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sábado, 2 de setembro de 2017

As 5 lições do procurador da República Ivan Cláudio Marx que pediu a absolvição de Lula à turma de Curitiba

O procurador da República Ivan Cláudio Marx, tendo em mãos uma das denúncias mais esdrúxulas apresentadas contra Lula no âmbito da Lava Jato, tinha duas opções: pedir a absolvição do ex-presidente por carência de provas na delação de Delcídio do Amaral ou reciclar a fórmula dos curitibanos e requerer a condenação em cima de teses mais esdrúxulas ainda.

Ivan Marx - um dos primeiros procuradores a atuar na justiça de transição, membro da Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - escolheu corresponder ao que se espera de um membro do Ministério Público Federal: investigar e apresentar a verdade dos fatos. 

Ao sugerir ao juiz da 10ª Vara Federal, Vallisney Oliveira, que Lula seja absolvido do crime de obstrução de Justiça, Ivan Marx deu algumas lições aos colegas liderados por Deltan Dallagnol.

A mais simbólica delas é resumida na seguinte frase: "(...) a crença forte prova apenas a sua força, não a verdade daquilo em que se crê."

1- O ônus da prova é de quem acusa

Nas alegações finais do MPF, endereçadas ao juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Ivan Cláudio Marx afirmou que buscou de várias formas comprovar a delação de Delcídio contra Lula durante o julgamento, mas falhou. 

Contudo, ao invés de argumentar que as provas não foram encontradas porque organizações criminosas são especialistas em não deixar rastros dos ilícitos praticados, Ivan Marx apenas admitiu que o ônus da prova é de quem acusa.

"(...) a culpa pela impossibilidade de provar as afirmações da testemunha – que fazem prova crucial para a defesa de Lula - recai sobre o órgão acusador, que é uno e indivisível para tais fins", escreveu.

2 - Delação sem prova não condena (exceto numa "cruzada acusatória")

Ao contrário da turma de Curitiba, Ivan Marx não supervaloriza delações sem provas. Ao contrário, reproduziu o que diz a lei que regulamenta o instituto mais explorado na Lava Jato: "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador."

"(...) Ignorar isso, em prol de uma cruzada acusatória, seria desconsiderar a já referida máxima nietzschiana no sentido de que ‘a crença forte prova apenas a sua força, não a verdade daquilo em que se crê'", completou Ivan Marx.

3 - Convicção não substitui provas

Rechear a denúncia apresentada à Justiça com ilações encorpadas por algumas teses de ciência política para colocar Lula como o "grande chefe do esquema criminoso investigado na Lava Jato" não adianta nada se essa investigação cabe à Procuradoria Geral da República, em inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal, disse Ivan Marx, contrariando outro expediente usado pelos curitibanos nos processos sob a jurisdição de Sergio Moro.

"Como esse chefe ainda não foi apontado, não nos cabe, na presente ação penal, tomar ilações ou convicções pessoais como verdade suficiente para uma condenação", disse Ivan Marx.

4 - Se não há provas, a "melhor hipótese" não é a que prejudica o réu

Sem provas de que Lula foi o mentor do plano para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, Ivan Marx poderia usar o explanacionismo defendido por Deltan Dallagnol e criar uma hipótese "acima da dúvida razoável" na tentativa de explicar como ocorreram os crimes denunciados pelo Ministério Público.

Mas a melhor hipótese, na visão do procurador do DF, não pode prejudicar o réu se ela está recheada de lacunas. Afinal, "in dubio pro reu", lembrou.

Na página 55 das alegações finais, Ivan Marx ainda empresta a tese usada em Curitiba para defender Lula em Brasília. 

5 - É preciso admitir que o MP errou

Ivan Marx ainda avaliou que "Delcídio dificilmente teria recebido os mesmos benefícios angariados com a implicação de Lula no caso."

Foi ofertando a cabeça de Lula que Delcídio, "com sua boa retórica, levou o MPF a erro, criando uma situação realmente esdrúxula: o chefe do esquema sagrou-se livre entregando fumaça."

Ao menos o procurador do DF admite que Delcídio goza de liberdade em função do acordo de colaboração firmado com o critério de se chegar a Lula.

Os procuradores de Curitiba nada disseram sobre os acordos de delação que levaram Sergio Moro a condenar João Vaccari Neto, absolvido em segunda instância por falta de provas. Todos os 5 delatores do ex-tesoureiro do PT foram poupados por Moro na sentença.


GGN

terça-feira, 4 de julho de 2017

Cogita-se que Moro usará "domínio do fato" para condenar Lula, dizem interlocutores do juiz

Foto: Lula Marques

Menos de uma semana após ter a condenação imposta ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto derrubada por juízes de segunda instância, Sergio Moro aparece em reportagem do Estadão, divulgada nesta segunda (3), como um magistrado "meticuloso" que vai redobrar os cuidados com a sentença de Lula no caso triplex.

Mas para condenar Lula sem que a Lava Jato tenha fornecido provas cabais da posse do triplex, Moro vai ter de recorrer à saída inaugurada e muito criticada à época do Mensalão: usar a teoria do domínio do fato.
Segundo o Estadão, "fontes próximas a Moro" disseram que essa alternativa é cogitada porque a absolvição de Vaccari "dificulta uma decisão contrária a Lula". "Elas avaliam que, para condenar o petista, o juiz teria de aplicar a teoria do domínio do fato, alegando que Lula tinha controle sobre tudo o que acontecia."

No caso triplex, Lula é acusado de receber propina da OAS por conta de 3 contratos com a Petrobras. Mas a defesa do petista entregou, nas alegações finais, prova de que o apartamento jamais poderia ser liberado para uso do ex-presidente sem que a empresa ou o próprio petista tivessem depositado o valor correspondente ao imóvel e às reformas em uma conta da Caixa Econômica Federal.

Para justificar a transferência do triplex, a Lava Jato disse que Lula era o chefe do petrolão. Seu papel era fundamental ao esquema de favorecimento a empreiteiras porque era o presidente quem avalizava os nomes indicados para diretorias da Petrobras. Sem provas dessa acusação, a turma de Deltan Dallagnol apelou para a teoria da abdução das provas. (Saiba mais aqui).

Ainda segundo o Estadão, além de apelar para o domínio do fato, Moro pode fazer com que Marisa Letícia seja a responsável pelas tratativas em torno do triplex. A ex-primeira-dama, morta em fevereiro em decorrência de um aneurisma cerebral, foi "quem decidiu comprar uma cota da Bancoop no prédio do Guarujá e quem mais vezes esteve no imóvel", publicou o jornal. Porém, em função da morte, Marisa não deve mais constar entre os réus.

