Levantamento
feito pelo GGN mostra, ainda, que membros do Ministério Público não
podem dar palestras que não sejam em Instituições de Ensino ou exercer
atividades fora do meio acadêmico.
Foto: Reprodução
O
coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, deu cerca
de 12 palestras remuneradas no ano de 2016. Em nota pública, o procurador da
República afirmou que optou "por doar praticamente tudo". A
jornalistas nesta quinta-feira (22), disse que omitiria os valores para não
"expor o contratante", mas que o hospital que recebeu suas doações
contabilizou R$ 219 mil no ano passado. O valor, contudo, é quase a metade da
média do que Dallagnol teria recebido, segundo dados divulgados pela própria
agência de palestras.
O GGN fez
os cálculos. De todas as apresentações, palestras e seminários, o procurador
admite que 12 foram remuneradas e também não confirma que a totalidade delas
foi destinado ao hospital.
Em nota
publicada nas redes sociais, após reportagens darem conta de que ele prestava a
atividade remunerada, o procurador afirmou que "no caso de palestras
remuneradas sobre ética e corrupção em grandes eventos, tenho destinado o
dinheiro para entidades filantrópicas ou para a promoção da cidadania, da ética
e da luta contra a corrupção". "Optei por doar praticamente tudo para
que não haja dúvidas...", havia manifestado.
A primeira
denúncia, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, mostrava que uma empresa
estava oferecendo em seu site palestras de Dallagnol, e revelava a faixa de R$
30 mil até R$ 40 mil por participação do investigador em exposições. O
procurador não negou que a empresa não foi contratada para o serviço de
intermediar a atividade.
Mas irritado
com a divulgação das quantias, pediu que Motiveação retirasse
"imediatamente" as suas informações do portal. "Esta página foi
retirada do ar, pois não foi autorizada pelo palestrante e nem por sua equipe.
A Motiveação Palestras vem por meio desta se retratar por qualquer tipo de
prejuízo e/ou situação que tenha vindo a causar ao Sr. Deltan Dallagnol e aproveitamos
para deixar nosso apoio ao trabalho muito bem feito que o mesmo vem ajudando a
tornar realidade e história em nosso país", publicou depois a empresa no
mesmo link onde continha os dados das palestras do procurador.
Em resposta,
Dallagnol informou: "A maior parte das palestras é gratuita e nunca
autorizei que empresas de agenciamento usassem meu nome para a divulgação de
serviço oneroso (quem o fez agiu sem minha autorização e estão sendo adotadas
providências para que cessem a indevida divulgação)."
Após ser
alvo de críticas e, inclusive, motivar uma representação junto ao Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) para investigar as atividades, Dallagnol
falou sobre o assunto na noite desta quinta-feira a jornalistas, após mais uma
de suas palestras remuneradas, em evento da XP Investimentos, na capital
paulista.
Questionado,
o coordenador da Lava Jato respondeu que "não controla" os valores
recebidos, mas que "foram dadas, segundo informações do próprio hospital,
porque eu não controlava isso diretamente, 12 palestras, que somaram R$ 219 mil
[em doações]. As destinações foram feitas diretamente pelas entidadas
[filantrópicas] para a construção do hospital infantil".
Com um
simples cálculo, considerando que a faixa de valor cobrado pelo investigador é
de R$ 30 mil a R$ 40 mil por exposição, chega-se a um valor de R$ 360 mil a R$
480 mil pelas 12 palestras remuneradas. Assim, entre 45% a 60% de suas
remunerações teriam sido destinadas ao hospital, com a quantias fornecidas pela
agência de palestras.
Controversas
A questão
que deve ser esclarecida pelo Conselho Nacional do Ministério Público, por meio
da representação ingressada por deputados da oposição, Wadih Damous (PT-RJ) e
Paulo Pimenta (PT-RS), nesta terça-feira (20), e a investigação já aceita pelo
CNMP, é se a atividade é ilícita.
O procurador
defende que a atividade de palestras é uma função "legal, lícita e
privada", "autorizada por resoluções do Conselho Nacional do
Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça", mas que, para que
não restassem dúvidas, optou por "decisão própria, voluntária" doar a
maior parte dessa remuneração a uma entidade filantrópica para a construção de
um hospital a crianças com câncer.
