Embora
reconheça a importância da "lava jato" na descoberta de esquemas de
corrupção, o ministro Gilmar Mendes diz que a operação "não pode ser uma
entidade insuscetível de controle jurídico e político". A avaliação foi
feita em entrevista à revista Veja.
"As
prisões preventivas estavam sendo transformadas em cumprimento antecipado de
pena. Se se quiser argumentar que a prisão preventiva é imprescindível para
atingir determinados objetivos, aí estamos num campo minado, do ponto de vista
do Estado de Direito, porque podemos estar usando a prisão preventiva como
instrumento de tortura", avaliou o ministro.
O ministro
criticou ainda a estratégia empregada dos procuradores da República que
integram a "lava jato", que acusam qualquer medida contrária a seus
interesses (como a nova lei de abuso de autoridade) como um ataque à operação.
"É um viés fortemente autoritário de alguém que tem uma visão de mundo que
não corresponde à nossa tradição liberal", criticou o magistrado.
Gilmar
também disse que impedir um juiz de atuar em um processo por causa de eventuais
vínculos de parentes com escritórios de advocacia pode até levar à manipulação
de resultados: "A contratação de escritórios de advocacia poderia ser
usada para eliminar de um julgamento um magistrado que a parte sabe que tende a
votar desfavoravelmente a seus interesses. Seria um efeito deletério e
perverso." Confira no Conjur "Lava
jato" não pode ser insuscetível de controle, diz Gilmar Mendes à Veja.
Leia abaixo
a entrevista concedida à revista Veja:
O senhor se
incomoda de ser chamado de "controverso"?
Gilmar Mendes — Não. Eu, em geral, tenho as minhas posições, e quem me acompanha, seja na vida pública, seja na acadêmica, sabe que assumo essas posições com muita clareza e não fujo do debate. Estou sempre disposto a discutir ideias com muito respeito. Há muitas teorias conspiratórias e coisas injuriosas sobre mim. Até pouco tempo atrás, eu era tido como inimigo do PT. Agora, me chamam de amigo do PT. Pessoas que antes me eram simpáticas agora me acusam de vira-casaca, de traidor. Mas eu convivo bem com isso.
Gilmar Mendes — Não. Eu, em geral, tenho as minhas posições, e quem me acompanha, seja na vida pública, seja na acadêmica, sabe que assumo essas posições com muita clareza e não fujo do debate. Estou sempre disposto a discutir ideias com muito respeito. Há muitas teorias conspiratórias e coisas injuriosas sobre mim. Até pouco tempo atrás, eu era tido como inimigo do PT. Agora, me chamam de amigo do PT. Pessoas que antes me eram simpáticas agora me acusam de vira-casaca, de traidor. Mas eu convivo bem com isso.
A última
controvérsia é sua decisão de libertar Eike Batista, sendo ele representado
pelo escritório onde trabalha sua mulher.
Gilmar Mendes — Essa é a controvérsia que não existe. É um argumento oportunista, sem nenhum peso jurídico. Minha primeira decisão em relação ao Eike Batista foi o indeferimento num pedido de extensão que ele havia feito em relação a um Habeas Corpus. Naquela ocasião, ninguém suscitou dúvidas sobre a minha competência. Agora, quando deferi um pedido correto, surge a dúvida. Aproveita-se o momento tenso para atacar a idoneidade das pessoas. Isso tem de acabar.
Gilmar Mendes — Essa é a controvérsia que não existe. É um argumento oportunista, sem nenhum peso jurídico. Minha primeira decisão em relação ao Eike Batista foi o indeferimento num pedido de extensão que ele havia feito em relação a um Habeas Corpus. Naquela ocasião, ninguém suscitou dúvidas sobre a minha competência. Agora, quando deferi um pedido correto, surge a dúvida. Aproveita-se o momento tenso para atacar a idoneidade das pessoas. Isso tem de acabar.
O senhor
poderia simplesmente ter se declarado impedido de analisar o caso. Não seria
mais simples?
