Na
sexta matéria da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato,
feita em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM, um passeio pela delação de Glaucos
Costamarques e os deslizes da Lava Jato no tocante à Receita Federal e reais
implicados. As outras matérias da série podem ser vistas aqui.
O
poder absoluto conferido à Lava Jato, acabou por definir um modo de atuação
arbitrário, especialmente quando envolve delação premiada.
No
capítulo de hoje vai se mostrar um dos expedientes mais utilizados pela Lava
Jato, com ampla parceria dos procuradores com o juiz de instruções que consiste dos
seguintes passos:
Ameaças
de envolvimento de familiares dos réus nas investigações.
Negociações
para a inclusão nas delações de declarações que corroborem a narrativa e os
interesses políticos da Lava Jato, mesmo sem acompanhamento de provas.
Benefícios,
tais como fechar os olhos a contas no exterior e a lavagem de dinheiro já
identificado.
Vamos
à análise do primeiro caso, a compra do apartamento vizinho ao de Lula.
Lance
0 – Apresentando o jogo e os jogadores
Quando
Lula ainda presidente, o governo alugava o apartamento vizinho ao seu, em São
Bernardo do Campo. Em parte, para garantir a privacidade do presidente. Em
parte, para abrigar o esquema de segurança.
Deixando
a presidência, constatou-se que o apartamento estava à venda. Para preservar a
privacidade de Lula, Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula, solicitou ao
amigo José Carlos Bumlai que encontrasse algum conhecido com interesse em
adquirir o apartamento e alugá-lo para Lula.
Bumlai
conversou com o primo Glaucos da Costa Marques, um pecuarista que investia em
imóveis, que topou a compra por perceber uma boa oportunidade de negócio.
A
notícia veio à tona no dia 7 de setembro de 2016 e foi divulgada pela mídia no
dia 08/07/2016 (clique
aqui). Okamoto explicou que Lula passou a pagar o aluguel a Glaucos.
Lance
1 – A criação da narrativa pela Lava Jato
13/12/2016
– A PF lança sua narrativa
o
apartamento teria sido comprado por Glaucos da Costa Marques e alugado ao
ex-presidente Lula, em um contrato celebrado no nome da ex-primeira-dama,
Marisa Letícia. No entanto, de acordo com a investigação, nunca houve qualquer
pagamento por parte do ex-presidente, que utiliza o imóvel, pelo menos, desde
2003.
A
polícia diz que a operação foi realizada para ocultar o verdadeiro dono do
imóvel. Para o delegado, o ex-presidente Lula é quem é dono do local, que
também teria sido adquirido por meio de propina obtida junto à Odebrecht, com a
intermediação de Palocci.
Glaucos
sustentou que adquiriu o apartamento por ser bom negócio e por estar habituado
a investir em imóveis.
Para
a Lava Jato, a unidade, na verdade, foi adquirida com valores pagos pela
Odebrecht como uma forma velada de beneficiar Lula. Glaucos teria recebido
dinheiro da DGA Construtora que, por sua vez, teria sido repassado pela
Odebrecht.
A
acusação ficava no ar, sem nenhuma comprovação.
26/01/2017
– PF divulga inquérito em prazo recorde
Nesse
dia, fica-se sabendo que há 8 meses a Polícia Federal investigava sigilosamente
a compra do apartamento vizinho ao de Lula. Quatro dias depois de a denúncia
ser aceita pelo juiz Sérgio Moro, a PF divulgou seu inquérito, sem jamais ter
informado à defesa (clique
aqui) sobre sua existência.
Lance
2 –Lava Jato consegue que Glaucos mude seu depoimento
Em
06/09/2017, a Lava Jato dá um lance ousado, induzindo Glaucos a mudar a versão
inicial.
Na
nova versão, reiterou que a compra do apartamento foi para garantir a privacidade
de Lula. Disse que o imóvel custou R$ 504 mil e que assinou um contrato para
locação diretamente com a ex-primeira-dama Marisa Letícia.
A
partir daí, entra na narrativa acertada com a Lava Jato.
