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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

XADREZ DA GRANDE BATALHA CIVILIZATÓRIA, POR LUIS NASSIF

PEÇA 1 -  2018 E 1968
Em 1964, derrubou-se um presidente da República e promoveu-se uma eleição indireta que resultou na posse do Marechal Castello Branco. Do mesmo modo, em 2015 houve outro golpe que derrubou uma presidente eleita.
As semelhanças entre os dois momentos foram desautorizadas por quem comparava 2015 com 1968. No pós-68 houve tortura, agora, não. A comparação, na verdade, é com 1964. Sem 64, não teria havido 68 e os demais anos de chumbo.
Derrubado o governo, foram promulgados vários Atos Institucionais, em uma escalada crescentemente repressiva. O primeiro, de 08/04/1964, dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar leis legislativas, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra “a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública”.
A ideia inicial era permitir eleições diretas em 1966 e uma nova Constituinte.
Em 27/10/1965 foi promulgado o AI-2 dissolvendo os partidos políticos, aumentando de 11 para 16 o número de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), reabrindo as cassações e autorizando o governo a decretar estado de sítio por 180 dias sem consultar o Congresso.
Em 05/02/1966 é promulgado o AI-3, instituindo eleição indireta para governador, prefeitos das capitais indicados pelos governadores.
Em 07/12/1966, o AI-4, convocando o Congresso Nacional a definir uma nova Constituição.
No dia 13/12/1968, o AI-5, concedendo ao Presidente da República o poder de cassar mandatos, intervir em estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer pessoa, inclusive o direito ao Habeas Corpus para crimes políticos.
No dia 01/02/1969 o AI-6, reduzindo de 16 para 11 o número de Ministros do STF e cassando dois deles, que haviam se colocado contra a cassação de um colega. Definiu também que os crimes contra a segurança nacional seriam julgados pela justiça militar. Com base dele, houve inicialmente uma lista de 33 cassações de deputados.
PEÇA 2 – O QUADRO ATUAL PRÉ-68
Há um conjunto de fatores sugerindo que se entrou na fase pré-68.
As listas e a deduragem
Na semana passada, a criação da Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil – entendido como tudo que possa comprometer a segurança nacional – foi indicativo óbvio do que será feito. Tratei o fato como o AI-1 do novo regime
Ontem, em seu discurso para os manifestantes da Avenida Paulista, Bolsonaro anunciou que MST e MTST, entre outras organizações, serão tratados como organizações terroristas em seu governo.
Um dos capítulos mais infames do período militar foram as listas de suspeitos difundidas por jornalistas, intelectuais, professores, contra seus próprios colegas, e que teve como personagem-símbolo Cláudio Marques, o delator de Vladimir Herzog.
Ontem, em sua coluna do Estadão, Eliana Cantanhede inaugurou formalmente a nova etapa Cláudio Marques, ao divulgar uma lista de diplomatas “suspeitos” de contaminação esquerdista. Outros colegas a acompanharão.
Saliente-se que apenas repete o que grandes veículos fizeram anos atrás com jornalistas que ousavam fazer o contraponto.
A naturalização da violência
Em muitos veículos tenta-se minimizar a violência, comparando-a a dos embates entre torcidas de futebol, mesmo estando disseminada por todo o país.
Instituições intimidadas
Outro indício claro é a intimidação das instituições. O filho do candidato a presidente Jair Bolsonaro diz que para fechar o STF (Supremo Tribunal Federal) basta um cabo e um soldado. Dois Ministros de manifestam em on – Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Os demais reclamam em off, justificando a necessidade de apenas uma voz por todos, a do presidente da casa, Dias Toffoli. Fontes ligadas a Toffoli avisam que ele prefere não se manifestar para não colocar mais lenha na fogueira. Na verdade, a manifestação ajudaria a jogar água na fervura, mas o bravo Toffolli ficou com receio de ser atingido por algum respingo de água quente.
Celso de Mello alertou para o óbvio: é função da Constituição assegurar que o poder de maiorias eventuais não se sobreponha aos princípios da lei e aos direitos individuais. Aliás, foi o princípio central de determinou a evolução de todas as constituições no pós-guerra, depois que se comprovou que os nazistas se valeram dos instrumentos democráticos para compor uma maioria que liquidou com a democracia, e que consagrou o papel do STF como contra majoritário – isto é, contra eventuais ditaduras das maiorias (e obviamente das minorias).