GGN

sábado, 1 de julho de 2017

Cesare Beccaria, Lula e a presunção da inocência, por Eduardo José Santos Borges para o GGN

Os historiadores do período Moderno (entre os quais eu me incluo), fase tradicionalmente intercalada entre os séculos XVI e XVIII, tendem a caracterizar esse período histórico como o formador do pensamento contemporâneo. Homens como Voltaire, Maquiavel, Rousseau, Montesquieu, Montaigne, Hume, Hobbes e Cesare Beccaria, nos ajudaram cada um à sua maneira, entender as dinâmicas das sociedades e os passos dados pela humanidade na construção de um mundo melhor para se conviver. Esses homens nos ofereceram o Estado e algumas de suas principais instituições e formas de organização, mas também nos alertaram sobre as possíveis consequências decorrentes do mau uso destes instrumentos de poder.

Fiz essa introdução básica, apenas para criar um ambiente em torno do que pretendo escrever nos parágrafos que se seguem. A temática é o tão decantado processo contra o ex-presidente Lula e, mais recentemente, as alegações finais produzidas pelo ministério público. Diante da peça acusatória, emerge um tema que se impõe de maneira natural, a presunção de inocência. Na produção dos argumentos que se seguem irei recorrer, em determinados momentos, à companhia de um grande mestre do período moderno, o italiano Cesare Beccaria.

Para quem não conhece Cesare Bonesana, depois marquês de Beccaria, tratou-se de um grande pensador do Direito do século XVIII. Sua obra Dos Delitos e das Penas é uma interpretação filosófica da prática do Direito. O texto de Beccaria é um libelo pela liberdade, contra a acusação injusta, contra as penas infamantes e, principalmente, pelo uso da razão e da consciência na interpretação das leis.

De volta ao tema, o processo do Ministério Público contra Lula é por demais conhecido e dispensa maiores detalhes. Desde que foi feito a denúncia contra Lula, em 2016, o processo vem se arrastando e ganhando contornos kafkianos. No decorrer do processo os polos foram sendo definidos, de um lado, o ex-presidente e sua banca de advogados, e do outro, o doutor Deltan Dallagnol, os outros membros da força tarefa da Lava Jato e o juiz Sergio Moro. À primeira vista, se alguém estiver chegando recentemente de Marte, deve estar confuso diante da informação de que o Juiz está ao lado de um dos litigantes, afinal, pressupõe-se que cabe ao juiz o lugar de arbitro, ou seja, de quem esteja acima do conflito e sem envolvimento com um dos lados.

Se esse mesmo turista, que chegou recentemente de uma longa viagem por Marte, estiver achando que estamos sendo leviano com o magistrado vip de Curitiba, vamos a alguns fatos que falam por eles mesmos. Em um levantamento básico na imprensa via site de busca, encontramos os seguintes exemplos da “magistratura morana” vamos a eles acompanhados de pequenos adendos analíticos: “prisão provisória de 3 anos”, acho que nesse caso existe um erro de semântica com a palavra provisório. “Condução coercitiva de investigado sob a alegação de que estava protegendo o investigado”, justificativa mais esdruxula, contraditória e inverossímil, impossível. 

“Televisionamento ao vivo de audiência sob sigilo legal”, enquadramento perfeito no demagogo discurso de prestação de conta à opinião pública. “Vazamentos de conversas sigilosas para redes de televisão”, repete-se a explicação anterior, com a ressalva da seletividade de vazamentos ou, indo no popular: para os amigos tudo, para os inimigos a lei. “Manifestação via redes sociais solicitando apoio da população à sua cruzada moralista”, eu sou do tempo em que discrição era o outro nome que se dava a um Juiz. E, finalmente, o mais absurdo de todos eles: “O próprio juiz se posiciona como chefe de força tarefa e de operação policial, ocupando o mesmo lado do acusador”, já não seria isso um clássico caso de antecipação de sentença?

Retornando ao processo kafkiano, digo, de Lula, vamos refletir um pouco sobre a grande peça teatral que ele se tornou. Já identificamos os atores envolvidos e a temática central da trama, falta, portanto, o desenrolar do roteiro. Desde a denúncia, um personagem tem se sobressaído ao buscar para si, insistentemente, os holofotes, refiro-me ao procurador Deltan Dallagnol. O que se espera do Ministério Público em um processo penal? Recorro a quem mais conhece, o promotor Marcio Berclaz apontou os caminhos. Dele se espera a abertura de uma acusação a partir de “critérios de tradição, coerência e integridade, e, ainda assim, paradoxal e contraditoriamente sempre aberto a revisar ou desconstruir a própria pretensão acusatória”¹. Mais à frente, diz o doutor Berclaz que cabe ao órgão e seus representantes, promover “justiça e não condenações estatísticas ou matemáticas”. Por mais que possamos entender que o Ministério Público, de certa forma, será sempre uma das partes de um processo, dele se espera o cumprimento do dever de maneira equilibrada, visando se aproximar ao máximo do que podemos entender como uma atuação neutra e baseado pelas evidências, de preferência irrefutáveis, que saiam sempre, em última instância,  exclusivamente das provas.

Como, entretanto, se comportou e se comporta o Ministério Público no processo contra o ex-presidente Lula? Vamos aos fatos. Acelerando os ponteiros do processo, pulando fase inicial de investigação, acusação e defesa, vamos ao famoso Power Point do doutor Dallagnol e sua pirotecnia escatológica. Sobre a apresentação, muito já se falou, e sobrou apenas a conclusão, já transformada em “clássico do Direito”, de que se não temos prova, temos convicção.

O Power Point do doutor Dallagnol é daqueles espetáculos que entram para a história como exemplos de como a democracia e o Estado de Direito podem ser manipulados a depender da motivação de quem o manipula. Em tempos de clichês, inevitavelmente temos que recorrer a um deles, o citado procurador empreendeu uma vigorosa “construção de narrativa”. Costumo dizer aos meus alunos que com um pouco de esforço consigo vincular em uma trajetória linear o romano Júlio Cesar ao inefável Donald Trump. Com um bom encadeamento de fatos é possível construir uma narrativa que até consiga a condenação do Papa Francisco.

