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segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Ministério Público está se apequenando, um anão, por Afranio Silva Jardim para o GGN

Ministério Público está se apequenando. Eu previ e adverti que iríamos chegar a esta situação nefasta. Lamentável. Hoje encontramos textos, nos principais blogs e sites da internet, expondo alguns membros do Ministério Público Federal a críticas contundentes e mesmo ofensas antes inimagináveis.
 Como diz o ditado popular: "estão experimentando do próprio veneno". Buscaram os holofotes e a notoriedade fácil, usaram o processo penal como forma de autopromoção e correram freneticamente para as "famosas" entrevistas coletivas. Voluntarismos e vaidades expostos publicamente.
 Como se sabe, houve uma estratégia muito bem estruturada para convencer a opinião pública de que os fins justificam os meios, vale dizer, para combater a corrupção, temos de usar regras especiais, temos de flexibilizar alguns direitos fundamentais da cidadania. Foram feitos “acordos” com os principais meios de comunicação de massa para respaldo de suas atividades persecutórias, algumas de legalidade altamente questionáveis.
Na verdade, este sistema de publicidade saiu do controle e acabamos passando do chamado “processo penal do espetáculo” para o “processo penal da humilhação”, do qual foi vítima o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina. A sede de poder levou alguns jovens Procuradores da República a tentar influenciar o nosso processo legislativo e até mesmo  julgamentos do STF. Deslumbramento total e ingênuo.
 Ademais, o Ministério Público Federal busca amplos poderes discricionários em nosso sistema de justiça criminal, chegando a aplicar, em nosso país, institutos processuais e teorias jurídicas norte americanas, totalmente incompatíveis com nosso sistema processual  (civil law), numa ousadia sem par.

Agora, quando as "coisas" começarem a ficar esclarecidas, estes Procuradores voltarão ao merecido anonimato, deixando sequelas indeléveis para a nossa Instituição. O Ministério Público virou um "monstro", amado por uns e odiado por muitos. Ele passou para um lado ideológico da nossa sociedade.
Chegamos ao ponto de o Conselho Superior do Ministério Público resolver legislar sobre o Direito Processual Penal, criando um sistema processual paralelo ao que está disciplinado no atual Código de Proc. Penal (veja a resolução 181/17). Através de uma mera resolução, procura-se introduzir, em nosso sistema processual, a insólita e temerária “plea bargaining”, própria do sistema da “common law”.
O voluntarismo juvenil de alguns membros do Ministério Público, resultante, um pouco, de falta de cultura e formação social e política, está "afundando" esta importante Instituição. Não vamos perdoá-los, pois dedicamos 31 anos para ajudar a consolidação de um Ministério Público verdadeiramente democrático.
 Lamentavelmente, o fanático corporativismo das entidades de classe impediu que este nefasto rumo fosse objeto de debate e crítica. Ao contrário, mal representado, o Ministério Público permaneceu cego a esta realidade. Faço expressa ressalva ao nosso “Coletivo Transforma Ministério Público", que jamais compactuou com este deletério estado de coisas. Eu avisei. Eu adverti. Até tivemos Procurador da República preso preventivamente e Procurador Geral da República em situações embaraçosas. Em breve, infelizmente, teremos sequelas no plano legislativo. Acho que, mudando o que pode ser mudado, o que dissemos sobre o Ministério Público vale também para o Poder Judiciário, que caiu em total descrédito da opinião pública, graças ao seu desmedido ativismo judicial. Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Proc. Penal pela Uerj. Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
GGN

segunda-feira, 20 de março de 2017

A PF e a briga por holofotes, a carne é fraca não resiste uma câmera

A carne fica fraca mesmo é quando vê os holofotes, por Lenio Streck*
O jurista Lenio Streck avaliou como um erro a conduta da Polícia Federal ao anunciar, com estadarlhaço, a operação Carne Fraca, que investiga esquema de pagamento de propina para burlar a fiscalização do Ministério da Agricultura em empresas produtoras de carne.

Nesta segunda (20), três dias após a notícia se espalhar por jornais de todo o mundo, os produtos brasileiros já foram bloqueados na China, Coreia do Sul, Chile e está sob ameaça na Europa.

Para Lenio Streck, se a PF continuar achando que operações desse tipo estão fazendo bem ao País, vai acabar como o Rei Pirro: quebrado em função de suas próprias vitórias inúteis.

No Conjur
Para introduzir o tema, lembro um fato bizarro. Em batalha que venceu em 280 AC, o Rei Pirro disse, respondendo a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória: "Mais uma vitória como esta e estarei arruinado completamente". E disse isso apontando para o que restou de suas tropas.

