Em
artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança invejável
em relação ao que vem pela frente.
Em
relação ao modelo político há duas certezas: esgotou-se o modelo político
pós-redemocratização; e ninguém consegue garantir o que virá no vácuo que se
formou.
No
entanto, em
artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança
invejável em relação ao que vem pela frente.
Constata
ele que o presidencialismo de coalizão se tornou disfuncional. Antes disso, diz
ele, vingou porque era ao gosto da tradição centralizadora brasileira, que só
concebe a dinâmica política a partir do mando presidencial.
Atribui
ao modelo uma espécie de fracasso total do país pós-redemocratização. Ignora os
avanços ocorridos na área de direitos sociais, de inclusão social, em alguns
setores da economia. Ignora a enorme renovação proporcionada pelas sucessivas
mudanças de governo – da abertura de Fernando Collor, à desregulação de
Fernando Henrique Cardoso ao desenvolvimentismo social e econômico de Lula.
E
ignora, sobretudo, que a ausência de grandes reformas sociais não se devia ao
poder do príncipe, mas justamente à falta de poder de um presidencialismo
claudicante – que derrubou ou inviabilizou quase todos os presidentes eleitos
pós-redemocratização.
O
Brasil teve uma pequena experiência parlamentarista, na qual o poder do
Congresso significou a imobilização ampla do governo. Sugiro a leitura da
biografia de Walther Moreira Salles, no capítulo referente ao governo Jango.
Diz
ele que, agora, ocorre a destruição criadora e crava as fichas no novo modelo
que emergirá: o sistema de co-responsabilidade, no qual o poder do presidente
será dividido com o Congresso.
“O
governo permanece como propulsor mais relevante da agenda política, mas abre
mão da tutela e cede espaço a novos atores. Forma maiorias, mas o processo
deixa de ser automático. É assim que caminha a reforma da Previdência”.
Aí
se entra em um enorme desafio intelectual, de tomar como o novo normal o quadro
político atual, com todas suas extravagâncias. O quadro atual tem um
conjunto de condicionantes específicos do momento atual:
Um
presidente sem a menor noção econômica, política ou social. Como seria com um
presidente articulado, com ideias claras?
Um
parlamento sem partidos políticos. Ou a “corresponsabilidade” se fará sem
partidos políticos, como agora, e com bancadas temáticas.
O
debate político interditado, com a prisão do principal porta-voz da oposição,
Lula.
O
grupo hegemônico reunido em torno da bandeira única do antilulismo. Até quando
resistirá?
Ora,
tem-se uma realidade dinâmica, com um enorme conjunto de variáveis
imprevisíveis. Mesmo assim, o autor teima em definir o que ele chama de “novo
modelo”. Recorre a um truque retórico comum aos acadêmicos: cria a caricatura
de dois opostos, o governo e a oposição, e coloca a sua hipótese como centro
virtuoso.
O
novo modelo se afasta de duas visões comuns em nosso debate. Uma delas, comum
no governismo, aposta no chamado “going public”, na ideia algo mística de que o
líder popular possa, com a pressão social, derrotar o sistema (seja isto o que
for).
Outra,
popular na oposição, profetiza o abismo a cada deslize do governo e sugere que
estejamos sob o risco de um presidencialismo plebiscitário, autoritário e
destinado ao fracasso.
Não
se tem a menor ideia de como se comportaria o sistema político com outro tipo
de presidente, nem se tem a menor ideia de como irá se refazer o sistema
partidário, com o advento dos YouTube e a desmoralização dos partidos
tradicionais.
Mesmo
assim, Schüller preconiza que o novo modelo será o “sistema de
corresponsabilidade”, embora confesse que é “um sistema cujos contornos ainda
não conhecemos exatamente”.
No
trecho seguinte, substitui a certeza inicial por um “por ora”.
“O
que ele faz, por ora, é abrir espaço ao protagonismo compartilhado, que por
certo reforça a autonomia do Parlamento. Algo bem expresso na reiteração
de Paulo Guedes, no Congresso: o poder é dos senhores, assumam a
responsabilidade”.
Depois
de todas essas certezas, Schüller recorre a um recurso jurídico conhecido, o
SMF, “salvo melhor juízo”. SMJ, ele recorre ao salva vidas de todo teórico: o
“suponhamos que”.
No
mundo ideal, nosso presidente poderia combinar o pragmatismo de Angela Merkel
com o charme intelectual de Obama. E a oposição, quem sabe, poderia ser liderada
por Lord Anthony Giddens, direto da sala de chá do palácio de
Westminster.
Não
temos nada disso. O presidente é Bolsonaro e a oposição é o que sabemos que é.
Não voltaremos ao passado e não veremos um rolo compressor governista no
comando do Congresso. Se isso é ruim ou não, cada um pode julgar. Digo apenas
que, para quem imaginou que nos tornaríamos uma autocracia, pode não ser má
ideia que o país avance sob um sistema bem estabelecido de freios e contrapesos
e compartilhamento de responsabilidades.
Logo,
SMJ, desconsiderem-se todas as hipóteses anteriores sobre a nova era que
surgirá da destruição criadora.
Assine e
faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais
respeitado e forte.
Do
GGN