Ao fazer uso do Power Point como instrumento argumentativo, o doutor Dallagnol adaptou-se perfeitamente ao que tem sido chamado criticamente de “cultura do Power Point”. Uma profusão de slides e de montagens de palavras chaves encobre a incapacidade do apresentador de ser detalhista nos argumentos, e cria a sensação, no espectador, de estar diante de algo cientificamente rigoroso e irrefutável. No fundo, são só jogos de palavras e imagens, que podem fazer sucesso nas orquestradas e previsíveis apresentações de auto ajuda, mas que é uma grande irresponsabilidade ética, quando utilizada em uma peça acusatória do campo jurídico.

Não satisfeito com o frágil e débil Power Point o doutor Dallagnol nos apresentou, em suas alegações finais, uma narrativa que seria cômica, não fosse tão trágica. Suas alegações finais contra o ex-presidente Lula, trataram-se, simplesmente, da tradução em texto, da frágil estrutura argumentativa do Power Point. Contudo, diferente da linguagem do Power Point, o texto escrito exige um pouco mais em termos de detalhamento argumentativo, o procurador manteve a essência da “temos convicção, ainda que as provas sejam frágeis”, mas teve que fazer um esforço hercúleo para justificar suas mais de trezentas páginas. Vejamos o que nos diz o citado documento produzido pelo Ministério Público.

No capítulo identificado como “Pressupostos Teóricos”, o doutor Dallagnol pretendeu embasar teoricamente sua tese. Pareceu querer demonstrar que ele é muito mais do que um simples calouro que disfarça seu nervosismo e pouco domínio do assunto, se escondendo atrás de um Power Point. Mas o digníssimo procurador, não vai além dos argumentos de um quase formando que precisa impressionar a banca. Principia com um profundo desconhecimento de como funciona o presidencialismo de coalizão no Brasil, vejamos: “Nesse contexto, a distribuição, por LULA, de cargos para políticos e agremiações estava, em várias situações, associada a um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de vantagens indevidas. Trata-se de um complexo esquema criminoso praticado em variadas etapas e que envolveu diversas estruturas de poder, público e privado.”

Com esse argumento, o procurador condena não só Lula, mas todos os que estão exercendo cargo de executivo no país. A distribuição de cargos para aliados é prática comum em um sistema político que funciona sem construção de maiorias prévias e sem fidelidade programática. Não concordo com essa prática, acho que devemos mudar o sistema, mas vai uma grande distancia transformá-lo em argumento jurídico sem a devida prova do fato. Entretanto, Dallagnol não tem dúvida a atribuir essa prática no governo Lula como um “complexo esquema criminoso”. Nos governos municipais e estaduais, cuja prática também é realizada, imagino que o procurador acredite que todas aconteçam dentro do mais perfeito republicanismo.

Não satisfeito, diz o autor através do documento: “A análise dos fatos engloba a existência de um cartel que se relacionava de forma espúria com diretorias da maior estatal do país por mecanismo de corrupção que era praticado com elevado grau de sofisticação” Não adianta o procurador saber que os diversos delatores da Lava-Jato afirmaram que a corrupção da Petrobras antecede em muito o governo Lula. Não adianta o procurador saber que uma auditoria, feita pela KPMG, não identificou participação do ex-presidente Lula na corrupção da Petrobras. Isso pode até ser uma prova, mas não suficiente para abalar a convicção de Dallagnol.

Em outra página, o trecho mais perturbador, por ser o mais perigoso: “Se é extremamente importante a repressão aos chamados delitos de poder e se, simultaneamente, constituem crimes de difícil prova, o que se deve fazer? A solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação, mantendo simultaneamente todas as garantias da defesa”. Veja a parte grifada, percebeu o perigo, Dallagnol admite a dificuldade das provas, não me restando alternativa que não seja recorrer ao maior jurista da história deste país, meu conterrâneo Rui Barbosa: “A acusação é sempre um infortúnio enquanto não verificada pela prova.” Portanto, na métrica do doutor Dallagnol, o  ônus da prova não é de quem acusa, pelo contrário, quem acusa, pode se dar ao luxo de acusar justamente pela dificuldade de se adquirir as provas. Acho que agora, aquele turista que esteve em Marte, está começando a entender as coisas.

Ainda sobre provas - é estranho, mas nesta peça acusatória do Ministério Público, provas é o que menos interessa – vamos ao século XVIII dar voz ao mestre Cesare Beccaria: “quando a força de várias provas depende da verdade de uma só, o número dessas provas nada acrescenta nem subtrai à probabilidade do fato: merecem pouca consideração, porque, destruindo a única prova que parece certa, derrubais todas as outras. Mas, quando as provas são independentes, isto é quando cada indício se prova à parte, quanto mais numerosos forem esses indícios, tanto mais provável será o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes”². Traduzindo Beccaria, diríamos que o Ministério Público, não só não tem várias provas independentes contra Lula, como sua única “prova” - que se destruída derruba todas as outras – é simplesmente a admissão de ausência de provas.

Nas páginas que se seguem do documento, o procurador, para demonstrar conhecimento teórico e embasar suas teses, passa a citar uma série de autores e de exemplos em que todos tendem a  reconhecer que não há diferença de natureza entre prova direta e indireta. Esquece ele de que prova, é prova aqui e em qualquer lugar do mundo. É a vida de um ser humano que está em jogo, e, como acontece em um jogo de futebol, quando um pênalti precisa ser visto várias vezes para termos certeza de que foi pênalti, o olhar de condenação tem que ser condescendente com o árbitro.

No capítulo intitulado: “Modernas técnicas de análise de evidências”, o documento do Ministério Público recorre ao probabilismo, na vertente do bayesianismo, e o explanacionismo. Não tenho as credenciais intelectuais para analisar tais técnicas, mas indico o excelente e didático artigo do professor Lênio Streck, sobre o tema³. Antecipo uma precisa e lapidar assertiva de Lênio Streck sobre o tema em questão: “O agente do MPF nos deve accountability. Deve ser imparcial. Não pode dizer o que quer. Há uma estrutura externa que deve constranger a sua subjetividade. Essa estrutura é formada pela Constituição, as leis, as teorias da prova, as teorias sobre a verdade, enfim, há uma tradição acerca do que são garantias processuais.” O doutor Dallagnol e sua trupe desconhecem o que significa “constranger a sua subjetividade”, em outras palavras, falta-lhe a grandeza de perceber e submeter-se à outra frase mestra do Direito: o juiz é apenas aquele que erra por último.
  