Pois no Brasil parece que logo chegaremos a uma etapa pírrica (é pírrica e não pirrônica, que é outra coisa) das operações com nomes fantásticos da Policia Federal autorizadas pela Justiça. Cá para nós, há exageros midiáticos que correm o risco de serem pírricos. Não gosto de teorias conspiratórias, mas já passamos por isso em relação ao café e às febres suínas e coisas do gênero. Querem ver? A Polícia Federal — claro que com ordem judicial — encontrou problemas em 21 unidades produtoras de carnes, num total de quase cinco mil empresas (unidades de produção), e suspeita de crimes praticados por 33 servidores, num universo de 11 mil funcionários do Ministério da Agricultura.

Resultado: pelo estardalhaço e a generalização feita, a imagem do país ficou comprometida, a ponto de o presidente da República reunir gente no domingo buscando acalmar os mercados internacionais. Dizem até que ofereceu churrasco feito com carne argentina. Mas não é disso que quero tratar.

Trago à colação o que pensa o setor agropecuário disso, nas palavras de Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura, que disse: Não dá para a gente generalizar e vender a imagem de que tudo é ruim, de que tudo é corrupto, corrompido e corruptível. Para abrir mercado lá fora, a média tem sido de quase dez anos de luta. A maior injustiça do mundo é jogar na lata do lixo todo esse trabalho, denegrindo o esforço de muitos durante décadas.

Disse mais: somos os maiores exportadores de carne bovina. É um absurdo nivelar tudo, generalizar, vender a ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é podridão, é errado, nada está na conformidade da lei. Quando é justamente ao contrário: somos o país que tem a melhor biosseguridade.

Parece que, com exceção da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Poder judiciário, há uma quase unanimidade de que houve exagero (ver também aqui: criminalista vê irresponsabilidade nas acusações à carne brasileira) . Pergunto: por que precisa haver entrevista coletiva? Por que divulgar diálogos resultantes de escutas telefônicas, se a lei não permite essas divulgações? Não entendi também por que foi possível interceptar o ministro da Justiça (na ocasião da intercepção, era deputado federal). Ele não tinha foro por prerrogativa de foro? Como divulgaram a sua fala? Parece que a divulgação ilícita de interceptações fez e faz escola. Já não aprenderam suficiente com o episódio das escutas da ex-presidente Dilma, do ex-senador Demóstenes, tudo anulado pelo Supremo Tribunal Federal?

Depois do famoso power point, parece que há uma disputa para ver quem faz mais pirotecnia. Falta só ter trilha sonora, tipo Cavalgada das Valquírias ou Crepúsculo dos Deuses como abertura da coletiva. Imaginemos que isso vire regra e as generalizações também. Se alguns policiais forem pegos em uma operação, vale uma entrevista coletiva colocando toda a polícia na berlinda? Se pegarem juízes ou promotores envolvidos em irregularidades, vale fazer coletiva colocando todo o Poder Judiciário e o Ministério Público sob suspeita? Alguns jogadores são pegos no antidoping. Vale colocar na berlinda a lisura das disputas do Campeonato Brasileiro, a maior competição do mundo?

Se a resposta é não — e, para mim, é, efetivamente, “não, não pode fazer isso” — então também a Polícia federal não poderia ter feito o noticiamento dessa operação “carne fraca” desse modo. Parece que a carne é fraca mesmo diante de holofotes e exclusivas na GloboNews, para o gáudio dos filósofos brasileiros-alemães Birbaum (Pereira) e Kabina (Camarote).

Cuidemos para que não repitamos o “vitorioso” Rei Pirro. Temos de vencer, mas sem perder as tropas. Não precisamos jogar fora a criança junto com a água suja. Sim, o Brasil pode até ser uma chinelagem. Mas é meu país. É nosso país. Como na anedota: a mulher diz para a vizinha — sim, comadre, sei que meu marido é tudo isso que você diz; mas é meu. Em minha casa eu e ele resolvemos isso (usei o exemplo ao contrário do que se fala no imaginário popular, para evitar ser acusado de sexismo — hoje em dia isso pode dar coletiva).

Nosso sistema de fiscalização de carnes está com problemas? OK. Mas em que grau? Podemos generalizar isso, com pi(r)rotecnia, a ponto de prejudicarmos o país no mercado internacional? Pirro rima com pi(r)rotecnia.

Imaginemos uma entrevista coletiva contando quantas mortes ocorreram no final de semana nas capitais. Nem isso deve ser generalizado, embora os números assustem. Caso contrário, fizéssemos um power point disso, ninguém mais viria para o Brasil. E nós mesmos fugiríamos para as montanhas. E estocaríamos comida. Gente: vamos tocar o país para a frente.

Nota: agora, segunda-feira (20/3) à tarde, uma TV italiana, em programa de culinária, tirava onda com a carne brasileira. Estamos na boca do mundo; mientrastanto que escrevia este texto, fiquei sabendo que o Chile cancelou as importações de carne; e a União Europeia não quer carne dos frigoríficos listados na operação. Fora outras defecções. Bingo.

Como diz o Rei Pirro...

Com informações do GGN, por Lenio Luiz Streck, jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.