Nos últimos anos, no entanto, o STF – através de Luís Roberto Barroso e Luiz Fux – se tornou o defensor da máxima de que o tribunal deve atender às expectativas das maiorias. O constitucionalista Barroso se tornou o principal propagandista do princípio que impulsionou o nazismo.
Ontem à tarde, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro disse pelo telão que, eleito, mandará prender ou expulsar do país todos os esquerdistas e mandará prender políticos da oposição. Não mereceu uma admoestação sequer da Procuradoria Eleitoral, pelo claro desrespeito à ordem legal.
Por outro lado, pesquisas internas do PT identificaram nos programas denunciando a tortura o discurso mais eficaz contra Bolsonaro. Mas o TSE suspendeu a veiculação dos programas que levantavam o tema.
PEÇA 3 – A GUERRA DIGITAL
Há muitos pontos em comum na atual guerra digital com o que ocorreu na época da Telexfree, a super pirâmide digital que deixou mais de um milhão de vítimas no Brasil e arrecadou alguns bilhões de reais dos incautos. Fui alertado para a coincidência após uma ameaça feita pelo Facebook por um ex-vendedor da Telexfree, sugerindo que seu principal líder no país, Carlos Costa, teria se acertado com Bolsonaro - provavelmente confundindo com o economista homônimo.
Não se trata apenas do uso da informação em massa pelas redes sociais – na época, a Telexfree usava uma metodologia eficaz para aparecer na primeira página das pesquisas do Google -, mas também de interferir no funcionamento de portais e blogs e até nos computadores pessoais dos jornalistas e blogueiros visados. Aqui, no GGN, temos sofrido ataques similares de DDoS e interferência nos computadores dos jornalistas. No primeiro turno, conseguiram inviabilizar compartilhamento de artigos no Facebook.
A montagem da rede de Bolsonaro é trabalho antigo. Há mais de dois anos era visível o trabalho em rede. A cada crítica feita à Lava Jato apareciam enxames de bolsominions com um mesmo padrão de texto: caixa alta, erros grosseiros de português e agressividade explícita, usando principalmente o Facebook e o youtube. Mas com uma capacidade notável de ataques sincronizados. No Twitter, a atividade maior sempre foi através de perfis falsos – facilmente identificados pelo reduzido número de seguidores e por uma numeração no nome, para facilitar a criação de novos perfis, sempre que os anteriores fossem bloqueados.
Pouco antes, na véspera da reportagem da Folha sobre fakenews, o Procurador Geral Eleitoral Humberto Medeiros minimizava o fenômeno: apenas 10% das mensagens do WhatsApp são em grupo, dizia ele. Dois dias depois, depois que o caso se tornou escândalo mundial, o WhatsApp desabilitou 100.000 contas suspeitas de propagar fakenews.
Só aí Medeiros trouxe informações de sua conversa com os diretores do WhatsApp. No México e Índia ocorreram fenômenos semelhantes e a empresa criou aplicativos permitindo identificar as notas mais compartilhadas, enviá-las a agências de checagem e transmitir a contra-informação para toda conta que recebeu a notícia falsa.
Ou seja, o fenômeno já havia se espalhado por vários países, havia literatura sobre o tema e um tribunal que deverá custar R$ 10 bilhões no próximo ano, sequer se preocupou em contratar estudos ou especialistas para se preparar para enfrentar o fenômeno. Menos ainda os partidos políticos vítimas, desde 2006, desse tipo de armação digital.
PEÇA 4 – A REDUÇÃO DE DANOS DAS INSTITUIÇÕES
Em Brasília, há dois movimentos generalizados das instituições: ou adesão a Bolsonaro ou política de redução de danos. Significa fugir dos confrontos com os hunos, aprofundar a aproximação com o Estado Maior das Forças Armadas, confiando que irá se comportar com mais racionalidade que Bolsonaro, principalmente porque a proliferação das declarações violentas, e a adesão de quadros militares a Bolsonaro, poderão colocar em risco, inclusive, a hierarquia militar.
A única reação, portanto, será através do voto.
PEÇA 5 – A GRANDE LUTA CONTRA A SELVAGERIA
A pesquisa CNT/MDA divulgada hoje mostra o seguinte quadro:
Intenção de voto para presidente (total):