Diante desse impasse metodológico e da completa falta de capacidade de se constranger, por parte do procurador, não podemos nos esquecer de que existe o outro polo do processo sofrendo, diretamente, o fundamentalismo moralista e cruzadista de alguns membros do Ministério Público. Ao outro polo, no caso o ex-presidente Lula, resta-lhe apegar-se à essência básica do Direito de que todos são inocentes até que se prove em contrário e apostar na objetividade da presunção de inocência.

Filha da Revolução Francesa, a presunção da inocência foi um avanço fundamental em termos de direitos humanos. De acordo com o artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos, de 1789, “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”. Essa passou a ser a premissa básica que forjou as relações humanas nas sociedades contemporâneas. O cidadão é o centro do poder e para seu bem estar deve convergir as leis e os governos. Vejamos o que escreveu Beccaria sobre questão semelhante: “Sejam públicos os julgamentos; sejam-no também as provas do crime: e a opinião, que é talvez o único laço das sociedades, porá freio à violência e às paixões. O povo dirá: Não somos escravos, mas protegidos pelas leis.” Esse é o sentimento que deve permear um processo conduzido por um órgão como o Ministério Público, o réu deve sentir-se protegido pela lei, mas o que vemos é a lei sendo usada pelo agente público para constranger o réu.

A forma como vem sendo conduzido o processo do ex-presidente Lula fica evidente o permanente flerte com a politização da justiça. Em tempos de redes sociais com seus “juízes” de plantão sempre prontos a julgar e condenar a partir do mais simplório argumento, o doutor Dallagnol, com seu Power Point, virou a estrela do espetáculo. O ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, foi de uma felicidade sutil e precisa ao afirmar que “lugar de procurador não é em púlpito de Igreja, palco de show ou em congressos para se vangloriar de seus feitos”.

Utilizar probabilidades e algoritmos para decidir sobre a liberdade de um cidadão é deixar a sociedade a mercê de interpretações jurídicas demasiado abertas. O Direito deve ser exercido no limite entre a liberdade e a pena. Ao agente, operador do Direito, cabe  o bom senso de não se sentir acima do próprio Direito. Vejamos o que podemos aprender com Beccaria sobre as interpretações da lei: “O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro.”

A forma instrumental e tendenciosa como vem sendo conduzido, pelo Ministério Público, o processo do ex-presidente Lula tem sido eivado de raciocínios incertos e obscuros. Defender maior lisura e neutralidade no julgamento do ex-presidente, não significa fechar os olhos para possíveis erros cometidos por um agente público eleito para governar de maneira correta e honesta.  Defender maior lisura e neutralidade no julgamento do ex-presidente Lula, é defender o respeito ao Estado de Direito e a própria democracia. É defender o avanço civilizatório da sociedade, fruto das lutas populares e das cabeças brilhantes dos grandes pensadores iluministas a exemplo do mestre Cesare Beccaria.

Eduardo José Santos Borges - Doutor em História Social – Professor de História Moderna da UNEB.
¹ http://justificando.cartacapital.com.br/2016/03/28/qual-e-o-lugar-do-ministerio-publico-no-processo-penal/
² http://livros01.livrosgratis.com.br/eb000015.pdf.
³ http://www.conjur.com.br/2017-jun-22/senso-incomum-exoticas-teorias-usadas-mpf-seriam-chumbadas-cnmp2

GGN

terça-feira, 20 de junho de 2017

O triplex é da CAIXA por hipoteca desde 2009, nem de Lula, nem da OAS, é do banco há 7 anos, por Cíntia Alves

Nem de Lula, nem da OAS, o triplex é da Caixa há pelo menos 7 anos

"Nem Léo Pinheiro, nem a OAS tinham a disponibilidade do imóvel para dar ou oferecer a quem quer que seja", diz Cristiano Zanin.
Foto: Ricardo Stuckert

A defesa do ex-presidente Lula apresentou, durante coletiva de imprensa em São Paulo, o teor das alegações finais sobre o caso triplex, cujo prazo para entrega ao juiz Sergio Moro termina nesta terça (20). Durante a exposição, o advogado Cristiano Zanin revelou que encontrou novas provas de que "nem Léo Pinheiro, nem a OAS tinham a dispobilidade do imóvel para dar ou oferecer a quem quer que seja".

Isso porque, desde 2010, o triplex, assim como os demais apartamentos do Consomínio Solaris, no Guarujá, foi entregue pela OAS a um fundo controlado pela Caixa Econômica Federal. Como nenhum depósito foi feito em conta bancária sinalizada pela Caixa, o triplex não foi liberado a ninguém, muito menos a Lula. 

"Se o triplex não é nem jamais foi de Lula, sua absolvição é obrigatória. Não só porque o Ministério Público não produziu prova do que diz, mas porque a defesa produziu provas da inocência de Lula", disparou o advogado.

A defesa já havia juntado aos autos do processo que tramita em Curitiba os documentos que atestam que o triplex, que está em nome da OAS, foi dado como garantia em operações financeiras, incluindo pedido de recuperação judicial, a partir de 2009. A revelação tem peso no julgamento porque a Lava Jato insiste que foi naquele ano que a OAS transferiu, de forma velada, a posse do apartamento para Lula.

Os novos documentos, que provam que a Caixa detém o direito financeiro-econômico sobre o triplex desde 2010, foram produzidos de maneira autônoma pela defesa de Lula, após o juiz Sergio Moro negar o pedido de diligência. 
Segundo Zanin, um dos documentos indica a "conta e agência onde os valores referentes aos apartamentos do Solaris devem ser depositados para que haja a liberação do imóvel. Ou seja, esse documento significa dizer que só se houvesse depósito nessa conta e nessa agência é que os imóveis estariam liberados para venda, doação ou qualquer forma de alienação, qualquer forma de transferência da propriedade. Era imprescindível, portanto, que houvesse depósito de valores nessa conta da Caixa."

Ex-OAS, Léo Pinheiro, em março passado, disse a Moro que combinou com Paulo Okamotto e João Vaccari Neto que o triplex seria de Lula a partir de um "encontro de contas" com o PT. O pretenso delator afirmou que reformou o apartamento com dinheiro da OAS Empreendimentos, dentro da legalidade, com o intuito de vender ao ex-presidente. Para sustentar a tese de que não ficaria no prejuízo caso Lula não quisesse adquirir o imóvel, Pinheiro afirmou que deixaria de pagar ao PT propina equivalente ao valor investido nas melhorias.

