaga de âncora do Jornal da Band. Pouco antes, o velho João Saad me havia convidado para assumir a função. Enrolado com minha empresa, e percebendo a resistência de Johnny Saad, recusei.
Saindo da Globo, de imediato foi contratado pela UOL para apresentar um programa que ficava exposto permanentemente na home do portal. Ali, mais uma vez se revelou o pauteiro primoroso, identificando os melhores temas pela manha, conseguindo entrevistas por telefone e apresentando no programa que, se não me engano, ir ao ar ao meio dia.
De lá saiu se não me engano para o iG. Foi lá que voltamos a nos cruzar, nas guerras com Daniel Dantas.
Voltamos a nos cruzar em 2010, na campanha eleitoral, em uma frente informal contra o risco José Serra. Tinha restrições ao seu estilo, e ele devia ter ao meu. Mas foi uma guerra inclemente, em que era atacado por todos os lados.
Do lado de Serra, a pecha de chapa branca. Do lado do PT, Tereza Cruvinel me afastando da TV Brasil, suspendendo o pagamento até que aceitasse a mudança no contrato, entregando todos os programas até julho, para então encerrar o contrato. Que só foi refeito depois que Serra perdeu.
Éramos meia dúzia de blogs, cuja única afinidade era a resistência contra o perigo Serra. Acordava toda manhã sentindo o peso do mundo, e o que nos animava reciprocamente era a resistência para a luta, particularmente de Paulo Henrique.
E essa garra e coragem ele não perdeu, mesmo nos momentos mais críticos. Aliás, quanto mais crítico o momento, maior a sua coragem.
Nos últimos anos, seu estilo jornalístico encontrou o ambiente mais propício, os vídeos do Youtube. Tornou-se um campeão do Youtube, graças à sua enorme capacidade de identificar um tema, mirar no detalhe ridículo que ninguém percebia, e fuzilar com a pontaria dos grandes polemistas.
Deixa um legado de coragem.
Vanio Coelho. Conheci PHA na redação de FATOS & FOTOS. Tinha vindo de Brasília com um curso inacabado (acho que era cinema) com Hedyl Valle Junior (que depois iria para esportes da Globo) e Nilo Martins (irmão de Franklin Martins). Era irrequieto mas sobretudo criativo. Também era gordo, peso físico que perderia ao se firmar como ancora de TV. O jornalismo crítico perde um baluarte.
Do GGN

segunda-feira, 8 de julho de 2019

FACHIN CONDENA OS MÉTODOS DA LAVA JATO E DEFENDE UM STF CONTRA A IRRACIONALIDADE, POR LUIS NASSIF

Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato. Mas demonstra que a frente inquisitorial, da qual Fachin era um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, se desfez.
Em discurso proferido no Tribunal Regional eleitoral do Paraná, o Ministro Luiz Robert Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou de forma eloquentes os processos judiciais baseados na convicção e no ódio. Defendeu os Tribunais Eleitorais, como aqueles capazes de julgar sem a polarização e o ódio que marcaram outros processos.
Alertou que os juízes julgam e também são julgados. Em uma possível alusão aos abusos do governo Bolsonaro, exortou todos a enfrentarem a falta de limites e as interpretações descabidas para que o país possa voltar a se encontrar na diversidade, na compreensão.
Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato nem devolve a fé no seu caráter. É relevante por demonstrar que a frente inquisitorial, da qual Fachin é um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, está se desfazendo por parte de quem sempre colocou a oportunidade à frente dos princípios.
Fachin voltou a ser o Fachin que a opinião pública achava que era, antes de assumir o STF. Mas terá que conferir na prática. As dúvidas sobre seu comportamento sao maiores que a conversão recente.
Do GGN