Sustentou
que entre 1o de fevereiro de 2011 e novembro de 2015 não recebeu nenhum
pagamento.
Transação
concluída, Roberto Teixeira, advogado de Lula, teria pedido que Marques
devolvesse o lucro que obteve com a compra de um imóvel para o Instituto Lula,
que ele revendeu para a DAG, lucrando R$ 800 mil. E Glaucos se recusou.
Por
fim, teria topado devolver R$ 650 mil – descontando R$ 120 mil de impostos mais
despesas.
Glaucos
sustenta que se recusou a pagar o lucro relacionado à compra de imóvel para o
Instituto Lula, porque ele correu o risco. Mas aceitou devolver o que recebeu.
Mesmo
no depoimento a Sergio Moro, Glaucos explica que também ficou sabendo do imóvel
para o IL porque Bumlai disse que Roberto Teixeira tinha um "bom
negócio" em vista, que serviria a uma manobra chamada de "flip"
(quando se compra barato para revender barato, tirando uma pequena margem de
lucro).
Glaucos
diz que, no final, não precisou desembolsar o montante envolvido na compra
(cerca de R$ 6,5 milhões) porque assinou uma autorização (cessão de direitos)
para que os primeiros proprietários vendessem o imóvel diretamente à DAG -
empresa usada pela Odebrecht na triangulação.
O
primo de Bumlai admite ter lucrado R$ 800 mil nesse “flip” e relata que
Teixeira ganhou cerca de R$ 234 mil em honorários.
Moro
até ironizou: "O senhor não acha que recebeu 800 mil reais sem fazer nada?
Quero um advogado desses pra mim.”
O
problema para a Lava Jato é que a mudança no depoimento de Glaucos não é trunfo
absoluto. A força-tarefa ainda não consegue esclarecer como o primo pode ter
usado os R$ 800 mil que recebeu da DAG em dezembro de 2010 para custear a
compra do apartamento por R$ 504 mil, realizada quatro meses antes.
Esse
dado consta em relatório da Polícia Federal sobre o caso e na “fórmula
matemática” que a equipe de Deltan Dallagnol desenhou e tratou de propagandear
na grande mídia como se fosse o mapa da propina a Lula. Passou longe de ser,
conforme o GGN já expôs. (Clique
aqui)
Glaucos,
portanto, não conseguiu apresentar provas das duas acusações mais graves:
Não
conseguiu comprovar o não recebimento dos aluguéis, pois declarou todos os
valores à Receita e ainda assinou recibos e trocou e-mails sobre os que são
relativos ao ano de 2013, tudo exposto pela defesa de Lula
Não
conseguiu comprovar a devolução do dinheiro, porque, segundo ele, teria sido
feito em dinheiro vivo através de um carro blindado.
10/10/2017
– Glaucos muda depoimento para implicar filho de Lula
A
grande incógnita é o que teria levado Glaucos a mudar o depoimento? Novas
provas da Lava Jato, desqualificando a versão anterior, ou chantagem?
Lance
3 - Defesa de Lula entrega recibos do aluguel
Em
25/09/2017, a defesa de Lula dá o primeiro xeque na Lava Jato, apresentando
cópias dos recibos de aluguel – em lugar dos originais.
Os
advogados de Lula sustentam que pesquisaram nos guardados de dona Marisa e
encontraram os recibos. Dois deles tinham datas inexistentes: 31 de junho e 31
de dezembro (clique
aqui).
Lance
4 – O contra-ataque da Lava Jato
Há
uma dupla reação das peças brancas, da Lava Jato:
06/10/2017
MPF garante que recibos são falsos
Procuradores
da Lava Jato garantem que os recibos apresentados pela defesa de Lula são
falsos “sem margem à dúvida” (clique
aqui). E a perícia técnica é “imperativa”. Os advogados de Glauco
sustentaram que os aluguéis só passaram a ser pagos "após visita do doutor
Roberto Teixeira ao defendente”, quando este estava internado no Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo, onde Glaucos se submeteria a intervenção
cardiovascular.