"Léo Pinheiro esqueceu de dizer [a Moro] que ele próprio, com sua assinatura, havia levado, em novembro de 2009, à junta comercial, um documento que transferiu à Caixa 100% dos direitos economico-financeiros do triplex e dos demais imóveis do Solaris. Então, como ele pode ter dado esse apartamento a Lula se, no mesmo ano, ele deu o imóvel como garantia à Caixa? Para que Léo Pinheiro pudesse afirmar que deu, ele teria de mostrar um recibo de que depositou na conta da Caixa os valores correspondentes a esse apartamento. Isso jamais ocorreu", revelou Zanin.

O defensor ainda disse que essas informações sobre a verdadeira propriedade do triplex poderiam ter vindo à tona há muito tempo, se a Lava Jato não tivesse transformado a investigação contra Lula numa espécie de jogo.

Ele lembrou que o caso triplex nasceu de um inquérito sigiloso e que, quando a defesa tomou conhecimento disso e pediu acesso aos autos, Moro negou. Foi preciso recorrer ao Supremo Tribunal Federal. A defesa sequer teve tempo de analisar o procedimento e pedir produção de provas porque, dois dias após ter acesso ao inquérito, Lula foi indiciado pela Polícia Federal. 

"Mas não foi só na fase policial que a verdade poderia ter sido descoberta", apontou Zanin. Durante a fase processual, conduzida por Moro, a defesa solicitou uma série de provas negadas pelo juiz, que costumava alegar que os pedidos eram abusivos ou que não acrescentariam nada à ação. Zanin destacou, a título de exemplo, os pedidos para produzir provas de que Lula recebeu, como diz o MPF, dinheiro desviado da Petrobras, e a petição para aprofundar o uso do triplex em transações financeiras pela OAS. Tudo negado por Moro.

"Certamente a Polícia Federal e o Ministério Público Federal teriam condições de saber da existência [desses documentos]. Nós havíamos pedido para que fossem produzidas essas provas em perícia, mas os pedidos foram negados. É a defesa que leva ao processo a prova da inocência de Lula. Prova categorica, contundente e que não deixa nenhuma dúvida."
  
OUTROS EIXOS DA DENÚNCIA

Zanin rebateu, ainda, o "contexto" de "macrocorrupção" criado pela Lava Jato para taxar Lula de chefe da organização criminosa. Trata-se do pano de fundo da denúncia do triplex, em que Lula aparece sendo beneficiado pela OAS por ter garantido a manutenção do esquema de corrupção na Petrobras enquanto presidente da República.

"A denuncia, além de veicular a acusação propriamente dita, fala de um contexto, mas esse contexto fala de uma investigação que esta em curso no Supremo e não há competencia da 13ª Vara Federal em Curitiba para tratar do fato", sustentou.

Durante a coletiva de imprensa, Zanin também abordou as violações e abusos praticados por Moro e pela força-tarefa durante a fase processual e lembrou, ainda, que a defesa produziu provas de que Lula não poderia saber de corrupção na Petrobras, a partir de auditorias feitas na estatal.

Em relação à terceira parte da denúncia, que trata de contrato da OAS com a Granero pela manutenção do acervo presidencial, Zanin destacou que o MPF, além de não imputar a Lula qualquer ação relativa a esse contrato, viu sua tese de pagamento de propina cair por terra quando o dono da Granero admitiu que houve um erro dele na produção do documento. A Lava Jato fala em fraude porque a peça fala em armazenamento de materiais de escritório da OAS, e não do acervo de Lula.

O CASO CLÁUDIA CRUZ

Ao final da exposição, Zanin indicou que, diante das provas produzidas, qualquer sentença sobre o triplex que não seja de absolvição para Lula só reforçará que o caso é de perseguição política.

O advogado fez um paralelo com a sentença proferida por Moro em relação à esposa de Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, absolvida por falta de provas de sua participação na lavagem de dinheiro.

"Nessa sentença, Moro diz que em crime de corrupção e lavagem de dinheiro, é preciso haver rastreamento dos valores envolvidos", frisou Zanin. "Em relação a Lula, em momento algum houve rastreamento de valores. Nao se aplicou a máxima de seguir o dinheiro, mesmo a defesa tendo feito esse pedido com a certeza de que Lula não recebeu valores provenientes de contratos da Petrobras. É bom lembrar que depois da devassa feita nas contas e vida de Lula e de seus familiares, nenhum valor ilicito foi encontrado", ponderou.

Questionado sobre a possibilidade de Moro usar a teoria do domínio do fato para condenar Lula, Zanin disse que a tese "não pode servir de muleta para Ministério Público que não produz provas."

Acompanhe, abaixo, a coletiva na íntegra. AQUI.

Do GGN

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Cíntia Alves: as sentenças de Moro são the flash par o PT, com o triplex que não é de Lula seguirá o mesmo rito?

Com fim de prazo para Lula, quanto tempo até a sentença de Moro sobre o triplex? Quando há petistas sentados no banco dos réus, Sergio Moro costuma dar a sentença condenatória em menos de 2 semanas.
Foto: Lula Marques/PT

Termina nesta terça (20) o prazo para a defesa de Lula apresentar as alegações finais sobre o caso triplex. Há uma expectativa em torno de quanto tempo levará até que o juiz Sergio Moro emita decisão condenando ou absolvendo o ex-presidente. Levantamento do GGN mostra que, quando há petista sentado no banco dos reús, o magistrado de Curitiba costuma decidir em menos de 2 semanas. De 10 sentenças analisadas, seis enquadram-se nesse intervalo. Disputado por eventos empresariais, acadêmicos e político-partidários, Moro sempre leva em consideração se há prisão preventiva dos denunciados para acelerar o processo.

O ex-tesoureiro João Vaccari Neto foi um dos que recebeu a punição - 8 anos de encarceramento - rapidamente. Entre o fim do prazo para as alegações finais e o momento em que Moro recebeu os autos conclusos para decisão, passaram-se apenas 3 dias. Na mesma sentença, de 227 páginas, o juiz condenou também Renato Duque, considerado o operador do PT dentro da Petrobras, a 20 anos de prisão.

Vaccari e Duque só perdem para Eduardo Cunha (PMDB), que teve sua sentença, de 109 páginas, dada em 2 dias. Com contas na Suíça comprovadas, o deputado cassado, ex-presidente da Câmara, foi condenado a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro.