quarta-feira, 3 de julho de 2019

A MÍDIA E A MALDIÇÃO DA LAVA JATO, POR LUIS NASSIF

Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas.
Primeiro, incutiram o ódio. Foram anos e anos de campanha negativa, criminalizando todos os atos, criando versões conspiratórias de todas as políticas.
Depois, trataram de jogar a autoestima brasileira no seu nível mais baixo, naquele que deveria ser o momento mais alto de celebração nacional, uma Copa do Mundo.
Antes disso, tinham levado a disputa política para outro campo, o da Justiça, embriagando o Ministério Público com o porre da celebrização, transformando jovens imaturos em heróis nacionais, entregando o poder a um juiz ambicioso, inescrupuloso até a medula, e pressionando um Supremo temeroso a ponto de esquecer de suas obrigações constitucionais.
Depois, convocaram as multidões para as ruas, bradando discursos de ódio. Cometeram, contra si próprios, a pior das autoimolações: desacreditaram a essência do seu trabalho, as informações, os conceitos, os pactos que regem sociedades civilizadas, a própria Constituição e as leis, valores que legitimavam sua missão em ambientes democráticos.
Apelaram para fakenewssem fim, as invasões das FARCs, os dólares em garrafas de rum, os lobistas com narrativas improváveis. Aliaram-se a organizações criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira, montaram parcerias com grampeadores e procuradores inescrupulosos. E recorreram ao jogo recorrente de manipulação da informação, juntando informações verdadeiras – o vasto e histórico esquema de corrupção política que existia -, como âncora para toda sorte de teorias conspiratórias e de ataques seletivos aos adversários. Ao usar a corrupção como instrumento político seletivo, foram corruptos, e eles sabem disso. Esse é o drama.
E os céus amaldiçoaram a mídia e os que implantaram o terror, o ódio fratricida e abriram as jaulas para a selvageria, julgando que, com o chicote e as cenouras, com os quais influenciavam o país institucional, manteriam o país selvagem sob controle.
Os bárbaros ajudaram a trucidar o governo deposto e não mais pararam. Primeiro, tomaram da mídia o controle sobre as informações, com suas redes de WhatsApps, e estratégias de viralização montadas por consultores internacionais, muito mais eficientes.
Criaram seu próprio público, cortando o cordão umbilical com a mídia, se apropriando do discurso de ódio com muito mais propriedade do que a geração inicial de cronistas do ódio, uma mescla de cronistas culturais, novos e velhos jornalistas tentando se reciclar, atendendo à demanda da mídia, visando atrair e instrumentalizar o sentimento de ultradireita que emergia globalmente. Com todas as regras civilizatórias e sociais revogadas, os almofadinhas da mídia, que fingiam falar duro, os cronistas-ternura que ocuparam a demanda por discursos de ódio foram rapidamente destronados por bestas-feras autênticos, daqueles que coçam o saco, arrotam em público, batem em velhinhas vestidas de vermelho.
Finalmente, os hunos conquistaram o poder político, elegendo um capitão da reserva, deputado baixo clero, com vinculações claras com as milícias e um ódio visceral à mídia. Só aí caiu a ficha da mídia, de que seu poder derivava diretamente da democracia, do respeito às regras do jogo, da credibilidade das informações e, especialmente, das narrativas. Ao colocar em xeque as instituições, expunha-se a si própria a qualquer autoritário de plantão. E, especialmente, perdia o controle para outros praticantes de fakenews e de teorias conspiratórias, desses que acreditavam que o Jornal Nacional e a Veja eram instrumentos das esquerdas.
Ali, rompeu-se o pacto com Satanás e o jornalismo tentou o duro regresso, a recuperação dos valores jornalísticos, a defesa, ainda que tímida, de bandeiras legitimadoras. Colunistas foram liberados, então, para criticar Bolsonaro e se concentrar na defesa de temas sociais, de meio ambiente, retomando a crítica à ditadura, mas poupando a Lava Jato. Os jovens jornalistas foram apresentados a uma biografia repaginada dos seus ídolos, da qual foi apagada não a história passada, mas a história recentíssima. E poupando a Lava Jato.
Mas o passado recente sempre voltava para atormentar e ele atendia pelo nome de Sérgio Moro e da Lava Jato.
Como justificar, para seu público, que tudo não passou de uma enorme armação, na qual a bandeira legítima do combate à corrupção serviu de escada para golpes políticos, onde o prêmio final foi o cargo de Ministro da Justiça conferido ao campeão da moralidade?
Teve início, então, um malabarismo de Houdini: criticar Bolsonaro e poupar Moro, como se ambos não fossem da mesma natureza, disputando o mesmo projeto de poder autoritário.
Não escaparam da maldição que acompanha todos os que brincam com a democracia. Arrumaram álibis para a nomeação do seu campeão para Ministro da Justiça. Ele seria a âncora de racionalidade do governo, o que não permitiria que o arbítrio se fizesse ao largo das leis.
Calaram-se quando o campeão passou a aceitar todas as irracionalidades do seu padrinho presidente, em uma subserviência chocante, especialmente se confrontada com o estilo anterior, do juiz implacável, inclemente, que executava adversários feridos no campo de batalha.
