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quarta-feira, 15 de agosto de 2018

UMA ESTRATÉGIA DE EXCEÇÃO PARA UM ESTADO DE EXCEÇÃO, POR WILLIAM NOZAKI

O maior partido de esquerda da América Latina, o PT, entra hoje oficialmente em "modo desobediência civil".
A inscrição de um candidato preso injustamente, Lula, mantém o partido em alinhamento com a ampla maioria do eleitorado e em compromisso com a ampla maioria da base do povo brasileiro. Em meio à maré revolta, o navio petista singrará as águas eleitorais orientado pela bússula da defesa da democracia, do desenvolvimento e da maior liderança popular da história do Brasil, mirando ousadamente as brechas do golpe para tentar conquistar presença eleitoral, uma vaga no segundo turno e a vitória na corrida presidencial.
A estratégia correta vem acompanhada de uma tática tão inédita quanto arriscada, uma saída excepcional para tempos e estados de exceção, que põe o partido a enfrentar: o desconforto de progressistas aliados mas concorrentes; as instabilidades impostas pelo judiciário, no TSE, no STJ e no STF; as incertezas sobre a participação nos debates e na propaganda eleitoral; a complexidade de uma eventual operação de transferência de votos e a engenharia de administração do tempo em que todo esse processo deve ocorrer, de modo a minimizar novos e maiores sobressaltos. 
Para o PT, qualquer outra saída que não passe pela manutenção persistente da candidatura Lula não é exequível, seria praticar uma espécie de "impugnação preventiva", antecipando um trabalho sujo que, se for feito, cabe ao Judiciário e não ao partido; além disso, seria uma deslealdade anti-ética e irresponsável com a inocência e a proteção de Lula, patrimônio do PT e do país; mais ainda: se trataria de sequestrar da maioria do eleitorado e dos militantes a possibilidade de explicitar seu desejo nas urnas, o que seria um suicídio político e eleitoral para o partido, e para o conjunto da esquerda.
Menos certezas existem sobre como devem proceder, nesse período, os porta-vozes mandatados diretamente por Lula para vocalizar suas propostas e ideias, com especial atenção para o desafio, disciplinadamente, assumido por Fernando Haddad nessa conjuntura. São muitos os que opinam sobre a situação, menor é o número dos que se dispõe a enfrentá-lá, por fortuna ou virtú coube ao ex-prefeito essa missão. Nesse sentido, informa o boa regra do realismo político, a partir de agora o melhor nome de porta-voz passa a ser o que temos e não o que imaginávamos que poderíamos ter.
De Haddad se espera que cada ideia enunciada venha antecedida da denúncia e da lembrança de que quem deveria estar ali é Lula; cada proposta apresentada deve ser precedida da denúncia do golpe em curso e do estado de exceção que se instalou no país; cada argumento mobilizado deve ter como pressuposto a certeza de que uma disputa de poder dessa magnitude não será enfrentada devidamente apenas com tecnocratas e tecnologias sociais de políticas públicas; deve ter como premissa a certeza de que manter coesa as bases do petismo e do lulismo é mais importante do que diálogos evasivos com a alta elite e a alta classe média; Haddad deve exercitar o desprendimento de sua visão republicana liberal para incorporar em sua fala um projeto democrático, nacional e popular bem mais amplo e complexo do que a visão de Estado cultivada na USP, a noção de mercado glorificada no INSPER ou a leitura de sociedade presente na elite e na intelectualidade paulista.
Da militância se espera a resistência e o empenho na travessia dessa maré. Temos um projeto, uma estratégia e o povo do nosso lado, não nos cabe esmorecer no cansaço ou no desencanto. Empenhados que estavam em proteger seus interesses pessoais, o condomínio golpista perdeu força, eles subestimaram a capacidade de o PT levar adiante sua "guerra híbrida", sendo pragmático nas alianças locais e ousado na manutenção de uma candidatura nacional, segundo eles, "fora-da-lei". O derrotismo, portanto, não se justifica, o golpe deixou frestas e pode sofrer uma derrota real no processo eleitoral e nas urnas.
Tal constatação, entretanto, não deve justificar diagnósticos simplistas, o gêmeo siamês do fatalismo é a ingenuidade, a vitória na batalha das urnas não é sinônimo, imediatamente, de vitória na guerra contra o golpe. As forças no poder tentarão inviabiabilizar, nessa ordem, Lula, Haddad, o PT, a chapa, e, eventualmente, uma posse ou um governo. Temos que estar estrategicamente preparados desde já para pelo menos três possíveis situações: ser retirados das eleições e deixar espaço para a extrema-direita bolsonarista, ter permissão de participar das eleições e enfrentar a direita tucana, e vencer as eleições com a obrigação de criarmos outro tipo de relação com o Poder e com o Estado, com menos "conciliação republicana" e mais enfrentamento democrático.
A mera participação do PT retira as eleições da extrema-direita e a recoloca na centro-direita, pois muda, indiretamente, a correlação de forças entre Bolsonaro e Alckmin. Se esse cenário será devidamente aproveitado depende não só do PT, mas de o PSDB alavancar Alckmin e de o mercado não cometer a irresponsabilidade de encampar em bloco a candidatura Bolsonaro, daí o risco assumido pelo PT, ou leva a esquerda para o segundo turno ou será acusado de ter sido negligente com a onda fascistóide que assombra o país. O partido, portanto, está indo à raiz do problema, colocando seu próprio pescoço à prova, em uma postura radical, como é da natureza da desobediência civil contra o estado de exceção.
Como Dilma, entre 15 de agosto e 17 de setembro lembremos de Maiakóvski: "Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las. Rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas."
William Nozaki - Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP e mestrado em Economia pela UNICAMP onde realiza o doutorado em Desenvolvimento Econômico. Atua nas áreas de economia política e brasileira pesquisando temas como crescimento econômico, concentração de riqueza e distribuição de renda.
GGN