Outro petista nas mãos de Moro, José Dirceu teve suas sentenças decretadas em menos de duas semanas. Na primeira, de maio de 2016, condenando-o a 23 anos de prisão (a mais alta pena da Lava Jato), Moro levou 13 dias para publicar a decisão. Já na segunda condenação (11 anos de prisão, dada em março passado), o juiz de Curitiba levou menos tempo: 7 dias para produzir 95 páginas.

A exceção na lista dos petistas condenados por Moro é Delúbio Soares. Na ação penal em que ele foi acusado de lavagem de dinheiro em torno de um empréstimo do Schahin que beneficiou o empresário do ABC Ronan Maria Pinto, o ex-tesoureiro do PT foi condenado a 5 anos de reclusão. No mesmo documentos, de 127 páginas, Moro impôs a mesma pena a Ronan. Entre o fim do prazo para as alegações finais e a decisão de Moro, passaram-se mais de três meses. Nesse período, soma-se o as férias de final de ano do magistrado.

O processo de Delúbio foi um dos que mais deram dor de cabeça a Moro, em termos de recursos à segunda instância. A defesa de Ronan conseguiu a reverter a prisão preventiva do empresário após uma temporada de três meses em Curitiba. Foi uma pedra em cima das expectativas de quem aguardava uma delação premiada do empresário que aparece em processos envolvendo a morte do ex-prefeito petista Celso Daniel.

A própria Lava Jato usou a morte, de 2002, para vender o caso. Mas a promessa de descobrir qualquer informação que colocasse um fim às teorias em torno do assassinato caiu por terra. O próprio juiz Sergio Moro, na sentença, reconhece que o Ministério Público Federal transformou o caso em "irrevelante" ao não conseguir encontrar provas de extorsão.

A sentença de José Carlos Bumlai, taxado pela mídia como o "amigo de Lula", saiu em menos de 30 dias. A decisão virou alvo de embate entre Moro e o jurista Lênio Streck, que denunciou nas redes sociais que entre o fim do prazo para as alegações finais do pecuarista e a decisão de Moro, passaram-se menos de 24 horas. 

Moro explicou que, no caso de Bumlai, houve uma dilação de prazo um mês antes, em 15 de agosto, porque foram juntadas aos autos delações premiadas usadas durante o processo. Naquele momento, as defesas já haviam concluído as alegações finais mas, por causa das delações, Moro decidiu estender o prazo por mais alguns dias, "a bem da ampla defesa". Naquele mês, Moro ainda se ocupou de palestra nos Estados Unidos e eventos na Câmara para debater a lei de abuso de autoridade.

Outro caso que se levou mais tempo até a sentença final foi o do marqueteiro João Santana. Deu tempo do operador de contas de Santana, Zwi Skornick, fechar acordo de delação, algo que aconteceu com o próprio marqueteiro, dois meses após a decisão de Moro impondo 8 anos de prisão a ele.

O levantamento do GGN foi feito com base em réus que compunham o núcleo de agentes envolvidos com partidos políticos. O Conjur publicou reportagem mostrando quanto tempo levou entre o início dos processos e a decisão de Moro. O de João Cláudio Genu foi o mais veloz: levou 5 meses e meio.
Do GGN

domingo, 11 de junho de 2017

MPF - lava jato faz alegações fantásticas: entre a ficção e a convicção (e as provas?), por Alvaro Augusto Ribeiro Costa

Fantásticas, em muitos sentidos, as “Alegações” noticiadas e reproduzidas em bombásticas manchetes: “MPF pede condenação de Lula e multa de R$ 87 milhões”.

Lembre-se que se trata de processo notavelmente midiático, em juízo de discutível competência absoluta, onde se misturam, em fantástica  simbiose, roteiros e atores (processuais e globais, acusadores e julgadores, politicos, editorialistas e comentaristas de todos os tipos), excepcionalidades, misteriosos e oportunos vazamentos de “sigilosos” documentos, além de inúmeras peripécias de fazerem inveja aos melhores ficcionistas da literatura.
  
Nesse contexto, as “Alegações” aparecem na sequência lógica de anunciado roteiro de ficção e proclamadas  convicções – lembre-se um  famoso “power point” e incontáveis declarações e publicações no mesmo sentido.   Deixam muito a desejar, porém, quanto ao devido exame do direito e dos fatos. Diante de sua fantástica extensão (334 páginas), tais “Alegações”, de fastidiosa leitura,  sacrificam o leitor e a dificultam a defesa.

Quanto ao juiz, o acusador não terá que se preocupar, se ele já tiver se revelado, no processo ou fora dele, alguém “condenado a condenar”, sob o estímulo da “vox populi”, mídia, “apoiadores” e áulicos; ou se for dos que se apresentam circulando e sendo louvados com entusiasmo entre os maiores interessados na destruição politica e pessoal do réu. Ou, ainda, daqueles  que nada opõem à difusão da falsa idéia de que o processo é uma cruzada do bem contra o mal, sendo o julgador a personificação do primeiro e o réu o demônio a ser esmagado. A sentença de tal julgador – se existisse - não causaria surpresa. E não lhe faltariam aplausos.

Contudo, a prolixidade esconde o nada jurídico. Sabe disso qualquer bom estudante do Direito. E o bom professor facilmente percebe que a falta de substancial e pertinente fundamentação não é suprida pelo artifício do “recorta e cola”, com que se foge das questões e são feitas – sob a falsa aparência de erudição – genéricas citações, de pouca ou nenhuma pertinência ao caso.

Peculiares, nesse aspecto, “Alegações” onde não se encontra concreta, individual e especificamente enunciada e comprovada a acusação. Para quem procura nelas o único conteúdo juridicamente relevante – fatos e provas lógica e juridicamente estruturados em indispensável e válida fundamentação -, o resultado é frustrante.

Seguindo o roteiro de uma denúncia inepta e de um notório e constrangedor “power point”, investem elas contra um “exemplar e poderoso culpado” a ser exibido  no desfile dos vencidos na “cruzada contra a corrupção”. Onde foram considerados os princípios da presunção da inocência, do contraditório e da ampla defesa?

Explícitas normas legais parecem igualmente esquecidas: “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” (Art.156 do CPP);  “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação (…)”(Art. 155 do CPP).

Encontra-se porém nas “Alegações” a colagem de abstratas  citações doutrinárias e jurisprudenciais, extraídas em quantidade e sem melhor exame  até de sistemas jurídicos alheios ao brasileiro (por exemplo, alusivos a crimes complexos , técnicas de análise de evidências, “standards” de prova etc…).