Depois, quando alvo de ataques, o campeão se encaixou debaixo da asa protetora do seu presidente, que o exibiu como um troféu em jogos de futebol, mostrando que, agora, ele havia se tornado o avalista da âncora. E ainda balbuciou palavras de agradecimento à confiança, não da opinião pública, não da mídia, mas a confiança que lhe foi depositada por Bolsonaro. E se agarrou ao que imaginou ser sua boia de salvação, as manifestações de rua, que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
Agora, a mídia entra na sua escolha de Sofia. Sérgio Moro é acometido pela síndrome do escorpião e atravessa o Rubicão, valendo-se do COAF para retaliar o jornalista que divulga suas falas. É o mais grave atentado à liberdade da imprensa desde a redemocratização, porque se valendo do poder de Estado, do comando da Polícia Federal, para interromper a divulgação de notícias de interesse público. E eles sabem disso. Pior: eles sabem que os leitores também sabem disso.
E agora? O Globo esconde a informação, o Estadão esconde, a Folha caminha sozinha para recuperar a aura das diretas, perdida nos últimos anos.
Em parceria com a Globo, a Lava Jato tenta de todas as maneiras criar uma contra narrativa. Desenterra as delações de Palocci,  sustentando que Lula era o comandante, tudo isso depois do The Intercept revelar como eram feitas as salsichas das delações premiadas.
A reconstrução da mística jornalística ficará pela metade. Os jovens repórteres, inebriados com congressos em que os colegas mais velhos discorrem sobre as virtudes do jornalismo, apagando uma história de infâmia muito recente para ser esquecida, não terão nem o consolo da hipocrisia para manter a chama acesa.
Esta é a maldição final, terrível, dolorosa, o desafio final a ser enfrentado pela mídia. Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas. E o país está coalhado de inimigos, à esquerda, mas, principalmente, à direita, esperando o primeiro sinal de fraqueza para avançar. 
Do GGN

sábado, 27 de abril de 2019

“BRASIL GOVERNADO POR LOUCOS” É MANCHETE PELO MUNDO

Jornais da Europa, América Latina e Estados Unidos destacam a entrevista de Lula como preso político, com destaque para luta para desmascarar Moro e Lava Jato e a submissão de Bolsonaro a Trump.
Foto: Reprodução do noticiário, montagem da RBA
A imprensa internacional repercutiu a primeira entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como preso político, concedida na sexta-feira (26) aos jornais Folha de S.Paulo e El Pais, destacando a afirmação de Lula de que o Brasil passou a ser governado “por um bando de lunáticos” e de que vai lutar para mostrar ao povo brasileiro e ao mundo as armações de Sergio Moro para incriminá-lo e tirá-lo da disputa eleitoral.
O principal jornal da França, o Le Figaro, ressaltou a “obsessão” de Lula, a quem chama de ícone da esquerda, de provar sua inocência, ainda que custe a própria liberdade. “Eu quero sair daqui com a cabeça erguida, como entrei: inocente. Muitas pessoas pensaram que eu teria que fugir, sair do Brasil ou me refugiar em uma embaixada. Mas eu decidi que o meu lugar era aqui. Posso ficar na prisão por cem anos, mas não vou trocar minha dignidade pela minha liberdade”, relatou o jornal.
O britânico The Guardian deu destaque a Lula ter classificado os membros do governo Bolsonaro de “lacaios dos Estados Unidos”, e reproduziu uma de suas falas sobre o tema “Nunca vi um presidente saudar a bandeira americana. Nunca vi um presidente sair dizendo ‘Eu amo os Estados Unidos. Você deve amar sua mãe, você deve amar o seu país. O que é isso de amar os Estados Unidos? Alguém acha mesmo que os Estados Unidos vão favorecer o Brasil?”, cita o The Guardian.
canal de notícias americano Fox News, citando reportagem da agência Associated Press, também escolheu ressaltar que Lula quer provar sua inocência das condenações que recebeu por conta das irregularidades cometidas pela força-tarefa da Lava Jato. “Estou obcecado em desmascarar o juiz Moro e aqueles que me sentenciaram. Quero expor a farsa montada no Departamento de Justiça dos Estados Unidos.”
A agência russa Sputnik relatou a comparação de Lula, durante a entrevista, do tratamento que a imprensa brasileira dá a ele e a Bolsonaro “Imagina se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha família”, destacou o site – além de o próprio Bolsonaro residir no mesmo condomínio de um dos acusados pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol-RJ), o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, homenageou e empregou familiares de um miliciano, quando era deputado estadual no Rio
O argentino Página 12 citou a passagem da entrevista em que Lula afirma a “maluquice” que chegou ao governo brasileiro. “Vamos fazer uma autocrítica geral nesse país. O que não pode é o Brasil estar governado por esse bando de malucos. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece isso”, escreveu o jornal.
Na versão em espanhol da entrevista produzida pela filial brasileira, o El País traduziu ressaltou: “Lula está preso, ele quer conversar e sabe que esta entrevista é uma oportunidade para fazê-lo depois de um ano silenciado pela prisão”.
A multiestatal teleSUR lembrou do caminho jurídico que tornou a entrevista possível. “O ex-mandatário fez suas declarações durante a entrevista que foi autorizada no último dia 18 de abril pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, José Antonio Dias Tóffoli, após um processo legal para sua realização”.
Do GGN

