No momento
que escrevo estas linhas o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE está empatado
em 3 a 3 e Gilmar Mendes terá o voto final. Em março de 2015, a relatora Maria
Thereza de Assis Moura havia arquivado a “coisa para encher o saco” que Aécio e
o PSDB haviam entrado contra Dilma. Naquele momento Gilmar Mendes lutou para
que se reconhecessem os “fatos” sobre “irregularidades de pagamento, por parte
da campanha, a empresas supostamente fantasmas”. Gilmar parecia convencido de
algo, de forma muito forte. O que era, entretanto, podemos apenas sondar.
A filosofia
básica nos ensina a diferença entre moral e ética. Ética vem do termo grego
“éthos” que significa comportamento, costumes. O “éthos” é a forma como nos
portamos na vida, na nossa materialidade cotidiana. Existem “éthos” coletivos,
próprios de determinados tempos, regiões, populações, grupos específicos e etc.
A ética, portanto, é a parte visível do comportamento das pessoas, grupos ou
instituições no tempo. Podemos falar de uma “ética da máfia”, uma “ética do
PCC” assim como a “ética judaico-cristã”. Cada termo significa um determinado
conjunto de valores. A máfia, por exemplo, não aceitava que se matassem
mulheres e crianças. O PCC não aceita conviver com estupradores, agressores de
mulheres ou crianças. A ética “judaico cristã” é formada essencialmente por dez
mandamentos recebidos, segundo a tradição, pelo profeta Moisés no monte Sinai.
A moral é a
parte invisível do comportamento de cada ser humano. Se na minha ética está
estabelecido que “não matarás”, então eu serei ético se não matar. A moral é a
razão de eu não matar. Eu posso não matar porque acredito na singularidade de
qualquer forma de vida e, assim, as respeito de pleno. Por outro lado, posso
não matar porque tenho medo do castigo do Deus em que acredito, uma vez que
estarei a desobedece-lo. Posso não matar por medo da vingança dos familiares de
quem eu matei ou do Estado. Diversos balizamentos morais podem desembocar num
mesmo comportamento ético. Saber porque se faz ou não se faz algo é tão ou mais
importante do que fazê-lo ou não.
Eu escolho
não comer carne, este é um comportamento que faz parte do conjunto de normas
pelas quais eu me rejo. É minha ética. Mas minha moral pode dizer para que eu
não coma carne porque o ferro e outros nutrientes farão o processo de
envelhecimento se tornar mais rápido. Uma moral individualista egocêntrica. No
mesmo caso, posso não comer carne porque acredito que a vida dos animais é tão
importante quanto qualquer outra no planeta. Uma moral altruísta e voltada para
a ideia de ecossistema. Assim, não existe ninguém que seja “antiético”. Esta
pessoa pode simplesmente ter um conjunto de valores diferente dos meus. Apenas
isto. Diferente.
Posso ter o
comportamento ético de seguir as leis do meu país, mas o faço somente e
enquanto estas leis me propiciam algum tipo de posição de superioridade frente
ao todo. Escolho reconhecer como de máxima importância o direito à propriedade
(comportamento advindo da minha ética), mas tão somente porque eu tenho
propriedades e, portanto, me é interessante que outros respeitem-nas. Posso não
reconhecer, por exemplo, o direito à vida como algo “efetivamente” importante,
porque aponho qualquer adjetivação neste direito. “Direitos humanos para
humanos direitos” e eu nego que todos tenham direito à vida. Faço isto porque
entendo que é importante que o Estado tenha liberdade para matar indivíduos
caracterizados por mim como “desnecessários”. A moral é, pois, muitas vezes,
utilitarista. Ela surge de uma racionalização a respeito de um comportamento
ético e pode ser fruto de cálculo de custo-benefício. A pessoa pode ser ética
e, ao mesmo tempo, totalmente perversa desde que perceba que “ser ético”
implica em ganho efetivo para si. É a moral que condiciona a ética.
Gilmar
Mendes disse no julgamento do TSE, em 2017, que há um “princípio
supraconstitucional (...) não escrito em lugar algum” pelo qual “as
instituições têm que se conter” afinal “o Estado de Direito não comporta
soberanos”. E reclama da “mistura de delatores e infratores” a “contaminar” o
comportamento do MP. Gilmar parece ter um comportamento ético seguindo as leis
brasileiras e criticando “vazamentos”, “delações sem provas” e, acima de tudo,
acredito que ele absolverá a chapa Dilma-Temer. Vemos uma ética em Gilmar
Mendes, sua moral, entretanto é nebulosa.
No dia 17 de
março de 2016 Gilmar Mendes dava entrevista a uma conhecida rádio e dizia que
“achava correto o vazamento” das conversas entre a presidenta Dilma e Lula e
que o “tribunal (STF) vem cumprindo bem seu papel e não se tornou uma corte
bolivariana”. Com base no vazamento ilegal, Mendes tomou ainda a inacreditável
decisão de barrar nomeação de Lula como ministro. Com base numa ilegalidade
Mendes comete outra e mostra que não, “as instituições” não “precisam se
conter”.
Vemos que a
ética de Gilmar Mendes parece ser bastante sinuosa. Adaptando-se às situações
políticas em cada momento. O “ethos” do ministro em 2016 era um e agora em 2017
é, flagrantemente, outro. Em 2016 ele acusava a chapa Dilma-Temer de ter
cometido abuso de poder político, econômico e fraude de campanha. Em 2017, ele
absolve a chapa Temer-Dilma, vocifera contra o Ministério Público e defende
“limites à atuação das instituições”. Se a ética mudou completamente, qual será
a moral de Gilmar Mendes?
GGN