28/09/2017
– Defesa de Glaucos apresenta como prova visitas em hospital
No
documento apresentado pela defesa de Costa Marques a Moro (clique
aqui) se admite:
A
existência de um contrato de locação, razão pela qual os recibos foram
exigidos.
A
declaração dos valores dos alugueres na Receita. Mas tudo seria sido por
influência de Roberto Teixeira, advogado de Lula.
E
termina com um pedido:
Diante
do exposto, requer-se a expedição de ofício ao Hospital Sírio-Libanês, na
cidade de São Paulo, para que informe os dados relativos ao registro de JOÃO
MESTIERI ADVOGADOS ASSOCIADOS 4 visitas ao hospital, referentes ao período de
22/11/2015, data da internação de GLAUCOS naquele hospital e 29/12/2015, data
da alta hospitalar, com ênfase nos visitantes Dr. ROBERTO TEIXEIRA e Sr. JOÃO
M. LEITE.
Naquele
dia, comentaristas da GloboNews sustentam que “tem
que haver mais que recibos”. Lula teria que comprovar sua inocência
mostrando o “caminho do dinheiro”, comprovando a pouca familiaridade da
imprensa com o Código Penal, que diz claramente que o ônus da prova cabe ao
acusador.
Têm-se
dois desafios postos, então: a discussão em torno da validade dos recibos; e as
provas das visitas de Roberto Teixeira a Glaucos, quando hospitalizado.
02/10/2017
– Moro ordena que hospital entregue registro de visitas a Glauco
A
determinação era para o Sírio Libanês informar se o advogado Roberto Teixeira e
o contador João Muniz Leite estiveram no hospital (clique
aqui)
O
hospital não encontrou registro de visita específica de Teixeira a Glaucos. Em
depoimento a Moro, o advogado já havia explicado que deu entrada no Sírio
porque também enfrentava tratamento médico e o encontro que teve com o primo de
Bumlai acontecera rapidamente, sem que o assunto do aluguel viesse à tona.
Lance
5 - Entra no jogo o cavalo da Receita Federal
Segundo
dados da Receita, Glaucos da Costa Marques não teria renda para comprar o
apartamento. E mostra que sua conta recebeu depósitos de seus próprios filhos.
"Há
razoável suspeita de que em alguns anos (especialmente 2010, 2011 e 2013), além
da possibilidade de sonegação de receitas, as contas bancárias de Glaucos da
Costa Marques podem ter sido utilizadas apenas como interposição para passagem
de expressivos valores de terceiros", diz o texto da Receita. Faltou
explicar: laranja de quem?
Como
apontou o GGN, o fio da meada era outro:
(...)
quem se prestou a ler as 32 páginas do relatório descobriu que parte das
movimentações financeiras estranhas de Glaucos está relacionada a empréstimos
milionários que ele recebeu de seus filhos, ano a ano.
Em
2010, foram R$ 480 mil de Gustavo da Costa Marques e mais R$ 1,189 milhão de
Fernando. Em 2011, o pai recebeu mais um total de R$ 3,1 milhões dos dois
filhos. Em 2012, mais R$ 3,6 milhões. [O total passa dos R$ 8,3 millhões]
(...)
em nenhum momento o relatório diz quem são os agentes implicados nessas
movimentações.
(...)
A análise da Receita sobre o comprador, o vendedor e a corretora imobiliária que
intermediou a venda do apartamento 121, em São Bernardo, mostra que tudo
ocorreu sem nenhum tipo de ressalva.
Lance
6 – Sírio desmonta movimento com visitas
Hospital
confirma apenas a visita de contador do caso dos recibos de aluguel de Lula (clique
aqui). Mas contador explica que recebeu pagamentos de Costa Marques por ter
prestado serviços a ele de 2010 a 2015. Sustenta ter recebido periodicamente
recibos relativos aos pagamentos de alugueis a partir de 2011. E informa ter
colhido assinaturas de apenas alguns recibos. "Em apenas alguns meses, que
embora tivéssemos os recibos, os mesmos não estavam assinados."