domingo, 24 de fevereiro de 2019

SOBRE CHANTAGENS NO STF: COMO BARROSO TORNOU-SE UM MINISTRO VINGADOR, POR LUIS NASSIF

Os ataques eram conduzidos por um blog de Curitiba, que se apresenta como defensor da Lava Jato.
Há pelos menos três anos juntamos um conjunto de indícios que mostram que a mudança inesperada do comportamento de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) poderia estar ligado a chantagens cometidas através das redes sociais.
Os ataques eram conduzidos por um blog de Curitiba, que se apresenta como defensor da Lava Jato. A mudança de comportamento de Barroso ocorreu dias depois do blog republicadecuritiba.net disseminar um conjunto de informações particulares dele, e as notícias serem reproduzidas pelos blogs de Veja, no auge do jornalismo-esgoto praticado pela revista.
A informação de Gilmar Mendes, de que haveria Ministros do STF sendo chantageados, reacende as suspeitas.
Aqui, o Xadrez publicado originalmente em 12/06/2017
Peça 1 – o iluminista e o negro de primeira linha
A intenção era criar um momento de paz, indicar publicamente que as desavenças no Supremo Tribunal Federal se resumiam ao campo jurídico. Daí a ideia de inaugurar dois retratos de ex-presidentes – Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski – e incumbir dois colegas de saudá-los.
Quando se optou por Luís Roberto Barroso para saudar Joaquim Barbosa, ficou no ar a suspeita de que algo poderia dar errado. Barroso é mestre na arte de se auto louvar, permanentemente atrás dos holofotes e do protagonismo, das declarações reiteradas de bom-mocismo. Teria o desprendimento de focar o elogio na celebração de um colega?
Mas, enfim, foi convidado dois dias antes da cerimônia e, portanto – pensavam os anfitriões – com bom tempo para preparar o discurso e retirar eventuais inconveniências.
Mal começou o discurso, um frêmito perpassou os demais Ministros e um frio na espinha acometeu a organizadora do encontro.
Barroso lembrava a primeira vez que conheceu Barbosa, na França.  Ou na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), quando Barbosa prestou concurso e ele, Barroso, já era chefe de departamento. E o grande Gatsby não parou mais. Joaquim Barbosa tornou-se um mero álibi para a pregação salvacionista do vingador, bradando seu patriotismo, sua cruzada em prol da moralidade e da erradicação de toda corrupção.
Vez ou outra, lembrava rapidamente a relatoria de Barbosa na AP 470 e voltava à catilinária inicial, sua intenção de limpar a pátria, acabar com a corrupção, jogando os corruptos no fogo do inferno.
Um Ministro mais sarcástico virou-se para um colega e murmurou:
– O “Iluminista” está impossível!
Referia-se ao apelido que lhe foi pespegado pelo blog, quando seus acessos de humildade fora de série o faziam se declarar um arauto do Iluminismo e um par dos grandes juristas que atuaram na vida política nacional, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e San Thiago Dantas.
Até que o “iluminista” soltou a pérola máxima, saudando Barbosa, “um negro de primeira linha”.
Mal terminou a auto louvação, os repórteres cercaram Joaquim Barbosa perguntando o que achou de ser qualificado como “negro de primeira linha”, uma versão capciosa do “negro de alma branca”. E Barbosa, impassível:
– Sem comentários.
No mesmo instante, portais e blogs, acostumados com as platitudes do ministro “iluminista”, espalharam manchetes de home com a frase que expunha o  dandy deslumbrado e preconceituoso.
Naquele dia, uma transexual fez um discurso histórico no Supremo Tribunal Federal em defesa do direito de identidade, um homossexual assumido enfrentou as verrinas machistas-cafajestes de Gilmar Mendes (https://goo.gl/bwYya6) com a dignidade das grandes figuras jurídicas que hoje escasseiam, sem se intimidar por um minuto com as armas do preconceito.
No Supremo, um negro combativo, polêmico, vencedor, impávido como Mudammad Ali frente a um lutador bailarino e cheio de firulas, apenas olhou duro e deu um jab de direita com o seu “sem comentários”. E o jurista, socialmente preconceituoso, mas, de qualquer modo, responsável por alguns dos avanços morais ocorridos nos últimos anos, escorregou na própria verborragia incontrolável.
No dia seguinte, o “iluminista” subiu ao púlpito do Supremo se desfazendo em lágrimas, se desculpando pela demonstração involuntária de preconceito. Interrompeu várias vezes a penitência com voz embargada.
Peça 2 – os negócios de família
Fiz o preâmbulo não para condenar Barroso por um caso típico de má expressão, mas para expor sua vulnerabilidade, de se desmanchar nas lágrimas da auto-compaixão meramente ante a cobertura da mídia, expondo seu escorregão.
Barroso nunca foi considerado um progressista, na acepção do termo. Mas também nunca foi o juiz vingador, selvagem, o pregador prometendo fuzilar os ímpios com os raios de Poseidon.
Parte do clima persecutório atual, com reputações sendo assassinadas, prisões desnecessárias sendo implementadas, em nome de uma genérica luta contra corrupção, a suspeita espalhando-se por todo o país, os receios com grampos, a derrubada da auto-estima nacional deve-se a ele, o Ministro do Supremo que mais assumiu o papel de vingador.
Se Barroso se desmanchou apenas com as críticas ao seu “negro de primeira linha “, o que ocorreria se a imprensa passasse a explorar os episódios abaixo, se ele se tornasse vítima da mesma sanha macarthista que estimula?
O caso BHS
Trata-se de uma construtora de propriedade de Detta Geertruce Van Brussel Telles, sogra de Barroso, de nome BHS/Beehive.
A construtora é especializada em reformas de prédios, na construção de mansões e tem algumas construções de edifícios.
Com esse histórico, trabalhou para a ICN- Itaguaí Construções Navais braço do  Grupo Odebrecht para o programa PROSUB, do submarino nuclear e para o BTG Pactual.
Detta entrou para a sociedade da empresa em 2012, junto com Sandra Murat.  Atualmente mora em Brasília, na casa onde morava Valdemar Costa Neto, na época do mensalão. A casa pertence a Antonio Carlos Osório Filho, dono da Capital 1, grande tomador de financiamentos da Caixa Econômica Federal.
A offshore em Miami
Tereza Cristina Van Brussel Barroso, sócia e esposa de Luís Roberto Barroso, em 9 de junho de 2014 abriu a offshore Telube Florida LLC em seu nome de solteira. Quem montou a offshore foi um conhecido operador brasileiro em Miami, com problemas na justiça brasileira, de codinome Barbosa Legal.
O imóvel fica na Ilha Key Biscayne, avaliado em US$ 3 milhões e é o sonho de todo brasileiro deslumbrado com Miami.
Com o nome de casada, Tereza é sócia do marido na LRBT Empreendimentos e na Chile 230 Participações.
Além disso, Barroso responde ainda por duas empresas, a Casa da Cultura Jurídica do Rio de Janeiro e o Instituto de Direito do Estado e Ações – Ideias.
Peça 3 – os assassinatos de reputação
Desconsidere as acusações acima. Provavelmente as operações do Ministro e seus familiares estão dentro dos limites flexíveis dos negócios privados. A offshore é apenas uma maneira esperta de defesa contra o fisco, típica do pensamento de Barroso e seu meio social – embora ele costume apresentar como prova da malandragem brasileira a empregada doméstica de um amigo, que não quis o registro para poder acumular os benefícios do Bolsa Família.
Pode causar dúvida o fato da offshore estar no nome de solteira de sua esposa e sócia. Como o fato do pai ser advogado de um processo milionário da Eletronorte.
Mas, provavelmente, se fosse dada a palavra ao Ministro, haveria explicações plausíveis para cada acusação, inclusive a informação se a esposa registrou todos os repasses à offshore no Banco Central. “Acusações”, como o nome do proprietário da casa em que reside a sogra de Barroso, não teriam a menor relevância ou significado.
Essas acusações foram veiculadas por sites de direita – coincidentemente sediados em Curitiba – com algumas informações obtidas diretamente do site da Receita Federal – e repercutidas em blogs da revista Veja, na fase mais expressiva do jornalismo-esgoto da revista e quando Barroso ensaiava alguns voos de independência jurídica.
A intenção política era óbvia. A notícia do site curitibano era encimada por uma foto do Ministro e pelos versos:
“Meu boi Barroso,
Meu boi Pitanga,
O teu lugar
É lá na canga”
Na canga do PT
Como uma pessoa tão frágil, que se desmancha em lágrimas devido às críticas recebidas por uma expressão descuidada, resistiria a uma campanha pesada, da mesma maneira de outras campanhas produzidas pela Lava Jato-mídia-blogs de direita, em que basta juntar registros comerciais, informações da Receita e algumas coincidências, para destruir uma pessoa?
Logo em seguida à divulgação dessas “denúncias”, Barroso votou pela prisão após condenação em segunda instância, tornou-se um templário implacável contra a corrupção e em defesa da flexibilização do estado de direito, o principal alimentador – por seu cargo de Ministro do Supremo – da sanha persecutória que tomou conta do país. O Barroso dos primeiros tempos, contra o clamor das ruas e da mídia, acabou.
Que ele tenha se atemorizado, desculpa-se: a maior ou menor resistência a pressões depende da têmpera de cada indivíduo. E, desde seus tempos de UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Barroso era reconhecido como o advogado brilhante, mas de têmpera frágil. Ministros como Marco Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski e o próprio Gilmar Mendes jamais se atemorizaram com tentativas de assassinato de reputação – ainda que Gilmar por razões distintas.
O que não se perdoa foi a maneira como negociou seu salvo-conduto. A fim de ser poupado dos ataques desqualificadores do macarthismo caboclo, optou por aliar-se aos vingadores, tornando-se seu principal avalista.
A história não o perdoará. E não será por conta do “negro de primeira linha”.
GGN