Socorrem-se também as “Alegações” de esotéricas teorias de diversas origens (inclusive alienígenas) que um de seus subscritores, “modéstia às favas”, propaga ( do “probabilismo, na vertente do bayesianismo” e do “explacionismo”), onde o caso concreto e suas peculiaridades não se ajustam.
  
Tais “pressupostos teóricos” e considerações  genéricas, todavia, nada têm a ver com fatos e provas que deveriam estar especificamente individualizados em relação  às acusações lançadas contra o ex-Presidente da República e não suprem sua ausência. Tanto é assim, que as “Alegações” chegam ao cúmulo de invocar, em reforço de argumentação e como se fosse pertinente, um caso de estupro (!) (pag. 53).

Aliás, o caráter abstrato daqueles “pressupostos” é reconhecido nas próprias “Alegações”, quando afirmam ter apoio em teorias adotadas em obra de autoria exatamente de quem as subscreve em primeiro lugar (v. pag. 52, nota de rodapé no. 1). A propósito, são inúmeras as vezes em que o mencionado subscritor das “Alegações” invoca como fundamentos das mesmas a “autoridade doutrinária” que a si próprio atribui. Pouco elogiável, porém, é pretender valer-se de si mesmo como fundamento suficiente para condenação de alguém na ausência de provas.

Inaceitável  também  é livrar-se o Ministério Público do ônus da prova,  alegando que “os crimes perpetrados”  “são de difícil prova” e "a solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória" (pág. 53). Ora, se é difícil a prova, caberia ao acusador buscá-la, se existisse.  Nunca, porém, inverter o ônus que é seu, como se ao acusado coubesse provar o oposto do que desconhece.

As “Alegações” traduzem, desse modo,  confissão implícita da ausência de provas verdadeiras e válidas. Quem tem fatos e provas não precisa de teorias.

Dispensáveis, a prolixidade e as generalidades presentes nas  “Alegações”. Não precisavam ir tão longe. Sem perderem de vista a definição constitucional do Ministério Público como instituição defensora da ordem juridica e dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (Art. 127 da CF), não poderiam ter  esquecido o que diz o art. 239 do CPP: Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.“

Portanto, o conceito de evidências – que as  “Alegações”  invocam no direito estrangeiro  - em nada se confunde com o de indícios definidos no art. 239 do CPP.  Para o Direito brasileiro, “circunstância” não é sinônimo de ”indício”. São conceitos distintos. Para que algo seja válido como “indício” é indispensável que preencha as condições legalmente fixadas. Por isso, não é cabível – como se faz nas “Alegações” – valer-se de um amontoado de circunstâncias e teorias, bem como de confusões conceituais, para daí afirmar-se a ocorrência de um conjunto de indícios que seriam o fundamento do que chamam de “juízo de convicção” .

Para cumprirem  a lei, as “Alegações” deveriam ter indicado, quanto ao ex-Presidente da República,  concreta, individualizada  e especificamente: 1) fato criminoso específica e individualizadamente a ele atribuível (tal como descrito no tipo penal), com todas as circunstâncias de tempo, lugar e modo; 2)  circunstâncias conhecidas e provadas; 3) as relações entre tais circunstâncias e o fato delituoso; 3) a natureza de tais relações (de causalidade ou de consequência) com o fato delituoso; 4) o raciocínio indutivo (lógica e juridicamente válido) que pudesse autorizar a conclusão sobre a existência de outra ou outras circunstâncias.

Cumprir tais exigências é impossível, porém, quando o que se tem são meras ficções, teorias ou convicções orientadas por pressupostos e objetivos previamente estabelecidos e proclamados (vide o “Power Point” e outras entrevistas, declarações, publicações etc…).

Em suma, quanto ao ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, as “Alegações” deixam claro o reconhecimento da ausência de fundamento para condenação.  A rigor, pretendem transformar ficções em fatos, teorias em provas e convicções subjetivas  em veredito condenatório.

Existirá julgador que chegue a tanto? Se existir,  o jogo estará feito (desde quando?). A notícia–sentença virá como exigida e previamente anunciada pela  mídia selecionada. Enfim, explodirá em manchetes, enquanto os “vencedores” do “Big Game” e a turba “aglobalhada” pelo ódio e o preconceito  aplaudirão freneticamente os herois do momento.

E a justiça?  Onde fica nisso tudo? Ora, “Veja” ! Isso talvez seja  querer demais!

Alvaro Augusto Ribeiro Costa - Sub-procurador Geral da República (aposentado), ex-Advogado Geral da União e ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Do GGN

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Cíntia Alves: Sem "provas cabais", Lava Jato pede condenação de Lula por "dúvida razoável"

Em alegações finais, República de Curitiba sustenta que é "razoável reconhecer a dificuldade probatória" contra Lula, no caso triplex, e cita trecho de livro de Sergio Moro em que o juiz aborda a dispensa de "provas cabais" durante um julgamento.
 Foto: Instituto Lula

Em mais de 300 páginas de alegações finais, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba inseriu um capítulo inteiro sobre a dificuldade de processar crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e organização criminosa, como os imputados a Lula no caso triplex, e apela por uma "flexibilização" do material probatório, ou seja, que o juiz Sergio Moro dê um desconto pela inexistência de "provas cabais".

As alegações finais foram apresentadas pela equipe de Deltan Dallagnol no dia 2 de junho, explorando o uso de "indícios e presunções" como provas, a partir de um livro do coordenador da força-tarefa, além de outra obra, publicada por Moro, sobre a dispensa de "provas cabais" quando a dificuldade em coletá-las é grande.

No caso triplex, os procuradores dividiram as acusações contra Lula em três eixos: no primeiro, o ex-presidente é acusado de liderar um engenhoso esquema de corrupção que perpetuou o PT no poder e ajudou a comprar partidos aliados, além de promover o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos nos crimes. Nesse cenário, só a OAS pagou R$ 87,6 milhões em propina, em troca de 3 contratos com a Petrobras. Lula teria ficado com cerca de 2% desse valor, relacionados ao eixo 2 da acusação: o recebimento de um apartamento triplex no Guarujá, reformado e contruído com recursos da OAS, no valor de R$ 2.424.990,83. O terceiro eixo diz respeito à contratação da empresa Granero, pela OAS, para armazenar o acervo presidencial, ao custo total de R$ 1.313.747,24.