  • Jair Bolsonaro (PSL): 48,8%
  • Fernando Haddad (PT): 36,7%
  • Branco/Nulo: 11,0%
  • Indeciso: 3,5%.
Nos últimos dias multiplicaram-se as declarações do grupo de Bolsonaro sobre o que poderá esperar o país em caso de sua vitória.
Todo o quadro, explicado acima, poderá se concretizar, ou ser evitado. Nos próximos dias haverá uma luta dantesca da civilização contra a barbárie. Há sinais de que a onda Bolsonaro estabilizou e começa a recuar, ainda que lentamente. O grande desafio será o de aprofundar o conhecimento geral sobre Bolsonaro.
Se a esperança vencer o medo, será possível evitar o mais profundo retrocesso civilizatória da história do país.
GGN

sábado, 30 de dezembro de 2017

Um balanço de 2017, por Leonardo Avritzer

Um balanço de 2017. O ano não foi um bom ano para as forças de esquerda na medida em que a derrota de 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff se transformou em políticas que afetaram profundamente a vida da população. A PEC 55 de dezembro de 2016 ainda não mostrou todos os seus efeitos deletérios mas eles ainda irão se manifestar. A reforma trabalhista já mostra a que veio, permitindo dispensas e recontratações que irão rebaixar os salários da parcela da população que tem uma inserção mais precária no mercado de trabalho.
Ainda assim, é possível afirmar que 2017 foi melhor do que 2016. A reação às políticas conservadoras está disseminada em todos os espaços, da reação a Temer à crítica a Lava Jato. As forças conservadoras que se utilizam destes dois instrumentos, uma maioria conservadora em um congresso completamente tomado pela corrupção e a ação da Lava Jato tentando redefinir os espaços políticos encontraram forte reação em 2017. A Lava Jato não é mais o que era, mas não está ferida de morte. Sofreu diversas derrotas, algumas impingidas pelo próprio governo Temer e outras pelo STF através de Gilmar Mendes. Eles não tem o mesmo apoio na PGR e encontram problemas na manutenção do método condução coercitiva mais prisões preventivas para forçar a delação. Tudo indica que o fim da Lava Jato está próximo e ocorrerá e 2018, ainda que os danos estejam aí e nós teremos que conviver com eles por um longo período.
No campo da esquerda algumas vitórias importantes já se manifestam. O aumento da identificação com o P.T. que havia caído de quase 30% para 8%, agora está em 20% mostrando uma forte recuperação. Mas o mais importante é a queda da rejeição ao ex-presidente Lula especialmente nas classes A e B que mostra um mudança de postura das classes médias no Brasil que parecem ser no campo da opinião a força decisiva. Eu ainda apontara com importante avanço no campo da esquerda a influência e o espaço midiático conquistado por Boulos e pelo MTST. Toda esta recuperação mostra que a política de resistência do governo federal no período Dilma Rousseff esteve equivocada nas duas principais questões que pautam esta conjuntura desde 2013, a economia e a questão jurídica. Dilma errou nas duas, na maneira como tentou realizar o choque econômico ortodoxo e na maneira como deixou de tentar influir na Lava Jato negando a sua politização. A reação à estas duas forças sem a presença no governo está se mostrando mais profícua do que no período anterior por que tem se concentrado na esfera pública e nas mídias sociais e tem permitido uma recuperação de hegemonia política.
A grande incógnita de 2018 é o poder judiciário. Desde 2012, o poder judiciário assumiu uma nova configuração na sociedade brasileira. Ativo em todas as questões, decide sobre tudo e se pronuncia sobre tudo, ao mesmo tempo que acumula privilégios corporativos inconcebíveis. Tudo indica que o auge desta nova postura irá se manifestar em 2018, mas é possível que auge e decadência ocorram simultaneamente. O judiciário se tornou 11 ilhas completamente independentes entre si e estas ilhas se enfrentarão violentamente em 2018, principalmente o grupo liderado por Gilmar Mendes e o grupo liderado por Luis Roberto Barroso. Todos os dois grupos desgastam o poder judiciário com a sua atuação e começam a receber fortes críticas na mídia e na opinião pública (vide editorial do Estadão desta semana criticando Barroso). A chave da conjuntura continua residindo no mesmo lugar de sempre, na recuperação de uma proposta política progressista que conte com o apoio de um centro que sumiu da política brasileira desde que Aécio Neves e Eduardo Cunha se juntaram para contestar o resultado eleitoral e derrubar a presidente eleita. As forças de esquerda para se recuperarem precisam ter um candidato presidencial viável, mas principalmente uma representação mais forte no Congresso que impeça a farra de emendas constitucionais conservadoras e que permita uma afirmação do sistema politico frente ao poder judiciário. Somente esta nova configuração poderá recolocar o país no rumo de uma política democrática.
GGN