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

RESISTIR PARA VENCER. PESQUISA IBOPE/DATAFOLHA AGORA É SÓ PROPAGANDA, POR FERNANDO BRITO


Qualquer um percebe que se formou um “todos por Bolsonaro” no país, com a vergonhosa entrega da mídia, do Judiciário e de parte dos políticos convencionais ao favoritismo do candidato fascista.
O Datafolha de hoje segue nessa toada, mas sem conseguir, entretanto, dar ao candidato da direita o empuxo necessário para evitar que a decisão fique para o segundo turno.

domingo, 23 de setembro de 2018

XADREZ DAS TACADAS FINAIS ANTES DO PRIMEIRO TURNO, POR LUIS NASSIF

Indício 1 – a manipulação recorrente na véspera das eleições
Na véspera das eleições de 2014, a revista Veja produziu uma matéria falsa, de capa, com supostas informações de que Lula e Dilma teriam participado dos esquemas de propinas para financiamento de campanha. Foi uma jogada articulada em que, adicionalmente à revista, foram impressas e distribuídas milhões de capas da revista.
Tratava-se claramente de um crime eleitoral. No jantar da posse de Dilma Rousseff, compartilhei uma mesa com o Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Indaguei se não seria tomada nenhuma providência em relação ao vazamento. Dois crimes teriam sido cometidos: o suposto vazamento de uma delação mantido sob sigilo; e a manipulação da declaração.
Janot tirou o corpo, alegando que provavelmente o vazamento foi produzido pelos advogados do réu. E ai? Cometeu crime do mesmo modo. O MPF não iria apurar? O PGR mudou de assunto.
Há um histórico de manipulações midiáticas nas vésperas de cada eleição. Relembrando as mais notórias
Sequestradoras de Abilio Diniz aparecendo nas fotos com camisas do PT, enfiadas neles pela Polícia.
Armação da Lunnus, que acabou com a candidatura presidencial de Roseane Sarney, envolvendo José Serra, procurador da República, delegado da Polícia Federal e Globo.
Episódio dos aloprados nas eleições de São Paulo, envolvendo Polícia Civil, José Serra e Globo e valendo-se do mesmo cenário, de notas arrumadas em pacote servindo de fundo para a gravação.
Bolinha de papel, na encenação grotesca de José Serra, envolvendo Serra e Globo..
Operações com estardalhaço na AP 470 e na Lava Jato, sempre em fases decisivas do período eleitoral, aí mostrando a participação direta do MPF e da PF, e não mais ações isoladas, como a da Lunnus.
Portanto, tem-se um padrão claramente definido, nas eleições brasileiras, possível dentro de um ambiente de cartelização da mídia, de criação de factoides visando interferir indevidamente nas eleições.
Indício 2 – os factoides de 2018
Há dois factoides possivelmente sendo guardados para a reta final das eleições: ou do 1º turno ou do 2º turno, tal a confusão de possibilidades.
Um, é a undécima repetição da delação de Antônio Palocci, agora pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal, o mais partidarizado depois de Curitiba. O STF (Supremo Tribunal Federal) já havia começado a questionar o escândalo de delações declaratórias, sob pressão, sem a apresentação de provas.
A Lava Jato cozinhou o  “espertíssimo” Palocci em banho-maria. Fê-lo dar declarações autodesmoralizantes, seguindo o script de um brilhante roteirista curitibano – que incluiu até um “pacto de sangue” entre Emilio Odebrecht e Lula na conversa. Palocci pagou na frente e não levou. Os procuradores já tinham obtido o que queriam – manchetes jornalísticas contra o adversário político
Agora, repete-se o jogo. Palocci entrega na frente, procuradores e delegados atropelam os regimentos e divulgam para a mídia, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) aceita de forma complacente e atinge-se novamente o objetivo.
O segundo factoide é Adélio Bispo de Oliveira, o estaqueador de Bolsonaro.
Há uma série de fatores que conduzem a narrativas opostas, ambas perigosas:
Fator 1 – seu isolamento na cadeia, inclusive longe do contato com seus advogados.
Fator 2 – ainda não se saber quem banca os advogados e como apareceram no local em cima do fato.
Fator 3 – a atuação do delegado Francesquini (maior representante da ala barra-pesada da PF) pretendendo impedir entrevistas agora.
Fator 4 – a informação de que o juiz autorizou entrevista de Adélio à revista Veja na 6ª feira anterior ao dia da eleição.
Fator 5 – a primeira etapa das investigações constatou que Adélio agiu sozinho, tem problemas mentais e todos os indícios confirmam sua versão, a maneira como soube da visita de Bolsonaro a Juiz de Fora, seu aprendizado com facas em açougues etc. Em suma, nenhum indício de participação de outras pessoas. Mas, agora, anuncia-se o encerramento da primeira parte da operação e a abertura de uma segunda rodada, visando apurar a existência ou não de uma ação articulada.
A alegação do delegado Francesquini, para impedir a entrevista agora, foi a de não permitir que Adélio fale alguma coisa que prejudique Bolsonaro. Pode ser que sim.
Mas pode ser também para que não comprometa ou tire o impacto da última entrevista, onde poderia apresentar outra versão, em desenvolvimento até 6ª que vem, visando incriminar o PT e Lula. Do mesmo modo, o republicanismo exemplar das investigações da PF, até agora, pode ser apenas uma estratégia de despiste para o lance seguinte.
Em 2014, depois de intensa discussão, o Jornal Nacional não bancou a capa da Veja.
Agora, se tem a mesma revista, esvaindo em sangue, com dificuldades enormes em caixa, e com a possibilidade de interferir novamente nas eleições.
Para a última edição antes da votação do 1º turno, a revista tem dois materiais:
A delação de Antônio Palocci aos procuradores do Distrito Federal. Esse material está há algumas semanas com ela. A demorar em divulgar ou se prende a negociações com alguns dos atingidos (BTG Pactual) ou visando soltar em cima das eleições.
Na 6ª feira, a entrevista com Adélio, sabendo-se da histórica  capacidade da revista de manipular fatos.
Junto a isso, uma grande dificuldade financeira.
As saídas possíveis
No seu período de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministro Luiz Fux ameaçou as fakenews com os dardos do Olimpo. Envolveu ABIN, Polícia Federal, Ministério Público em uma equipe destinada a combater “antecipadamente” os boatos. E garantiu que eleição que fosse conquistada com notícias falsas seria anulada.
Deixemos as jactâncias de lado para analisar o que se apresenta.
Há a possibilidade concreta de um enorme fakenews espalhado pela mídia na véspera das eleições e, portanto, sem dar condições para que sejam desmentidos.
Há sinais concretos de que o principal instrumento de fakenews da última década, a revista Veja, está se preparando para abordar dois temas potencialmente explosivos.
Nos últimos dias, Ministros do STF passaram a criticar abertamente vazamentos e uso político das delações.
Para preservar um mínimo de seriedade dos tribunais superiores e dos Conselhos corporativos, duas medidas se fazem necessárias:
1ª Medida – a Procuradoria Geral da República (ah, bobagem!), digo o Conselho Nacional do Ministério Público expedir  uma notificação alertando para a proibição de divulgação de inquéritos ou delações, insistindo na possibilidade de crime funcional qualquer vazamento com implicações políticas.
2ª Medida – uma medida cautelar, impedindo a entrevista de Adélio na 6ª feira, devido ao pouco tempo antes da votação para que elas sejam checadas.
GGN

