No
início da Lava Jato, trouxe aqui algumas previsões óbvias.
A
primeira, que o excesso de poder corrompe. E por corromper não se entenda
apenas o crime da corrupção lato sensu, mas também a onipotência de caminhar
fora das regras.
A
segunda, que à medida em que for terminando a fase de glória, os destroços
viriam à tona, seja para aproveitar os últimos momentos de fastígio, seja pela
percepção do fim da exposição pública.
O
caso recente mais notório do Ministério Público Federal foi a aposentadoria do
Procurador Geral Antônio Fernando de Souza. Para preparar o pós-aposentadoria,
Souza negociou com Daniel Dantas, do Banco Opportunity. Em troca da retirada de
seu nome da AP 470, o “mensalão”, ganhou um enorme contrato de advocacia da
Brasil Telecom, na época controlada por Dantas, que era o principal financiador
do valerioduto.
O
MPF preferiu varrer o caso para baixo do tapete.
Marcelo
Miller, o procurador que atuou para a JBS é filho direto dessa fragilização
ética do MPF.
Peça 1 – entendendo Janot
Não
há nenhum elemento, até agora, que lance dúvida sobre a idoneidade de Rodrigo
Janot, stricto sensu. Assim como outros colegas de MPF, a melhoria substancial
de salário trouxe deslumbramento de novo rico, consumo de bens de status e esse
exibicionismo boboca de se especializar em marcas de vinhos, em mencionar lojas
da moda em Londres e Nova York e comprar ternos em Miami.
Quando
teve início a Lava Jato, era papel do PGR impedir os excessos da parceria
procuradores-mídia, que pudessem ter consequências para a estabilidade do país.
Janot
cumpriu seu papel por pouco tempo.
No
dia 5 de dezembro de 2014, uma capa da IstoÉ – “As
articulações de Janot que podem livrar o governo” – foi o ponto de
não-retorno. Ali, Janot piscou. Depois da capa, mudou o comportamento. Cada vez
mais o controle da instituição passaria a ser conduzido pela tropa barra pesada
da Lava Jato de Curitiba.
Depois
do baque inicial, Janot relaxou e aproveitou. Passou a usufruir das delícias da
onipotência, do vale-tudo sancionado pela mídia, que logrou criar o clima do
“ame-o ou deixe-o” do início dos anos 70, inibindo tribunais superiores e mesmo
as críticas internas da corporação do MPF.
De
repente, em vez de defensores da Constituição, o que se via eram procuradores
em passeatas pelo impeachment, em militância pelas redes sociais, em um
desvirtuamento amplo das atribuições que lhes haviam sido conferidas, do qual o
símbolo mais humilhante foi um Janot, com um sorriso apalermado, carregando o
cartaz “Janot, você é a esperança do Brasil!”.
A
divulgação dos áudios finais da JBS mostra o resultado final dessa leniência
moral, um bom exemplo da imagem real do MPF:
Do
lobista Ricardo Saud, segundo
furo da Veja:
“Cara,
eu vou te contar um negócio, sério mesmo. Nós somos do serviço, né? (A gente)
vai acabar virando amigo desse Ministério Público, você vai ver. Nóis vai virar
amigo desse Janot. Nóis vai virar funcionário desse Janot. (risos). Nós vai
falar a língua deles. Você sabe o que que é?”, questiona Joesley.
“A
língua… domina o país… dominar o país”, completa Saud. Na sequência, Joesley dá
a deixa: “Você quer conquistar o Marcelo? Você já achou o jeito. Cê quer
conquistar o Marcelo? Você já achou o jeito. É só começar a chamar esse povo de
bandido. Esses vagabundo bandido, assim”.
Peça 2 – para entender os últimos
vazamentos
A
entrevista de Janot, ontem à noite, visou exclusivamente limpar sua barra antes
da posse de sua sucessora, Raquel Dodge.
Tudo
indica que infiltrou dois procuradores junto à JBS: Marcelo Miller (que depois
cuidou do acordo de leniência) e Ângelo Goulart Vilela, que foi preso
depois da informação de que recebia pagamento mensal da JBS.
Ocorreu
o mesmo fenômeno que acomete soldados do Exército, quando colocados para
combater o narcotráfico: acabam expostos à corrupção. Aliás, o pior pesadelo de
Janot ainda está por vir, quando Ângelo resolver contar o que sabe sobre seu
trabalho de infiltrado. Ontem, foi em vão a tentativa de Janot de esquentar a
“descoberta” das novas conversas da JBS. Sua tentativa final de tentar
escandalizar a mera menção a Ministros do STF pelos auto grampeados é a pá de
cal em suas pretensões.
É
sintomático que a Globonews tenha dedicado mais espaço à morte de Rogéria do
que ao caso Janot.
Em
defesa de Janot saliente-se que um dos trechos da gravação expõe as negociações
da JBS com ele, mostrando que havia um jogo de pôquer não combinado entre ambos
(clique
aqui).
Há
muitas razões para se prever um pente fino no trabalho de Janot: a própria
Raquel Dodge foi vítima do jogo de Janot com a mídia.
Em
um caso, havia indícios veementes de que aparelhos de escuta pudessem
ter sido colocados em seu gabinete. Em outro, uma armação de Janot com
setoristas do MPF, em uma reunião do Conselho Superior do Ministério Público,
tentando classificar Raquel como inimiga da Lava Jato.
De
qualquer forma, todos esses episódios serão reinterpretados nas próximas
semanas, de acordo com as preferências políticas de cada ano, tendo como grande
foco 2018.
Peça 3 – o jogo com as eleições de
2018
Há
mudanças significativas entre o quadro político-jurídico do impeachment e o de
agora.
