Defender o
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva é tarefa árdua. É atrair para si a lama
que há tempos atiram contra ele. Seria mais cômodo endossar a demonização
promovida pela dita grande mídia contra ele. É o que se tem feito, até por
parte de muitos que se beneficiaram daquela lama.
Sistema
podre (“Sempre se soube”), por conta disso ou daquilo, foi possível formar ou
acumular grandes riquezas, legislar em causa própria, se beneficiar de Proer e
similares, conquistar anistias e perdões fiscais. Dos pixulés aos agrados de
gaveta e contas em paraísos fiscais, como poderia o “Trem Brasil” caminhar sem
aquela locomotiva? Numa sociedade movida a pedágio, como alguém poderia alguém
transitar de graça? Portanto, nenhuma surpresa. O resto é moral hipócrita, mas
parece estar fora do contexto.
Com alguma
frequência, o ex-presidente Lula destacava ser “preciso mudar a forma de se
fazer política nesse país”. Com igual ênfase, sempre apregoou a necessidade de
financiamento público de campanhas. Portanto, se não sabia como o “Trem Brasil”
trilhava, pelo menos presumia com qual combustível. Suas falas, porém, seriam
ou são nítidos sinais de um não endossar a forma de lubrificar a engrenagem.
Eis que, “sempre se soube”, não daria para entrar na lama do sistema e dela sair
limpo e cheiroso. Até numa guerra pela paz derramar sangue é inevitável.
Permito-me, pois, ainda que também fora do contexto, essa leitura romântica
sobre “Jararaca viva”. É dela que vem a coragem de defender o ex-presidente
Lula.
O contexto é
o interrogatório de Lula. Convenhamos, ficou muito antipática aquela história
de “senhor ex-presidente”. Parece haver ruídos no protocolo, mas isso
verdadeiramente não vem ao caso.
Entremos nas
generalidades, pois o juiz Sérgio Moro disse querer contextualizar e tinha a
obrigação de fazer perguntas. Sem direito a contextualizações, o réu poderia
responder ou não. Moro quis contextualizar as coisas ao seu modo e não queria
que o réu se queixasse da imprensa. Entretanto, fez várias perguntas sobre
entrevistas concedidas por Lula à imprensa. Moro sabia que o que ali estava
fazendo tinha tudo a ver com a imprensa municiada pela Farsa Jato. Sabia também
que o clima de mídia forçou a aceitação da denúncia. Uma vez aceita, era
preciso seguir o ritual da lei (ouvir o acusado).
A acusação
foi pública em razão da pessoa, como disse Moro. Mas, a defesa não poderia ser
pública (feriu pesos e contrapesos de um Estado de Direito?). Dar publicidade
seria abrir exceções à regra. Mas, fazer interpretações elásticas ou restritas
são exceções permitidas, pois servem para acusar (?). Recorrer à imprensa só
vale para acusar ou para contextualizar a acusação (?). Criticar a imprensa
pelo mesmo motivo pró-defesa não serve(?). O fato é que ao negar, Moro diminuiu
o impacto do vexame. Já pensou o Zé Povinho, lá no meio do mato, ouvindo Lula
dizer “eu quero saber da prova e do crime que cometi”?
Quem
esperava um Lula acuado se surpreendeu com sua objetividade, serenidade,
altivez, segurança, firmeza, dignidade. Olho no olho, o “analfabeto” não se
acovardou diante de papeis sem assinatura, que poderia até já ter ou não visto.
Papeis, aliás, que Sérgio Moro sabe nada valer. Quando muito, sob a perspectiva
do direito, corresponderiam aos tais “atos preparatórios”, que pela lei e
pacifica jurisprudência, só são puníveis quando inerentes ao tipo penal. Por
exemplo, petrechos para falsificação de dinheiro é crime, mesmo que a
falsificação não ocorra. Assim, a intenção de compra, ainda que verdadeira e
criminosa fosse, não se consumaria com formulários sem assinatura. Mas, Moro
tinha a obrigação de perguntar. Foi com base neles que aceitou a denúncia.
Sérgio Moro
queria contextualizar. Mas queria a seu modo, sob a perspectiva da acusação. Se
imparcial, o faria também sob a óptica da defesa (outro prato da balança da
deusa Themis). Lula contextualizou, ao lembrar que ali estava por haver dado
meios para a Farsa Jato atuar e “não me sinto vítima disso”. Ainda que assim o
tenha dito, aquele réu é, sim, vítima. E da pior forma, pois não tem estado
diante da lei em si, mas sim da leitura torpe, tirana, raivosa e política da
comoção midiática. A Farsa Jato padece do drama das teses acadêmicas malfeitas:
o autor tem uma conclusão e depois sai em busca de justificativas para ela. Mas
isso não vem ao caso.
“Sempre
se soube”. A culpa vem por presunção. Daí soar natural que numa explosão de
espontaneidade, o réu figurativamente tenha contextualizado: sua mulher já deve
ter saído pra comprar sapato, provar trinta e não comprar nenhum (olhei um
‘tripex’, não gostei, não comprei). Disparou pérolas do gênero, o senhor se
sente culpado por haver quebrado empresas nacionais e haver desempregado
milhares de trabalhadores? E disse mais que “Ninguém sabia... Nem eu, nem a
imprensa, nem o senhor, nem o ministério público e nem a PF. Só ficamos sabendo
quando grampearam o Youssef”.
Pela lei, o
interrogatório não era para ter nada de novo e não teve. Tudo já havia sido
dito e contextualizado pela imprensa. Só faltava a explicação pública e formal
do réu. Mas, a imprensa, que para Moro não vem ao caso, criou a expectativa
nacional sobre o novo, que só poderia ser a prisão que não houve.
Moro queria
contextualizar e um detalhe foi esquecido: se o Partido dos Trabalhadores é uma
quadrilha, outra já está no poder. Pior, a quadrilha pronta para dar o bote
2018 tem como cartão de visita uma foto ao lado próprio Moro. Mas isso também
não vem ao caso.
Armando
Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia
Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
Do GGN