segunda-feira, 30 de julho de 2018

XADREZ DAS DERROTAS ELEITORAIS E DAS VITÓRIAS POLÍTICAS, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – as três dimensões da política
Para efeito pedagógico, vamos dividir o mercado de opinião política pós-Constituinte e pré-Lula em três dimensões:
Dimensão intelectual
Um grupo numericamente reduzido de atores que discutia e ajudava a definir as grandes políticas públicas. Eram intelectuais, com preponderância para os economistas, acadêmicos, em especial da USP e da FGV, lideranças empresariais mais esclarecidas, todos com atuação essencialmente paulistana, orbitando no universo da mídia.
O status político era garantido pela exposição midiática, inclusive junto ao PT, como foram os casos de Eduardo e Martha Suplicy, Aloisio Mercadante e Guido Mantega.
Intelectuais e empresários de outros centros, com exceção do Rio de Janeiro da FGV e da PUC, não eram admitidos no salão principal, e era expressamente proibida no baile a entrada de sindicalistas, lideranças sociais e movimentos populares.
No máximo, grupos minoritários obtinham apoio retórico para algumas causas, servindo de álibi para os bens pensantes mostrarem sensibilidade social retórica. Se ousassem transpor os sentimentos para o campo objetivo das políticas públicas seriam marcados na testa com a condenação definitiva: populistas.
Dimensão política
Os partidos que ajudavam a compor maioria, a quem eram oferecidas as sobras do banquete do presidencialismo de coalisão. Brilhavam em seus estados, mas periodicamente precisavam vir a São Paulo comprar bens de status na Daslu e bens de opinião junto aos intelectuais e políticos tucanos.
Os invisibilizados
Aí entrava a rapa, dos movimentos sociais, sindicais, às lideranças populares, sem nenhum espaço na mídia desde as Diretas, sem direito a qualquer forma de protagonismo. As experiências inovadoras que poderiam elaborar ficavam restritas às prefeituras, nas gestões de Luiza Erundina e Marta Suplicy em São Paulo e Patrus Ananias em Minas.
Peça 2 – o governo Lula
Especialmente nos dois governos Lula, os invisíveis passaram a ter protagonismo na definição das políticas públicas, especialmente nos temas sociais.
Em pouco tempo mostraram uma criatividade inédita, como o Bolsa Família, juntando o melhor objetivo com a melhor metodologia. Depois, Luz Para Todos, o programa de cisternas no semiárido, o programa inicial de biodiesel com selo social, uma chuva de ideias inovadoras e bem elaboradas, enquanto as áreas técnicas se perdiam em medidas de manual, incapazes sequer de avaliarem criticamente os resultados, como foi e é a metodologia das metas inflacionárias.
Resultou em um movimento generalizado de inclusão social, de fortalecimento das minorias raciais, sociais, sexuais, dos deficientes, na criação de um ambiente de solidariedade inédito na história do Brasil.
Quando sobreveio a crise, constatou-se que a maior virtude do PT e Lula, o republicanismo, era sua maior vulnerabilidade.
Esse paradoxo provocou dois resultados contraditórios. O imediato foi a derrota eleitoral e o golpe do impeachment. O de médio prazo, significou uma vitória política expressiva, com a esquerda se apropriando das principais bandeiras civilizatórias, movimento ampliado pela perseguição e prisão de Lula e pela comparação com o governo Temer, com o desmonte social apoiado pelo arco do impeachment e com o receituário econômico incapaz de tirar o país da crise.
Peça 3 – a legitimação da política
Aí se entra em um território de luta política no sentido mais profundo: como se dão as formas de legitimação moral das bandeiras políticas.
O ódio produz catarses, desabafos, violência, mas não gera perenidade, a não ser radicalizando a guerra ao inimigo. No limite, esse movimento leva à perda de controle das instituições que comandam o jogo – mídia-cúpula do Judiciário-grupos políticos – para as de uma liderança carismática qualquer, ou de um poder extra institucional, como os militares. Os abusos cometidos por Policiais Federais e procuradores, auto investidos na missão redentora, são a prova cabal dessa perda de referenciais e de controle. Não é à toa que merecem a resistência de Gilmar Mendes, o mais destemido e preparado dos gurus do golpe.
O sábio (sem ironia) Olavo de Carvalho, precursor e mestre de toda uma geração de propagadores de ódio, é dono de um faro invejável para antecipar os movimentos mais profundos da opinião pública.
Quando parecia que o país tinha descoberto o caminho da paz social, ele já antecipava o movimento de ódio que viria a seguir. Forneceu o template do qual se valeram colunistas de esgoto, um receituário tão funcional que pôde ser utilizado dos mais talentosos aos mais primários.
Um ou dois anos atrás, o mesmo Olavo alertou seus discípulos para o esgotamento do modelo inicial e a eficiência de um contra discurso que nascia de novos influenciadores, defensores dos direitos humanos valendo-se das mídias sociais.
Hoje em dia, os valores civilizatórios se tornaram parte integrante do arco da esquerda, uma espécie de prêmio de consolação ao lulismo pelo republicanismo, que, de um lado, consagrou Lula como um pacificador à altura de Ghandi ou Mandela, mas, de outro, permitiu o golpe jurídico-midiático mais fácil da história. Do lado de lá, estão os Alexandres Frotas e as Janaínas.
Como tornar permanente, a não ser pelo poder das armas, jurídicas ou militares,  um modelo moralmente iníquo?
Peça 4 – a direita e a busca do tempo perdido