Gilmar
Mendes — Há um exemplo da própria Suprema Corte americana, que emitiu regras
claras, dizendo em que caso havia suspeição e impedimento. Se não existe
atuação direta no processo, não há motivo para o afastamento. Nos Estados
Unidos, isso ocorreu porque a mulher do presidente da corte era sócia de um
grande escritório de advocacia. Proibir um juiz de atuar por causa de eventuais
vínculos de parentes ou pessoas próximas com escritórios de advogados pode,
inclusive, levar à manipulação de resultados. "Ah, mas tem o salário da
mulher", dizem alguns. Vão se danar! Não me meçam pelos seus próprios
parâmetros.
Como esse
rigor poderia resultar em manipulação de resultados?
Gilmar Mendes — Em uma corte de 11 magistrados haveria uma forma de manipular sua composição. A contratação de escritórios de advocacia poderia ser usada para eliminar de um julgamento um magistrado que a parte sabe que tende a votar desfavoravelmente a seus interesses. Seria um efeito deletério e perverso. É preciso ficar claro que o fato de você ter relações com pessoas não significa que vai decidir a favor delas. É preciso que isso seja transparente. Do contrário, vai ensejar manipulação e um falso moralismo.
Gilmar Mendes — Em uma corte de 11 magistrados haveria uma forma de manipular sua composição. A contratação de escritórios de advocacia poderia ser usada para eliminar de um julgamento um magistrado que a parte sabe que tende a votar desfavoravelmente a seus interesses. Seria um efeito deletério e perverso. É preciso ficar claro que o fato de você ter relações com pessoas não significa que vai decidir a favor delas. É preciso que isso seja transparente. Do contrário, vai ensejar manipulação e um falso moralismo.
No país da
impunidade dos poderosos, soltar os presos da "lava jato" não reforça
a impunidade?
Gilmar
Mendes — Acho excelente o processo de investigação da "lava jato".
Estou muito feliz que se tenham de fato revelado todas essas mazelas desse
complexo sistema econômico-financeiro-político. Lamento que a gente tenha
demorado tanto para descobrir esses fatos e que os órgãos de controle não tenham
tido efetividade para impedi-los. Agora, Estado de Direito não comporta
soberanos. Então, a "lava jato" não pode ser uma entidade
insuscetível de controle jurídico e político. As prisões preventivas estavam
sendo transformadas em cumprimento antecipado de pena. Se se quiser argumentar
que a prisão preventiva é imprescindível para atingir determinados objetivos,
aí estamos num campo minado, do ponto de vista do Estado de Direito, porque
podemos estar usando a prisão preventiva como instrumento de tortura.
Quem são os
soberanos?
Gilmar
Mendes — A gente discute desde 2009 uma lei de abuso de autoridade, que é muito
necessária. Aí vêm os procuradores e dizem que ela não pode ser aprovada porque
vai afetar a "lava jato". Esses mesmos procuradores propõem as tais
10 medidas contra a corrupção. Se o Congresso não as aprova, é um ataque à
"lava jato". Algumas daquelas medidas permitiam o aproveitamento de
provas ilícitas. É um viés fortemente autoritário de alguém que tem uma visão
de mundo que não corresponde à nossa tradição liberal. Quando a gente está
defendendo direitos, não está defendendo direitos do colarinho-branco, está
defendendo direitos de todo mundo. Essa gente que está batendo panela e
protesta pode acabar sendo alvo amanhã de atentados aos seus direitos. Cria-se
uma insegurança geral, um tipo de fascismo vulgarizado, generalizado.
O
procurador-geral da República criticou-o indiretamente, dizendo que o senhor
participa de "banquetes palacianos" e sofre de "disenteria
verbal"...
