Dois
episódios recentes, fundamentais, ditarão os cenários políticos futuros: as
últimas pesquisas, mostrando a probabilidade de Lula ser eleito no 1o turno; o
escândalo Biontech-Covaxim, expondo as relações políticas e de negócios entre a
família Bolsonaro (representada por Flávio) e o Centrão (representado pelo
líder do governo Ricardo Barros.
Entenda.
PEÇA
1 – A ECONOMIA, O MOMENTO E O FUTURO
A
pesquisa reflete o momento, os desastres continuados de Bolsonaro no combate à
pandemia, seus arroubos e a permanência da crise econômica.
Há
um conjunto de fatores pela frente, com vistas a 2022, cujos desdobramentos são
de difícil aferição:
Recuperação
relativa da economia – aumento das commodities,
recuperação relativa da ociosidade da indústria poderão melhorar os indicadores
de PIB. Por outro lado, permanece o enorme exército de desempregados.
Inflação
em alta – a inflação está sendo pressionada pela soma de
alta internacional das commodities e desvalorização cambial. Os últimos
movimentos, de apreciação do câmbio poderá reduzir um pouco a pressão. Mas a
elevação dos preços comprimiu as margens das empresas. Por isso, é pouco
provável que a apreciação do câmbio se reflita sobre os preços.
Alta
nos juros – a irracionalidade da política de metas
inflacionárias levou o Banco Central a promover nova rodada de alta de juros,
com impacto na recuperação da economia .
Efeitos
da vacinação – em tese, deveria reduzir a
incidência do Covid-19. Mas há sinais claros de entrada da terceira onda da
pandemia, em um momento em que parcela pequena da população foi completamente
vacinada.
Crise
energética – a partir do segundo semestre haverá
racionamento de energia ou, nos dizeres do governo, racionalização do consumo
da energia. Haverá impacto óbvio nas tarifas de luz, impactando o Índice de
Preços ao Consumidor Ampliado e, também, o custo de produção das empresas.
Há
uma probabilidade menor de recuperação da economia. Mas há que se considerar
que qualquer melhoria, por mais discreta que seja, muda relativamente os
humores do eleitorado.
Os
próximos movimentos políticos se darão em torno desse jogo de dados sobre o
potencial eleitoral de Bolsonaro.
PEÇA
2 – A CRISE DA BHARAT BIOTECH
A
sucessão de escândalos em torno da vacina, obrigará as instituições a tomarem
posição. Bolsonaro está se tornando insustentável. O que o mantém são apenas os
cálculos em relação a 2022, pela dificuldade de se avaliar os desdobramentos do
que vier a acontecer.
1.
Se Bolsonaro é mantido no cargo, chegará a 2022 como uma ameaça de
continuidade. Essa perspectiva reforçará a ideia do pacto em torno de Lula,
afastando a viabilidade da terceira via.
Pelo
contrário, se Bolsonaro cai, há dois movimentos subsequentes.
2.
O primeiro, a tentativa do Partido Militar de se recompor em torno do
vice-presidente Hamilton Mourão. Impressiona pelo eventual potencial golpistas,
jamais por fôlego político.
3.
A segunda, a tentativa de empinar a candidatura de um terceira via, da
centro-direita autoritária, com probabilidade de ser Ciro Gomes.
Uma
terceira possibilidade – menor – seria o bom senso baixar em um país e se
manter a ideia de um pacto mais amplo, ensaiado a partir do encontro de
Fernando Henrique Cardoso e Lula.
PEÇA
3 – AS DISPUTAS POLÍTICAS
Nos
últimos meses, esvaíram-se os últimos ecos da Lava Jato. Sérgio Moro foi jogado
no lixo da história sem choro nem vela. Deltan Dallagnol, que um dia julgou se
tornar mais popular que Lula, não provoca comoção nem em seu antigo exército de
robôs vingadores. No TRF-3, as últimas eleições afastaram de cargos de comando
os principais desembargadores avalistas de Sérgio Moro. No Supremo, Luiz Edson
Fachin queda e Luis Roberto Barroso se cala, esboçando alguma ação apenas na
defesa do voto eletrônico. Mas o Supremo, como um todo, avança para segurar os
esbirros autoritários de Bolsonaro.
Em
todo esse movimento, foi mantido incólume a espinha dorsal da corrupção
brasileira, o Centrão, a mais espúria força política do período pós-Constituinte.
O grupo assumiu postos relevantes no governo FHC, quando houve a crise da
energia, no governo Lula, depois do “mensalão”. E, quando extirpado do governo
Dilma, promoveu o impeachment.
Ontem,
a CPI confirmou o que o GGN vem antecipando há semanas: o papel do Centrão e do
líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR) no caso Covaxin-Biotech,
talvez o maior escândalo da história da República, devido ao envolvimento
direto do presidente da República no episódio.
O
oportunismo da Lava Jato e Sérgio Moro de atuarem como atores políticos, acabou
poupando o Centrão, com exceção do breve interregno da prisão de Michel Temer e
da condenação de Eduardo Cunha. Nada aconteceu com Eliseu Padilha, Wellington
Moreira Franco, Fernando Bezerra, Ricardo Barros.