Desde sempre, a lógica ancestral do golpe previa um roteiro ou planejado, ou melhor, conduzido pelos ventos do golpe:
Tirar Lula, PT, esquerda e movimentos sociais do mapa político e midiático. Para tal, praticar um discurso de ódio e de guerra total ao inimigo.
Esse discurso tiraria da garrafa o gênio da ultra-direita e da violência indiscriminada, com os gendarmes tentando levar o freio aos dentes.
Consumado o golpe, tentativa de recriação de um espaço minimamente civilizado, como o que se formou no pós-Constituinte, admitindo-se uma pluralidade restrita e seletiva e combatendo os extremismos.
Há dois objetivos em jogo, além do cuidado em não perder o controle da situação.
O primeiro, a tentativa de recriação da mídia como locus de mediação, conferindo um mínimo de legitimação ética ao discurso midiático, profundamente abalado por anos de ódio e falsificação das notícias. O segundo, tentar recriar uma centro-esquerda midiática, uma pluralidade sob controle.
De fato, abriram-se espaços para alguns colunistas que passaram a exercitar os limites do jornalismo. Prosseguindo assim, serão os jornalistas referenciais da nova geração. Ao mesmo tempo, tentam montar uma espécie de República de Vichi acadêmica, cooptando alguns intelectuais de esquerda para um combate sem trégua à “esquerda velha”.
O combate aos fakenews – prática midiática desde 2005 – está servindo como uma espécie de evento de corte, para marcar a “nova mídia” em relação ao jornalismo de esgoto praticado anteriormente por ela própria. A cada dia que passa, o jornalismo de esgoto fica restrito à chamada imprensa de segunda linha ou a colunistas de segunda linha, sem instrumental para vôos mais sofisticados.
O que impede a busca do tempo perdido? De um lado, o abandono das teses programáticas pelo PSDB, que trocou a social-democracia pelo MBL, deixando vazio de legitimidade no anti-petismo. Mas, principalmente, pelo fenômeno Lula que trouxe tantos personagens novos para a cena política que o país tornou-se grande demais para caber nas dimensões restritas da grande imprensa, em ambiente democrático.
Peça 5 – a dimensão política de Lula preso
E, aí, entram em cena aspectos psicossociais pouco compreendidos por esses cabeções de planilha.
A prisão de Lula, a perseguição escandalosa contra ele, a exposição da face partidária da Justiça, as arbitrariedades da Lava, escancaram o que o próprio Lula antecipou no comício de São Bernardo.
O último comício de Lula foi um clássico de estratégia política, especialmente a transferência simbólica do seu legado para o povo - “agora vocês são milhões de Lulas” – e a imagem criada por Pablo Neruda, que Lula utiliza desde a campanha de 1989: “podem matar uma, duas, três rosas, mas não podem deter a primavera’”.
No Festival Lula, na Lapa, um público estimado entre 10 mil e 40 mil pessoas, muitas vindas de outros estados, mostrou a força do mito. Os apresentadores relembravam a vida de Lula, o nascimento em um casebre de dois quartos, para sete irmãos, a vinda no pau-de-arara para São Paulo, os empregos na infância e na adolescência. Depois, os depoimentos de artistas e músicos sobre as políticas sociais, os meninos pobres ascendendo à Universidade, entremeados de vídeos das palavras de Lula no comício de São Bernardo. Tudo isso, mais a lembrança de que o personagem está em uma cela da Polícia Federal, impedido de se candidatar a presidente, formam o quadro final da criação do mito.
Entre os artistas presentes no Festival Lula Livre, tempos atrás, um dos mais ilustres chegou a esboçar uma composição-lamento sobre a decepção com Lula e o PT. Reviu a posição quando a perseguição a Lula e seu encarceramento desnudaram o jogo político-policial que se montara.
O encarceramento de Lula apressou seu julgamento histórico, minimizou os erros da atuação política do PT, reaproximou Lula não apenas das bases, mas dos setores independentes e de grupos de esquerda historicamente críticos da realpolítik do PT.
No encontro, confraternizaram-se lideranças do PcdoB, PSOL, artistas populares de primeira grandeza e jovens músicos praticando suas músicas de resistência.
Quem estava ali não eram apenas petistas ou lulistas, mas pessoas independentes, tendo em comum a defesa da democracia e dos valores civilizatórios, ou seja, um pacto em torno de princípios, como a defesa da democracia, dos direitos sociais, da recuperação da coesão social.
No palco, as palavras de ordem eram contra a ditadura, o preconceito, o feminicídio. E a lembrança de Lula a combustão maior, o fio que amarra as esperanças de todo o Brasil, representado na multidão que compareceu ao Festival e nas pesquisas de opinião, ampliando sua diferença em relação aos demais candidatos.
A cada dia que passa, torna-se mais acachapante a diferença de estatura entre Lula, que preferiu a prisão para preservar seu legado, e Fernando Henrique Cardoso, com seu oportunismo mesquinho, personagem minúsculo e, no entanto, o melhor símbolo que o golpe do impeachment tinha a oferecer.
Peça 6 – os desdobramentos do jogo
Não significa que, até as eleições, haverá a recuperação das regras democráticas. O estado de exceção ainda se prolongará por bom tempo. Mas os valores democráticos, as bandeiras da solidariedade social, o entendimento da democracia como um valor nacional, estão vivos como sementes plantadas em solo fértil. E, na base de tudo, o legado de Lula, não apenas no discurso e na palavra, mas nas políticas implementadas em seu governo e nos resultados alcançados.
É a semente para uma nova política que ainda está nascendo, mas que é irreversível.
Do GGN