Gilmar
Mendes — Se tivéssemos de julgar Janot pelo que disse um amigo dele, o
subprocurador Eugênio Aragão, acho que faríamos dele um juízo quase que vil,
muito baixo. Leia a carta aberta que Aragão escreveu sobre ele. E Janot não
respondeu nem processou Aragão. Essa carta fala das negociações que se fizeram
para Janot tornar-se procurador-geral. Eu não tenho negociação alguma. As
minhas conversas são republicanas. Não vendi o cargo. Janot deve ao Brasil uma
resposta. A Procuradoria se tornou um órgão sindicalista.
E os
"banquetes palacianos", entre os quais estão encontros com o
presidente Michel Temer, julga-do no tribunal que o senhor preside?
Gilmar
Mendes — Como você deixa de conversar como presidente da República no cenário
atual? Às vezes, precisamos falar sobre questões prosaicas como o orçamento, ou
o teto do Tribunal Superior Eleitoral, ou sobre verbas para a realização de
eleições no Amazonas. Tenho de conversar com o ministro do Planejamento. Também
estamos discutindo a reforma eleitoral. Como deixo de conversar com as
lideranças políticas? Temos avançado nas reformas eleitorais porque temos
falado com o Congresso. A presidência de um tribunal é uma missão
institucional.
O senhor é a
favor da extinção dos partidos flagrados em crimes na "l ava jato"?
Gilmar
Mendes — Tenho a impressão de que vai ser um processo natural de depuração, de
transformação. A extinção de alguns partidos, creio, se dará nas urnas. Se vier
uma reforma política digna desse nome, vai haver renovação. Temos a sensação
muitas vezes de que estamos no TSE num enxugamento de gelo. Há partido que
recebe mais de R$ 1 milhão e é um partido familiar. Muitos desses partidos
deveriam estar inscritos na junta comercial, se é que são dignos de estar na
junta comercial. Se forem aprovadas a cláusula de barreira e a proibição de
coligação, creio que já vamos ter uma redução do número de partidos.
O senhor
mantém a defesa do financiamento privado?
Gilmar
Mendes — Sim, mas defender o financiamento eleitoral por empresas hoje é
inviável. No entanto, acho que foi um grande erro da nossa parte declarar o
financiamento privado inconstitucional, sem ter possibilidade de mudar o
sistema eleitoral.
O julgamento
da chapa Dilma-Temer não é mais um exemplo de que a Justiça tarda e falha?
Gilmar
Mendes — Não. Vamos encerrar o julgamento neste ano. Recursos podem até chegar
ao Supremo. Mas aqui é uma matéria fática, de modo que em geral, nesse âmbito,
a decisão do TSE é de última instância.
É viável a
separação da chapa?
Gilmar
Mendes — O tribunal terá de discutir essa questão numa perspectiva mais
complexa. Temos praticamente a eliminação da titular da chapa, com a pena mais
grave que se pode ter na política, que é o impeachment. Portanto, o que
remanesceu foi a impugnação em relação ao candidato a vice-presidente. E essa é
a questão que o tribunal terá de analisar. Do ponto de vista de foco e
utilidade, é uma análise de Temer, e não mais de Dilma, porque ela está fora do
processo. O nosso processo é meramente político-judicial. O vice poderia ter
uma participação decisiva, inclusive nos abusos que são imputados à chapa? Isso
terá de ser discutido. É um caso singular. Nunca se discutiu isso antes. É
importante para o país que isso seja definido, em nome da estabilidade. Não vou
avançar mais.
O senhor é
criticado por falar demais, inclusive sobre temas que escapam à competência do
Judiciário.
Gilmar
Mendes — Acho que falo o necessário. Se o momento exige, devo falar. E acho que
tenho responsabilidade institucional. Quando presidente do Supremo Tribunal
Federal, fui talvez a única voz que se levantou em relação a todos esses
desmandos, mesmo tendo até uma relação cordial com Lula. Quando havia abusos
eleitorais, na campanha de Dilma feita por Lula, fui uma das únicas vozes que
se levantaram. Agora, na presidência do TSE, acho também que tenho essa
obrigação, especialmente diante desse quadro de terra arrasada em que o sistema
político está deteriorado. É também a minha missão institucional.
Do GGN