Agora,
o episódio liga o Centrão, articulado por Ricardo Barros, diretamente ao
esquema Bolsonaro, representado por seu filho Flávio Bolsonaro. Ontem, a
revista Veja mostrou que Flávio teve reunião virtual com o presidente do BNDES
para interceder pelos donos da Precisa, a distribuidora de medicamentos por
trás do escândalo Covaxim-Biontech.
O
episódio pega a centro da corrupção política brasileira, com desdobramentos
imprevisíveis. De qualquer modo, acendeu uma luz para iluminar o futuro. Daqui
para frente, o desmanche do Centrão entra no foco de qualquer reforma política
futura. E será peça central para a disputa em torno do impeachment de
Bolsonaro.
PEÇA
4 – AS DISPUTAS ECONÔMICAS
O
ponto central, para o pós-Bolsonaro, é a disputa econômica. O extraordinário
poder acumulado pelo lobby financeiro levou à tragédia atual. Valeram-se
da crise do governo Dilma para impor o início do desmanche do Estado
brasileiro, com a “ponte para o futuro”, a destruição de qualquer veleidade de
estado social, com Lei do Teto, reforma da Previdência e reforma trabalhista e
os obscuros negócios da privatização. E mantiveram intocado o controle do
mercado sobre a política econômica
Nos
próximos meses, no embalo das novas formações políticas, visando o
pós-bolsonarismo, ficarão mais nítidas as diferenças entre a centro-esquerda
progressista e a centro-direita liberal. Ambas tratarão de avançar em discursos
sociais. A diferença é que a centro-direita se limitará a demonstrações de bom
mocismo, preservando a extraordinária concentração de renda no país, a continuação
do desmanche do Estado e a privatização de estatais estratégicas.
Haverá
consenso apenas em relação às políticas de saúde, educacional e de renda
básica.
PEÇA
5 – OS PROVÁVEIS ATORES POLÍTICOS
O
próximo tempo político provavelmente será ocupado por Lula e Ciro Gomes. O
restante é perfumaria, Mandetta, Sérgio Moro, Dória, Huck.
Lula
é o negociador nato, com todas as vantagens e desvantagens dessa posição. No
grande pacto que pretende montar, como ficariam as relações com o mercado?
Mudaria as políticas de câmbio e juros? Conseguiria implementar suas bandeiras
de desenvolvimento social com as restrições monetárias e fiscais? A necessidade
de manter a governabilidade permitiria reconstruir parte do estado social
destruído?
Tem
a vantagem de um acervo de experiências bem sucedidas, e de experimentos mal
sucedidos – com as lições de como corrigir erros. E, certamente, conseguirá
reverter os maiores exageros do período Paulo Guedes, fortalecendo novamente as
representações de trabalhadores, da indústria e do setor real.
Mas
o grande pacto do passado – PT e PSDB – hoje é apenas simbólico, representado
pelo encontro FHC-Lula, depois que o PSDB derivou irremediavelmente para a
direita.
Ciro
Gomes é um camaleão político de viés autoritário. Com exceção da idoneidade e
do melhor preparo intelectual, é parecido com José Serra. Fareja determinadas
bandeiras, de nicho ou mais amplas, e incorpora em seu discurso, sem se
preocupar muito com a coerência.
Por
exemplo, no auge dos abusos da Lava Jato, chegou a afirmar que, se sua casa
fosse invadida, como foram as de tantas outras vítimas – inocentes ou não – da
Lava Jato, receberia Moro à mala. Agora, vendo a bandeira do punitivismo sem
dono, incorpora o moralismo exacerbado da Lava Jato, pretendendo herdar os
lavajatistas órfãos.
No
início do Real, tornou-se um defensor ultra-radical das políticas de câmbio e
juros. Depois, se tornou um crítico visceral da política de câmbio e juros. Nos
últimos tempos, de crítico severo de FHC tornou-se admirador.
Percebeu
que o desenvolvimentismo estava órfão de candidatos e se aproximou dos
principais pensadores. Depois, se tocou que a Terceira Via estava sem candidato
e tratou de empinar seu papagaio em direção a ela e ao mercado. E, agora, soma
seu caráter bélico a João Santana, marqueteiro especializado em destruir
adversários e responsável pelos momentos mais ilegítimos da campanha de Dilma
Rousseff e radicaliza um antipetismo anacrônico e iracundo.
O
que seria o presidente Ciro? Em relação à economia manteria o
desenvolvimentismo ou negociaria com o mercado? Qual seria reação teria se
medidas suas fossem contidas pelo Supremo? A única certeza é que, pelo seu
temperamento, jamais se abriria para a sociedade civil, movimentos sociais,
associações empresariais, corporações públicas, fórum de prefeitos e
governadores, já que é dono de convicções mutantes, porém inabaláveis em cada
etapa da mudança.
Em
suma, mesmo após o pesadelo Bolsonaro, há um longo caminho para a conquista da
democracia e do pacto em torno de um projeto de desenvolvimento social.
GGN.