Calando-se,
ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na
defesa de suas próprias prerrogativas.
Primeiro,
incutiram o ódio. Foram anos e anos de campanha negativa, criminalizando todos
os atos, criando versões conspiratórias de todas as políticas.
Depois,
trataram de jogar a autoestima brasileira no seu nível mais baixo, naquele que
deveria ser o momento mais alto de celebração nacional, uma Copa do Mundo.
Antes
disso, tinham levado a disputa política para outro campo, o da Justiça,
embriagando o Ministério Público com o porre da celebrização, transformando
jovens imaturos em heróis nacionais, entregando o poder a um juiz ambicioso,
inescrupuloso até a medula, e pressionando um Supremo temeroso a ponto de
esquecer de suas obrigações constitucionais.
Depois,
convocaram as multidões para as ruas, bradando discursos de ódio. Cometeram,
contra si próprios, a pior das autoimolações: desacreditaram a essência do seu
trabalho, as informações, os conceitos, os pactos que regem sociedades
civilizadas, a própria Constituição e as leis, valores que legitimavam sua
missão em ambientes democráticos.
Apelaram
para fakenewssem fim, as invasões das FARCs, os dólares em garrafas de
rum, os lobistas com narrativas improváveis. Aliaram-se a organizações
criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira, montaram parcerias com grampeadores
e procuradores inescrupulosos. E recorreram ao jogo recorrente de manipulação
da informação, juntando informações verdadeiras – o vasto e histórico esquema
de corrupção política que existia -, como âncora para toda sorte de teorias
conspiratórias e de ataques seletivos aos adversários. Ao usar a corrupção como
instrumento político seletivo, foram corruptos, e eles sabem disso. Esse é o
drama.
E
os céus amaldiçoaram a mídia e os que implantaram o terror, o ódio fratricida e
abriram as jaulas para a selvageria, julgando que, com o chicote e as cenouras,
com os quais influenciavam o país institucional, manteriam o país selvagem sob
controle.
Os
bárbaros ajudaram a trucidar o governo deposto e não mais pararam. Primeiro,
tomaram da mídia o controle sobre as informações, com suas redes de WhatsApps,
e estratégias de viralização montadas por consultores internacionais, muito
mais eficientes.
Criaram
seu próprio público, cortando o cordão umbilical com a mídia, se apropriando do
discurso de ódio com muito mais propriedade do que a geração inicial de
cronistas do ódio, uma mescla de cronistas culturais, novos e velhos
jornalistas tentando se reciclar, atendendo à demanda da mídia, visando atrair
e instrumentalizar o sentimento de ultradireita que emergia globalmente. Com
todas as regras civilizatórias e sociais revogadas, os almofadinhas da mídia,
que fingiam falar duro, os cronistas-ternura que ocuparam a demanda por
discursos de ódio foram rapidamente destronados por bestas-feras autênticos,
daqueles que coçam o saco, arrotam em público, batem em velhinhas vestidas de
vermelho.
Finalmente,
os hunos conquistaram o poder político, elegendo um capitão da reserva,
deputado baixo clero, com vinculações claras com as milícias e um ódio visceral
à mídia. Só aí caiu a ficha da mídia, de que seu poder derivava diretamente da
democracia, do respeito às regras do jogo, da credibilidade das informações e,
especialmente, das narrativas. Ao colocar em xeque as instituições, expunha-se
a si própria a qualquer autoritário de plantão. E, especialmente, perdia o
controle para outros praticantes de fakenews e de teorias
conspiratórias, desses que acreditavam que o Jornal Nacional e a Veja eram
instrumentos das esquerdas.
Ali,
rompeu-se o pacto com Satanás e o jornalismo tentou o duro regresso, a
recuperação dos valores jornalísticos, a defesa, ainda que tímida, de bandeiras
legitimadoras. Colunistas foram liberados, então, para criticar Bolsonaro e se
concentrar na defesa de temas sociais, de meio ambiente, retomando a crítica à
ditadura, mas poupando a Lava Jato. Os jovens jornalistas foram apresentados a
uma biografia repaginada dos seus ídolos, da qual foi apagada não a história
passada, mas a história recentíssima. E poupando a Lava Jato.
Mas
o passado recente sempre voltava para atormentar e ele atendia pelo nome de
Sérgio Moro e da Lava Jato.
Como
justificar, para seu público, que tudo não passou de uma enorme armação, na
qual a bandeira legítima do combate à corrupção serviu de escada para golpes
políticos, onde o prêmio final foi o cargo de Ministro da Justiça conferido ao
campeão da moralidade?
Teve
início, então, um malabarismo de Houdini: criticar Bolsonaro e poupar Moro,
como se ambos não fossem da mesma natureza, disputando o mesmo projeto de poder
autoritário.
Não
escaparam da maldição que acompanha todos os que brincam com a democracia.
Arrumaram álibis para a nomeação do seu campeão para Ministro da Justiça. Ele
seria a âncora de racionalidade do governo, o que não permitiria que o arbítrio
se fizesse ao largo das leis.
Calaram-se quando o campeão passou a aceitar todas
as irracionalidades do seu padrinho presidente, em uma subserviência chocante,
especialmente se confrontada com o estilo anterior, do juiz implacável,
inclemente, que executava adversários feridos no campo de batalha.
Depois,
quando alvo de ataques, o campeão se encaixou debaixo da asa protetora do seu
presidente, que o exibiu como um troféu em jogos de futebol, mostrando que,
agora, ele havia se tornado o avalista da âncora. E ainda balbuciou palavras de
agradecimento à confiança, não da opinião pública, não da mídia, mas a
confiança que lhe foi depositada por Bolsonaro. E se agarrou ao que imaginou
ser sua boia de salvação, as manifestações de rua, que pediam o fechamento do Congresso
e do Supremo.
Agora,
a mídia entra na sua escolha de Sofia. Sérgio Moro é acometido pela síndrome do
escorpião e atravessa o Rubicão, valendo-se do COAF para retaliar o jornalista
que divulga suas falas. É o mais grave atentado à liberdade da imprensa desde a
redemocratização, porque se valendo do poder de Estado, do comando da Polícia
Federal, para interromper a divulgação de notícias de interesse público. E eles
sabem disso. Pior: eles sabem que os leitores também sabem disso.
E
agora? O Globo esconde a informação, o Estadão esconde, a Folha caminha sozinha
para recuperar a aura das diretas, perdida nos últimos anos.
Em
parceria com a Globo, a Lava Jato tenta de todas as maneiras criar uma contra
narrativa. Desenterra as delações de Palocci, sustentando que Lula era o
comandante, tudo isso depois do The Intercept revelar como eram feitas as
salsichas das delações premiadas.
A
reconstrução da mística jornalística ficará pela metade. Os jovens repórteres,
inebriados com congressos em que os colegas mais velhos discorrem sobre as
virtudes do jornalismo, apagando uma história de infâmia muito recente para ser
esquecida, não terão nem o consolo da hipocrisia para manter a chama acesa.
Esta
é a maldição final, terrível, dolorosa, o desafio final a ser enfrentado pela
mídia. Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua
fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas. E o país está coalhado
de inimigos, à esquerda, mas, principalmente, à direita, esperando o primeiro
sinal de fraqueza para avançar.
Do
GGN