Movimento
1 – o golpe
No começo, a elite
civil prepara o campo para a desestabilização do sistema elegendo a figura do
inimigo, o PT. Há o primeiro teste no mensalão. Depois, entra-se no jogo
decisivo, adiado pelo bom momento da economia.
Quando a situação
econômica piora, Judiciário e Ministério Público definem a melhor estratégia
para tornar a Lava Jato uma operação irreversível. Consiste em investir sobre a
linha de menor resistência, mirar um alvo que garanta a montagem de alianças
com as estruturas de poder.
São varridos para baixo
do tapete os indícios contra próceres tucanos, mercado financeiro, mídia e
Ministros de tribunais superiores. O foco se concentra em Lula, no PT, em
alguns peemedebistas mais notórios e no arco de alianças desenhado pelo projeto
PT de poder, que tinha nas empreiteiras os maiores parceiros.
Movimento
2 – a falta de elite e de projetos
Monta-se uma verdadeira
legião estrangeira em favor do golpe. Participam dela tropas das corporações
públicas, do Judiciário, bilionários que saem às ruas como cidadãos comuns,
cidadãos comuns que saem às ruas como linchadores habituais, e linchadores que
saem às ruas armados de suas prerrogativas de magistrados e procuradores
amparados por manchetes escandalosas. A bandeira única que os une é a eliminação
definitiva dos inimigos.
A elite civil participa
da conspiração, mas não assume a liderança, não conduz, é conduzida.
Contenta-se com sua parte no butim, colocando na área econômica um gtupo de
xiitas sem noção, disposto a mudar a realidade com a força da fé.
Conquistado o poder, o
que fazer? Parte-se para o desmonte do modelo anterior sem nenhum projeto
alternativo de país. Em vez de aprimoramentos necessários, liquida-se com a
legislação trabalhista. Em vez de gestão fiscal responsável, monta-se o
monstrengo inviável da Lei do Teto. Tenta-se a fórceps uma reforma da
Previdência cuja conta recai inteiramente sobre os empregados do setor privado.
Sufoca-se a economia com uma política fiscal irresponsável porque a guerra
contra o inimigo não permite questionamentos intra-tropa e a fé não costuma
falhar.
Mas e a ideia
mobilizadora, e a voz de comando capaz de aglutinar a legião dos vencedores em
torno de programas políticos viáveis, impondo um mínimo de ordem na bagunça?
Nada. Porque a elite nacional é apenas um mito, desde os tempos mercantilistas
aos anos da financeirização.
Movimento
3 – a Ditadura das corporações
Sem um general
comandante, derrubada a cidadela adversária as tropas assumem o comando.
Sobre os escombros da
economia, TCU, AGU, MPU, e todos os Us de Brasilia, negociam entre si a divisão
do butim, quem pode punir, quem pode conceder, quem pode perdoar, quem negocia
a delação, quem garante o acordo de leniência.
O Brasil improdutivo
assume o controle do Brasil real, e tropas sem oficiais tomam as rédeas nos
dentes enquanto um empresariado invertebrado, sem noção de projeto, paga a
conta junto com seus trabalhadores.
O melhor exemplo desse
comando difuso, aliás, é o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Aliado do
golpe, Barroso preencheu o universo midiático com chavões sobre o
empreendedorismo, sobre um Estado menor. Em nome desse sonho neliberal,
avalizou a Lei do Teto, com todas as implicações sobre as políticas sociais e
os direitos básicos do cidadão. Não se gasta mais do que no ano anterior
corrigido pela inflação.
Na hora de discutir o
reajuste dos proventos de Ministros do STF, não vacilou: votou a favor dos 16%
de reajuste, mesmo sabendo do impacto sobre toda a cadeia de benefícios do
serviço público. O que significa? Que as figuras públicas que, tal como as
birutas de aeroporto, seguem o caminho dos ventos, estão identificando um vento
mais favorável aos seus projetos pessoais: em vez do mercado, o Partido do
Judiciário.
Movimento
4 – histórias de promotores
E aí se ingressa na
pior das ditaduras, que é a o dos centros difusos de arbitrariedade. Em
qualquer cidade do país, um promotor pode se dizer investido do poder divino e
providenciar Justiça com as próprias mãos. E esse poder está sendo utilizado
sem nenhum discernimento, inclusive contra membros das próprias corporações que
não se alinham com o golpe.
Em Recife, o promotor
da Vara de Execuções Penais Marcellus Uglete, considerado um garantista
(solicitou a interdição de vários presídios), foi denunciado por colegas com
base em indícios frágeis - grampos em advogados em que seu nome foi apenas
citado - e se tornou alvo de uma operação de busca e apreensão. Os invasores –
policiais civis comandados por um colega de Marcellus – sequer esperaram que
ele abrisse a porta. Teve a casa arrombada na presença de três netos, dois
filhos, a esposa e o irmão.
Em Niterói, um
comentário em rede social feito pelo Policial Federal Sandro Araújo, criticando
a operação que levou ao suicídio o reitor da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) motivou uma denuncia da Associação Nacional dos Delegados da
Policia Federal.
Disse o policial:
“Minha prece hoje é por Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Reitor da UFSC que
tirou a própria vida após ser preso de forma INJUSTA, ARBITRÁRIA e EQUIVOCADA
pela Polícia Federal. A responsável pelo ERRO CRASSO não foi tocada e segue com
sua carreira”.
No Paraná, uma parceria
entre juízes federais e PFs impõe uma sucessão de condenações pecuniárias
contra blogs que ousam questionar a atuação de policiais.
E não se para nisso.
Em Belo Horizonte, o
dono de uma rede de supermercados foi intimado por um jovem promotor de
direitos do consumidor a dar explicações para os critérios utilizados em um
concurso que premiou a melhor frase sobre o aniversário da empresa. A intervenção
do promotor foi motivada por um competidor, que se sentiu lesado na competição
e apresentou, em sua defesa, um livro de poesias de rimas mancas de sua
autoria.
Abusos como este estão
pipocando por todo o país. E a única resistência visível reside no contraditório
porém destemido Ministro Gilmar Mendes.
Movimento
5 – um ciclo sem prazo
Vai piorar antes de
melhorar, porque se trata de um processo sem objetivos, de uma tropa sem
comando, de um arquipélago de poderes individuais sem a ação coordenadora das chefias
e lideranças, e de um poder sem projeto. O que os move é apenas o exercício do
poder individual pelo poder e a defesa dos interesses corporativos.
Há um cenário possível
para as próximas eleições: uma final entre o candidato do PT e Bolsonaro. Nessa
hipótese, o risco Bolsonaro seria um fator catalisador maior do que o medo PT
da classe média. Portanto, havendo essa composição no segundo turno, há a
probabilidade concreta de vitória do candidato de Lula.
Aí, talvez, o mercado
se dê conta de que a fonte de todos os males não são as migalhas distribuídas
aos mais necessitados, mas o cheque em branco entregue às corporações de
Estado.
Do GGN