Para construir o enredo do eixo 1, a Lava Jato destacou trechos da delação premiada de Delcídio do Amaral (que a defesa de Lula aponta ter sido negociada após tortura do ex-senador) e do depoimento de Pedro Corrêa (cuja delação, misteriosamente, não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal).

Ambos os colaboradores colocaram Lula no topo de comando das decisões em torno da Petrobras, a partir de suas experiências políticas. Como Lula supostamente teria sido o responsável final pela indicação e manutenção de diretores condenados por corrupção na estatal, ele é considerado o mentor do "complexo esquema criminoso".

A defesa de Lula, por outro lado, diz que o Ministério Público Federal sequer consegue detalhar a participação do ex-presidente nesse suposto esquema e, consequentemente, não construiu com clareza a parte da denúncia que deveria tratar do crime antecedente à lavagem de dinheiro por meio do triplex, necessário à condenação por esse tipo de delito.

"O ponto aqui é que disso tudo flui que os crimes perpetrados pelos investigados são de difícil prova. Isso não é apenas um 'fruto do acaso', mas sim da profissionalização de sua prática e de cuidados deliberadamente empregados pelos réus", rebate a Lava Jato. "Ficou bastante claro que os envolvidos buscavam, a todo momento, aplicar técnicas de contrainteligência a fim de garantir sua impunidade em caso de identificação pelos órgãos de repressão penal do Estado", acrescenta.

Mesmo diante de questionamentos múltiplos, se consideradas as defesas dos demais réus, a Lava Jato insiste na solidez da teoria acusatória e afirma que, como o caso em torno de Lula é de notável "dificuldade probatória", "a solução mais razoável" é reconhecer isso e "medir adequadamente o ônus da acusação".

Em um dos trechos do documento, o MPF chega a citar o voto de Rosa Weber no julgamento do Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, invocando o paralelo que a ministra fez com casos de estupro, em que é preciso acreditar no relato da vítima para dimensionar o tamanho da pena do agressor, tendo em vista que esse tipo de crime raramente é cometido diante de testemunhas. Ou seja, para a Lava Jato, na falta de elementos probatórios irrefutáveis, é preciso acreditar na palavra dos delatores contra Lula.

"A Ministra bem diagnosticou a situação: em crimes graves e que não deixam provas diretas, ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e se confere o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências."

"Uma condenação pode legitimamente ter por base prova indiciária no lugar de uma prova cabal". Para isso, basta "produzir convicção para além da dúvida razoável".

Para sustentar esse ponto de vista, a República de Curitiba cita o livro "Autonomia do crime de lavagem de dinheiro e prova indiciária", de Sergio Moro, que aborda um julgamento por tráfico de drogas, no qual se abre mão da "prova cabal".

"O próprio entendimento segundo 'o qual não é exigida prova cabal' do crime antecedente da lavagem de dinheiro, que foi externado exemplificativamente nas apelações criminais 2000.71.00.041264-1 e ACR 2000.71.00.037905-4 pelo TRF4, citadas por Moro, indica a assunção da necessária flexibilização de standard dentro dos limites permitidos pelo modelo beyond a reasonable doubt."

"Em conclusão, há farta doutrina e jurisprudência, brasileira e estrangeira, que ampara a dignidade da prova indiciária e sua suficiência para um decreto condenatório. Paralelamente, há um reconhecimento da necessidade de maior flexibilidade em casos de crimes complexos, cuja prova é difícil, os quais incluem os delitos de poder. Conduz-se, pois, à necessidade de se realizar uma valoração de provas que esteja em conformidade com o moderno entendimento da prova indiciária", conclui a Lava Jato.

Em vídeo publicado nas redes sociais, Cristiano Zanin cita trechos do livro "As lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções", de Deltan Dallagnol, usado nas alegações finais. Já na introdução, o procurador diz que "provar é argumentar". Mais adiante, diz que prova é "o nome dado a um crença que desenvolve função de suporte em relação a outra crença". Ele ainda defende que "julgar é um ato de crença, ou seja, um ato de fé", relata Zanin.

"Ora, não podemis admitir que provar é argumentar e ter crença, nem que julgar é um ato de fé", diz o defensor, citando o direito à presunção de inocência, que só pode ser afastado com provas cabais de crime.

"Se você defende e concorda com as alegações finais que o MP apresentou defendendo que alguém possa ser condenado por convicação, crençã e fé, você está se colocando contra o que diz a Constituição Federal. É preciso conhecer bem as teses que estão embasando o pedido de condenação do Ministério Público", avalia Zanin.

GGN

sábado, 3 de junho de 2017

MP em alegações finais sem sentido reiterou pedido de prisão de Lula e devolução de r$ 87 milhões por triplex que não é dele

Embora o chamado "triplex do Guarujá" pertença à construtora OAS, conforme demonstra escritura pública, e as testemunhas do processo tenham inocentado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério Público arguiu, em suas alegações finais, que ele deve ser preso em regime fechado pelo juiz Sergio Moro e condenado a devolver R$ 87 milhões, sob a acusação de ter se beneficiado em reformas no imóvel.

As informações foram publicada em primeira mão pelo jornalista Samuel Nunes. "O MPF diz que o apartamento seria entregue a Lula, como contrapartida por contratos que a OAS fechou com a Petrobras, nos anos em que o político foi presidente da República. Também faz parte da denúncia o pagamento que a OAS fez à transportadora Granero, para que a empresa fizesse a guarda de parte do acervo que o ex-presidente recebeu ao deixar o cargo", diz ele.

O MP também deixa claro na denúncia que os delatores devem ser favorecidos por terem acusado Lula. "Embora tenha pedido que todos sejam presos, o MPF diz que Léo Pinheiro, Agenor Franklin Medeiros e Paulo Gordilho, devem ter as penas reduzidas pela metade, 'considerando que em seus interrogatórios não apenas confessaram ter praticado os graves fatos criminosos objeto da acusação, como também espontaneamente optaram por prestar esclarecimentos relevantes acerca da responsabilidade de coautores e partícipes nos crimes, tendo em vista, ainda, que forneceram provas documentais acerca dos crimes que não estavam na posse e não eram de conhecimento das autoridades públicas'", informa o jornalista.

Lula hoje lidera todas as pesquisas sobre a sucessão presidencial e seria eleito novamente se as eleições ocorressem hoje. Para que ele seja impedido de concorrer pelo Judiciário, é preciso que seja condenado em segunda instância antes da disputa e é nisso que aposta a direita brasileira.

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