Mecanismo
distribuído em ano eleitoral para base governista mina poder de concorrentes
antigos e novos nos redutos eleitorais impedindo renovação do Congresso.
A
emenda parlamentar, em ano eleitoral, é uma ferramenta contra concorrentes na
corrida pelo pleito. Os deputados agraciados pelo governo conseguem concluir
projetos em seus redutos eleitorais, saindo na frente de velhos e novos
concorrentes, portanto impedindo a renovação do Congresso. A análise é do
articulista Janio de Freitas, que em sua coluna da Folha neste domingo observa
o poder do mecanismo para manter o status quo.
O
presidente Michel Temer (MDB) alocou R$ 10 bilhões para responder pedidos de
parlamentares por emendas. O valor estaria sendo utilizado para convencer o
Congresso a votar em favor da reforma da Previdência, como já vem sendo
destacado na imprensa, porém poucos foram mais a fundo mostrando que a
distribuição de emendas parlamentares é uma espécie de "fraude
oficial" na Justiça Eleitoral, contribuindo para melhorar a imagem de um
grupo de políticos em detrimento de outros em suas respectivas zonas
eleitorais. Leia a seguir a coluna de Janio de Freitas na íntegra.
Os
R$ 10 bilhões que Michel Temer vai liberar para indicações de deputados têm a
finalidade divulgada pelo governo e uma segunda, de efeitos mais importantes,
nunca mencionada. A primeira é a compra de votos na Câmara para tentar a
aprovação do remendo na Previdência. A velha chantagem do "é dando que se
recebe". A segunda é uma interferência nas eleições. Digamos, uma
"fraude oficial", a primeira das fraudes que haverá na compra de
cabos eleitorais e de votos, nas verbas partidárias e contribuições embolsadas
e, claro, nas contabilidades para a Justiça Eleitoral.
O
mecanismo é simples. A quota financeira liberada para um deputado pelo Tesouro
Nacional, seguindo indicação de nome e montante pela Presidência, corresponde a
uma proposta do parlamentar incluída no Orçamento da União, a chamada emenda.
No Estado e no município recebedores, a liberação é festejada como vitória do
deputado. Passa a ser a bandeira, ou uma delas, na propaganda do parlamentar.
Assim é pelo país afora.
Em
ano eleitoral, como 2018, esse mecanismo é um trunfo, com frequência decisivo,
do parlamentar contra os concorrentes não agraciados pelo governo. Sobretudo
contra os novos. E, portanto, contra a renovação do Congresso.
Os
pacotões do "é dando que se recebe" são alvos costumeiros de repulsas
fortes. Não o atual, porque está vendido à imprensa como recurso para a
"reforma" da Previdência. Mas sua aceitação é também a do despejo
antecipado e camuflado de R$ 10 bilhões na disputa eleitoral, favorecendo
deputados (mal) escolhidos. E quando ações eleitorais ainda estão
proibidas.
Diante
dessa "fraude oficial", inabordável pela Justiça Eleitoral e
efetivada com dinheiro público –o mesmo cortado para saúde, educação,
saneamento, ciência, segurança– a palavra fraude hostilizada é a que se
encaminha para as 200 mil assinaturas em seu apoio, como peça-chave do
documento "Eleição sem Lula é fraude". Reduzida entre nós a mínimas
notícias, essa argumentação está divulgada e assinada no exterior por
intelectuais, artistas e professores (calma, de todos os gêneros, sim) com
nomes expressivos.
Substituir
a palavra é uma possibilidade para os desagrados. O que as evidências, em
número enorme, não admitem a sério é negar que a ausência forçada de Lula na
eleição presidencial resultaria de um processo em que não faltaram anomalias
judiciais, arbitrariedades acobertadas pela alta hierarquia do Judiciário e do
Ministério Público e uma campanha de opinião como poucas foram vistas. São
fatos e ficaram com sua comprovação registrada para dirimir nossas divergências
e para a história.
Tais
fatores terminaram por fazer, acima dos processos judiciais, um processo
político. Agora mesmo, Sergio Moro e seu grupo de procuradores dispensam-se de
mandar à perícia a nova leva de recibos que exigiram. "É claro que são
falsos." Mas a obrigação é mandar ao teste pericial. O que está usado na
condenação é mero palpite, a denotar um tratamento que não é dado a outros
processos e investigados. E se o dono do apartamento vizinho de Lula recebeu
aluguéis e não os declarou ao Imposto de Renda, precisando negá-los? Plausível,
a hipótese não foi investigada, por incompatível com a pretensiosa opinião do
juiz e dos procuradores.
Ninguém
pode negar que seja no mínimo suspeita a condução desse caso tão brasileiro,
por suas afinidades judiciais, políticas e social-elitistas com o passado de
nossas instituições ditas republicanas. E já, mal começado o ano eleitoral, com
R$ 10 bilhões a contribuírem para sua continuidade, tais como são.
GGN