Aos
jornalistas, após apresentar palestra no considerado o maior evento da América
Latina para a indústria de investimentos, com preços de entrada a R$ 800 por
pessoa, sem citar o cachê recebido, afirmou que se quisesse
"embolsar" todo o montante, "também não teria nenhum
problema".
O que dizem as regulamentações?
O argumento
do procurador da República traz a tese de que suas palestras e participações em
exposições se caracterizariam como "atividade docente". Para
justiciar a lógica, citou a Resolução 34, de 2007, do Conselho Nacional de
Justiça. O GGN verificou:
CNJ fiscaliza procuradores?
O artigo 4º,
letra A, da resolução estabelece que "a participação de magistrados na
condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador,
debatedor ou membro de comissão organizadora, inclusive nos termos do art. 4º
da Resolução CNJ 170/2013, é considerada atividade docente" (acesse
aqui).
Entretanto,
a referência ao artigo é sobre a aplicação de atividades "desempenhadas
por magistrados em cursos preparatórios para ingresso em carreiras públicas e
em cursos de pós-graduação". Não menciona, especificamente, casos de
palestras em outras instituições que não a do Ensino Superior ou de carreiras
públicas.
Ainda, o
artigo impõe que tais atividades devem ser acompanhadas e controladas pelo
órgão do profissional. "A participação nos eventos mencionados no caput
deste artigo deverá ser informada ao órgão competente do Tribunal respectivo em
até 30 (trinta) dias após sua realização, mediante a inserção em sistema
eletrônico próprio, no qual deverão ser indicados a data, o tema, o local e a
entidade promotora do evento".
Por fim, a
resolução se aplica a magistrados, e não a membros do Ministério Público, que
devem se submeter às decisões do Conselho Nacional do Ministério Público, e não
da Justiça.
O que diz o CNMP?
Como
justificativa, Deltan Dallagnol mencionou também a "resolução do CNMP 73,
de 2011, que trata das aulas". Ao acessar a resolução, logo em sua
introdução, é exposto: "Aos membros do Ministério Público é vedada a
acumulação de funções ministeriais com quaisquer outras, exceto as de
magistério, nos termos do art. 128,II, 'd', da Constituição" (acesse
aqui).
Com o
intuito de justamente aprofundar os limites de atuação de um procurador da
República ou membro do Ministério Público, o CNMP criou a resolução.
Entretanto, na exposta "importância de serem delineados os contornos
objetivos da atividade de magistério" a regulamentação não traz uma linha
sobre palestras ou exposições.
Apesar de
não claramente proibir, as três páginas especificam com precisão o que pode ser
feito por um procurador nessa atividade de magistério: cumprir um limite de 20
horas-aula semanais em "sala de aula", coordenar cursos ou atividades
de ensino, e especificamente acompanhar projetos pedagógicos, formar e orientar
professores, articular o corpo docente da Instituição e orientar projetos
acadêmicos.
Ainda,
estabelece que o membro do Ministério Público só poderá exercer a docência
"fora do município de lotação" em "hipóteses excepcionais"
e quando "se tratar de instituição de ensino sediada em comarca
próxima".
Procuradores
não podem, por exemplo, ocuparem cargos de diretor de Instituições de ensino.
Além disso, o exercício de docência "deverá ser comunicado pelo membro ao
Corregedor-Geral da respectiva unidade do Ministério Público, ocasião em que
informará o nome da entidade de ensino, sua localização e os horários das aulas
que ministrará".
Por fim, o coordenador
da Lava Jato faz referência ao Ato Ordinatório 3, de 2013, do Conselho Superior
do Ministério Público Federal. O texto apenas menciona o preenchimento de um
formulário eletrônico para o CNMP acompanhar "o exercício da atividade de
magistério quando cumulada com as funções ministeriais" (acesse
aqui).
Estabelece
os prazos, como e quando deve ser preenchido o formulário de controle do
Conselho. O artigo 3 dispensa dessa obrigatoriedade "as palestras,
conferências e outras atividades de natureza semelhante quando sua
periodicidade for inferior a 15 dias".
Por outro
lado, ressalta que o tal formulário é uma medida submetida à Resolução 72 do
CNMP, explicada acima, que não traz nenhuma permissão para membros do
Ministério Público de concederem palestras fora do meio acadêmico e de
instituições de ensino, sejam públicas ou privadas.
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Do GGN