sábado, 3 de março de 2018

História do Golpe: Para entender o xadrez da política - 3, por Luis Nassif


Vamos a uma atualização do nosso cenário político.
01 de fevereiro de 2013: Sobre o xadrez na política - Notas 2
Esses jogos de guerra, famosos desde os anos 70, são interessantes por possibilitar identificar poderes, correlações entre eles, fatores relevantes para a vitória etc.
Vamos tentar montar essa lógica para nosso Jogo das Guerras Políticas.
O objetivo é impedir que o outro jogador consiga desestabilizar politicamente o país. Competir e vencer ou perder eleições é questão dos partidos políticos e cabe em outro tipo de jogo. Nesse, a maior ou menos possibilidade de reeleição só interessa como fator deflagador ou mitigador de crises políticas.
Os últimos meses foram relativamente calmos. Mas não se deve perder de vista o clima de ebulição que tomou conta do país por ocasião do julgamento do “mensalão”. Não se deve afastar a possibilidade de criação de novas catarses.
As duas frentes de batalha: Congresso e Judiciário
As batalhas se desenvolvem em duas frentes: Congresso e Judiciário.
O Congresso tem o poder de decretar impeachments de presidentes. Lá, o desafio consiste em manter a base aliada consolidada. Já o STF (Supremo Tribunal Federal) tem o poder de intervir, também. E, como se observou no julgamento do “mensalão”, o chamado “clamor da opinião publicada” tem enorme influência sobre o plenário.
O fator deflagrador de crises é o chamado Clamor da Mídia.
O contraponto central é a expectativa de Reeleição do presidente.
Reeleição mantém a base unida, esvazia as tentativas de reeditar movimentos de Clamor da Mídia e dilui intenções golpistas de membros do STF. E aí depende fundamentalmente do fator econômico.
A frente econômica
Hoje em dia, nos temas econômicos a guerra midiática se dá em duas frentes.
A primeira é a macroeconomia, em torno do binômio (muitas vezes conflitante) de Inflação e Crescimento. No momento, são pontos relativamente pacificados, mas com algumas incertezas no ar. De qualquer modo, é fora de dúvida de que para o governo a estabilidade econômica é fator maior.
A segunda é o da gestão pública, especialmente em torno de três frentes: as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), os problemas da Petrobras/PréSal e o ritmo emperrado dos ministérios.
Um bom desempenho da economia esvaziaria completamente o Clamor da Mídia
Estratégia – A presidente mudar o estilo e descentralizar um pouco que seja a gestão de governo; voltar a fortalecer a Petrobras; e interromper a ansiedade de uma medida pontual por semana na área econômica. 
Os fatores que criam Clamor da Mídia
Hoje em dia, o Clamor da Mídia é influenciado por dois fatores principais:
Guerra Fria.
Escandalizações.
Guerra Fria não pega. 
O tema da ameaça subversiva poderia ganhar alguma relevância se as centrais sindicais se curvassem às provocações – ou à ameaça de processo contra Lula – e saíssem às ruas, hipótese, por enquanto, pouco provável. Fica no ar o desfecho da análise das denúncias de Marcos Valério, pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais, agora que o episódio Renan Calheiros comprovou, para os que ainda não acreditavam, o forte ativismo político do Procurador Geral Roberto Gurgel.
Estratégia – Evitar manifestações de rua e não ceder às provocações.
Já escandalizações continuam eficientes, especialmente após a cobertura intensiva do “mensalão”.
Há dois pontos vulneráveis no governo, podendo gerar escândalos ou escandalizações. O regime do RDC (Regime Diferenciado de Contratação), estendido para todas as grandes contratações públicas, que pode dar margem a jogadas; e os megafinanciamentos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) aos chamados campeões nacionais, principalmente se alguns deles começarem a fazer água obrigando o banco a saídas pouco ortodoxas.  A repetição de episódios como a Marfrig e LAEP seria desastroso.
Estratégia – o BNDES proceder a um pente fino em todos os megafinanciamentos e, identificando vulnerabilidades nos tomadores, tratar de se antecipar, buscando soluções de mercado.
Ações pontuais junto à base aliada
Fora esses grandes eixos, há ações pontuais que poderia reduzir ainda mais o risco de desestabilização.
É nítido que Dilma Rousseff não tem a mínima vontade de tratar de questões políticas. Então, tem que se azeitar outros canais.
Lula faz um meio de campo eficaz. A grande manobra dos adversários têm sido a tentativa de envenenar as relações dele com Dilma - acenando com o fantasma da reeleição.  Nos últimos tempos, pessoas de segundo escalão – ligados aos dois - ajudaram na montagem da rede de intrigas. O desmentido cabal, por parte de Lula, desobstruiu esse canal. 
Estratégia – melhorar a Secretaria de Relações Institucionais. A senadora Ideli Salvatti tem inúmeras qualidades, mas não a de interlocução com o meio político – trabalho que foi feito com grande competência por seus antecessores, José Mucio e Alexandre Padilha.
Ações junto ao Sistema Judiciário
A decisão sobre os vetos parlamentares às Medidas Provisórias  mostrou alguns pontos relevantes.
Como se recorda, o estado do Rio de Janeiro entrou com um pedido de liminar para impedir que o Congresso derrubasse os vetos da presidência à lei dos royalties. O  Ministro Luiz Fux – que concedeu a liminar – praticamente paralisou os trabalhos do Congresso, ao obrigar que todos os vetos fossem votados em ordem cronológica. Depois, alegou que não tinha ido informado dessas consequências – comprovando a mesma leviandade de quando votou às cegas com o relator do “mensalão” Joaquim Barbosa e condenou até um réu absolvido pelo relator, passando a impressão de que não se aprofunda nos seus votos.
Desdobramentos desse caso:
Na entrevista aos correspondentes estrangeiros, Joaquim Barbosa criticou expressamente a insensibilidade do voto de Fux. Endossou a posição de bom senso dos Ministros que julgaram que a ordem cronológica deveria ser respeitada daqui para frente; não, retroativamente. Mais do que demonstração de bom senso, a posição de Barbosa confirmou o que fontes próximas a ele já haviam percebido: caiu sua ficha em relação ao inacreditável Fux, seu ponto de apoio para a radicalização do julgamento do mensalão.
Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Luiz Fux votaram pela decisão mais drástica, de manter o confronto com o Congresso na questão dos royalties. Gilmar Mendes votou contra, mas não por nenhum assomo de bom senso: a manutenção da lei dos royalties (sem os vetos da presidente) aumentará exponencialmente os royalties que Mato Grosso (seu estado natal e sua base política).
A superexposição dos Ministros teve esse subproduto positivo para a sociedade, ao demonstrar didaticamente a prevalência das convicções partidárias ou pessoais sobre o espírito das leis e da razoabilidade.  Forma-se o grupo dos cinco em temas em que sobressaia o ativismo do Judiciário. Nos demais temas, especialmente em ações de impacto político, a atuação é do grupo dos quatro - os dois Mello, Gilmar e Fux - respeitados os interesses pessoais em cada matéria votada. As posições de Joaquim Barbosa podem coincidir apenas topicamente com a do grupos dos 4, mas não há alinhamento automático.
O recente confronto de três associações de juízes com Joaquim Barbosa expõe outro ponto importante do STF.
Embora parte majoritária do Judiciário não tenha maiores simpatias pelo PT, a atuação dos cinco do Supremo no julgamento do mensalão foi recebida com espanto por muitos setores da magistratura. O show midiático das novas celebridades chocou um setor em que a maioria dos juízes comporta-se com discrição. Não passaram em branco as grosserias inomináveis de Barbosa contra Ricardo Levandovski, os arroubos adolescente de Celso de Mello, comparando partidos políticos ao PCC - e com essa declaração, explicitando uma posição partidária incompatível com quem estava julgando uma ação penal.
Até agora, o modelo hierárquico do Judiciário segurou as manifestações de desagrado do setor. A falta de cerimônia de Joaquim Barbosa, na entrevistas aos correspondentes estrangeiros, provocou esse primeiro movimento público de protesto contra a síndrome de Deus que acometeu Barbosa e seus pares.
Estratégia – não errar na indicação dos novos Ministros do STF. Terão que ser legalistas até a medula e competentes. Não se pode incorrer mais em enganos, como o de Luiz Fux, ou em indicações de Ministros pouco preparados, como José Toffoli. E torcer para que Gilmar, Marco Aurélio, Fux e Barbosa continuem se expondo à mídia como têm feito.
Conclusão
O Crisômetro, o termômetro da crise, está bastante acomodado neste final de ano. Apenas um mega-escândalo, ou um inquérito continuado - e seus vazamentos - alimentando um noticiário diário poderia elevar a temperatura.
A substituiçãodo PGR, nos próximos meses, deverá tapar um dos principais canais de vazamento de inquéritos.
GGN (Artigo publicado originalmente em 04/03/2013).