Lance
6 – Mate: Lula confirma ter recibos originais
O
MPF estava questionando as cópias dos recibos. Lula informa, então, ter
encontrado os recibos originais (clique
aqui) e mais um conjunto de provas robustas
25/10/2017
– Defesa de Lula mostra e-mail que comprova pagamento
Conforme
constatou o GGN, já havia vários elementos contradizendo Glaucos (clique
aqui):
A
defesa de Lula encaminhou à imprensa um e-mail em que Glaucos informa ao
contador João Muniz Leite os valores do aluguel que recebeu ao longo de 2013,
totalizando R$ 46,8 mil.
A
pedido de Moro, a defesa de Lula apresentou comprovantes de pagamento de
aluguel que abrangem os 4 anos de contrato.
Na
audiência com Moro, Glaucos não disse em nenhum momento que os recibos em posse
de Lula, referentes a 2015, foram assinados de uma vez só. No depoimento, ele
só se preocupou em desqualificar a declaração do imposto de renda, que já
estava em posse dos procuradores.
Em
resposta a Moro e aos procuradores de Curitiba, o Sírio Libanês confirmou o
depoimento de Roberto Teixeira, que negou em juízo ter ido ao hospital em 2015
para visitar Glaucos e tratar do aluguel.
Além
do e-mail trocado por Glaucos e o contador, há ainda um relatório feito a
partir de dados da Receita Federal que mostram que não há nenhuma
irregularidade na história da locação do apartamento em São Bernardo do Campo.
O
que esse relatório revela, e foi completamente ignorado pela grande mídia, é o
possível motivo para que Glaucos tenha resolvido mudar suas versões e colaborar
com os investigadores.
O
documento aponta que há movimentações suspeitas em anos em que ele recebeu
empréstimos milionários de seus filhos. Em 2010, foram R$ 480 mil de Gustavo da
Costa Marques e mais R$ 1,189 milhão de Fernando. Em 2011, o pai recebeu mais
um total de R$ 3,1 milhões dos dois filhos. Em 2012, mais R$ 3,6
milhões.
(...)
Paulo Roberto Costa é um exemplo de delator que fez acordo e conseguiu
imunidade processual para a família. Resta saber quais benefícios Glaucos - que
vem mantendo um silêncio ensurdecedor a respeito dos recibos do aluguel -
pretende obter nesta ação penal.
Lance
7 – Moro vira o tabuleiro
Quando
percebeu que havia levado xeque mate na questão dos recibos, Moro acolheu
pedido do Ministério Público e decidiu reabrir a fase de instrução, para
interrogar de novo Glaucos da Costa Marques.
Ora,
se houvesse dúvidas sobre a veracidade dos recibos, o papel do juiz seria
ordenar uma perícia.
01/07/2016
– Depoimento de Gustavo da Costa Marques
E
aqui se mostra o jogo de pressões e vantagens que tem sido a marca da Lava
Jato.
Há
indícios fortes de que Glaucos da Costa Marques era laranja, de fato. Mas de
seu filho Gustavo da Costa Marques, Diretor de Relações Institucionais da
Camargo Correia.
O
cargo, lotado em Brasilia, é para contatos diretos com autoridades.
Gustavo
depôs em 1o de julho de 2016 para Sergio Moro:
Conclusão
- O jogo pesado da Lava Jato
A
provável pressão colocada para Glaucos da Costa Marques foi simples. Se não
ajudar a imputar a Lula a movimentação dinheiro em sua conta, a penalidade
recairá sobre seu filho, podendo anular o acordo de delação premiada fechado
com a Lava Jato.
Afinal,
ou ele seria “laranja” de Lula ou seria do filho.
Com
esse jogo, além de forçar uma acusação falsa contra Lula, a Lava Jato poderá
estar livrando a cara não apenas do dono da conta laranja, mas também de todas
as autoridades que foram subornadas com ele, através do laranjal montado pela
diretoria de Relações Institucionais da Camargo Corrêa.
GGN