O novo velho MPF
A
cada dia que passa amplia-se a reação técnica interna no MPF contra a
politização dos últimos anos.
No
Distrito Federal, o procurador Ivan Marx devolveu credibilidade aos inquéritos,
ao se limitar a analisar as provas dos autos, nas delações de Delcídio do
Amaral e de insistir em analisar operações da JBS junto ao BNDES. Uma no cravo,
outra na ferradura, mostrando que a missão do MPF é se ater aos autos.
Em
São Paulo, uma procuradora exibicionista, frequentadora das passeatas do impeachment,
assumiu o comando da Lava Jato paulista e saiu desfilando pela avenida, dando
entrevistas a torto e a direito. Comprovando que, com todos seus defeitos, São
Paulo não é uma província, como Curitiba, houve uma reação ao seu exibicionismo
e ela acabou por se demitir, com o cargo indo para as mãos de um procurador
discreto e técnico.
São
sinais dos novos tempos trazidos pelo final da era Janot. Mas, também, o fim da
pesada blindagem midiática da opinião média do MPF, que impedia os procuradores
mais críticos de se manifestar.
Não
se espere, portanto, do MPF nenhum lance a mais de corroboração às jogadas
políticas.
O velho novo STF
Há
um jogo extremamente delicado ocorrendo nas entranhas do STF.
Numa
ponta, as estripulias de Gilmar Mendes, que desmoralizam qualquer poder. De
outro o espírito de corpo da instituição que acredita que, abrir a guarda para
qualquer movimento contra Gilmar, significará abrir a guarda para um efeito
dominó que derrubará um a um os demais Ministros.
A
preservação do STF interessa a todos os lados, inclusive aos lulistas. Afinal,
a condenação de Lula pelo TRF 4 é jogo de cartas marcadas. O STJ (Superior
Tribunal de Justiça) dificilmente colocará a mão no fogo. Assim, a esperança de
uma eleição com Lula ainda reside no STF, apesar da enorme incógnita
representada por Luiz Edson Fachin.
É
evidente que o legalismo de Gilmar é de última hora e visa defender os seus.
Mas cria-se esse paradoxo de ter que se defender Gilmar, para preservar o STF,
vendo no Supremo a esperança tênue de voltar a garantir a legalidade. E
sabendo-se que, na hora crucial, chegando ao Supremo, os factoides jurídicos
para boicotar a candidatura de Lula serão manobrados por Gilmar, o Ministro que
desenvolveu a incrível capacidade de se tornar borboleta e voltar a ser larva a
qualquer momento.
A lava jato
Aberta
a caixa de Pandora é possível que comece a vir à tona a história oculta da Lava
Jato e o papel do primeiro-amigo Carlos Zucolotto.
Na
primeira metade dos 2.000, o juiz Sérgio Moro foi alvo de escutas no Paraná.
Enfrentava uma quadrilha barra-pesada, chefiada por Toni Garcia, que chegou a
disputar o governo do Estado. No meio do caminho desconfiou que estaria sendo
grampeado e ordenou a investigação sobre os suspeitos, mas mantendo-se no caso
e com pleno controle sobre as provas levantadas. O procurador era Carlos
Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato.
Terminou
negociando um acordo de delação com Tony Garcia, pelo qual chegou ao advogado
Roberto Bertholdo e aos arapongas. Recuperou seis minifitas com horas de gravação.
Nas fitas, havia apenas grampos selecionados, de interesse dos arapongas:
conversas com procuradores, desembargadores e com o primeiro-amigo Carlos
Zucolotto – o mesmo que recebeu pagamentos do doleiro Tacla Duran. Qual seria o
teor da conversa entre Moro e Zucolotto a despertar interesses dos arapongas?
Moro
ficou até o final das investigações, apesar de parte interessada, e abriu mão
das gravações, alegando que não eram relevantes para a apuração do grampo, já
que o mandante havia confessado e grampeado Bertholdo. Até hoje não se sabe o
teor dos grampos.
Podem
ter sido conversas banais, podem ter sido conversas comprometedoras, mas não
necessariamente sobre atos ilegais.
A
questão é que, assim como no caso do pagamento do doleiro a Zucolotto e à senhora
Moro, o conteúdo das conversas e do contrato foi mantido sob estrito sigilo.
A
velha mídia escondeu o episódio do pagamento do doleiro a dona Rosângela Moro.
Mas a bomba ficou guardada para uso em caso de necessidade.
O fator Globo
A
Globo está atuando em duas frentes para brecar Lula.
Uma,
a frente em vigor, de criminalização de Lula através da Lava Jato. Por isso é
importante, neste momento, a preservação de Moro.
A
segunda, é um movimento de construção de imagem do presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, para a apresentação de uma proposta de reforma política que
jogaria as eleições para 2020.
Por
isso mesmo, há um conjunto de armas na mesa, a serem utilizados pela Globo de
acordo com as circunstâncias, incluindo a possibilidade de ataques aos
Ministros individualmente.
Janot
é mais previsível que o ratinho de Pavlov.
Assim
como em 2015, bastaram algumas publicações e blogs de direita acusarem-no de
petista – como fez o Ministro Gilmar Mendes – para o ratinho reagir
pavlovianamente.
Enfraquecido,
denuncia Lula, Dilma, Palocci, Edinho e o PT como sendo uma organização
criminosa, com um linguajar que não deve nada aos truculentos da Lava Jato. E,
pagando o óbulo, tenta reconquistar o apoio da mãe Globo.
Tão
óbvio e previsível que o nome do arquivo com a denúncia é
"quadrilhãoPT", para Janot provar a Gilmar que não é petista. Perto
desses primários, Gilmar é o próprio Pelé enfrentando o Jabaquara.
GGN