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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

XADREZ DOS RUMOS DO FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – os ciclos da história
Desde o Plano Cruzado me interessei pelos ciclos históricos, pela maneira caprichosa com que os fatores históricos vão sendo tecidos e os eventos se repetem, com cem anos de diferença, mas seguindo a mesma lógica férrea. Explano essa processo no meu livro “Os cabeças de planilha”.
Quem primeiro me chamou a atenção foi a leitura de “América Latina, males de origem”, do médico, psicólogo, historiador Manuel Bonfim.
Admirador da revolução americana, descreveu logo após a República o que seria o desenho de um país moderno e sua decepção com a República que se desenhava no país. Especialmente com a maneira como o Brasil naufragou com o encilhamento e o jogo político dos financistas.
Justamente por mudar o foco dos males nacionais, do mito da sub-raça (que ele desmontou, como médico) para o da sub-elite, acabou ignorado pela geração seguinte de brasilianistas, de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda.
Essa visão dos ciclos é essencial para entender a quadra atual do mundo e do Brasil, o advento do fascismo em suas diversas formas.
Em meados do século 19 e início do século20 ganham forma as grandes inovações tecnológicas, especialmente nos meios de transporte e nos serviços públicos. Essas inovações permitem a notável expansão do capital financeiro, mas, ao mesmo tempo, provocam terremotos nas atividades tradicionais, levando insegurança a todos os setores.
Como descreve Madeleine Albright no beste-seller “Fascismo, um alerta”:
  • Invenções espantosas como a eletricidade, o telefone, o automóvel e o navio a vapor aproximavam o mundo, mas essas inovações deixavam milhões de fazendeiros e trabalhadores manuais sem emprego. Por toda parte, pessoas estavam em movimento. Famílias de trabalhadores rurais se amontoavam nas cidades e milhões de europeus levantavam acampamento e cruzavam o oceano. Para muitos dos que ficavam, as promessas inerentes ao iluminismo e às Revoluções Francesa e Americana haviam se esvaziado.

No plano internacional, além disso, vivia-se o advento de uma nova potência industrial, os Estados Unidos, desequilibrando o jogo de poderes na Europa. E o modelo de articulação entre as nações, a Liga das Nações, não mais conseguia administrar os conflitos entre as partes.
A Velha República esboroa-se no Brasil e em todas as partes do mundo. Na Europa, a crise decreta o fim das dinastias monárquicas que dominavam os países mais relevantes.
Cem anos depois, o modelo financista esgota-se com a crise de 2008. Em outros tempos, cederia espaço à socialdemocracia. Mas, na Europa, a socialdemocracia agonizava, devido às enormes concessões feitas à financeirização. Em 2010, a única esperança de revitalização da socialdemocracia era Lula, recém-saído de um governo vitorioso.
É esse quadro que provoca, tanto há cem anos, quanto agora, o fim do modelo de democracia restrita, abrindo espaço para as lideranças agressivas, populistas, primárias, brandindo discursos de ódio.
Peça 2 – psicologia do fascismo
Esse é o tema principal do livro de Madeleine Albright. Além das comparações históricas, Albright se dedica a dissecar a psicologia do fascismo, a partir dos exemplos maiores – Hitler e Mussolini -, mas também dos partidos de extrema-direita que aparecem nos Estados Unidos, Inglaterra e França.
O medo como fator impulsionador
  • O medo é a razão de o alcance emocional do fascismo se estender a todos os níveis da sociedade. Não existe movimento político que floresça sem apoio popular , mas o fascismo depende tanto dos ricos e poderosos como do homem ou da mulher da esquina – dos que têm muito a perder e dos que não têm nada. Essa colocação nos fez pensar que talvez o fascismo deva ser visto menos como ideologia política e mais como forma de se tomar e controlar o poder.
  • Na Itália dos anos 1920, por exemplo, havia autodeclarados fascistas de esquerda (que advogavam uma ditadura dos despossuídos), de direita (que defendiam um Estado corporativista autoritário) e de centro (que lutavam pelo retorno a uma monarquia absolutista).
  • Na origem da formação do Partido Nacional-Socialista Alemão (Nazista) há uma lista de reivindicações com apelo a antissemitas, anti-imigrantes e anticapitalistas, mas que defendia também pensões mais altas aos idosos, mais oportunidades educacionais aos pobres, fim do trabalho infantil e melhorias no sistema de saúde para as mães. Os nazistas eram racistas e, na cabeça deles, ao mesmo tempo reformistas.
  • Enquanto uma monarquia ou uma ditadura militar são impostas à sociedade de cima para baixo, a energia do fascismo é alimentada por homens e mulheres abalados por uma guerra perdida , um emprego perdido , uma lembrança de humilhação ou a sensação de que seu país vai de mal a pior . Quanto mais dolorosa for a origem da mágoa, mais fácil é para um líder fascista ganhar seguidores ao oferecer a expectativa de renovação ou prometer restituir - lhes o que perderam.

O fascismo de Trump
  • Nesse processo , aviltou sistematicamente o raciocínio político nos Estados Unidos , exibiu um desprezo impressionante pelos fatos , caluniou predecessores , ameaçou “ encarcerar ” rivais políticos , referiu - se aos jornalistas da grande mídia como “ inimigos do povo americano ” , espalhou mentiras sobre a integridade do processo eleitoral do país , promoveu de forma impensada uma política comercial e econômica nacionalista , vilanizou imigrantes e os países de onde vieram e alimentou uma intolerância paranoica direcionada aos seguidores de uma das principais religiões do mundo

A violência e a hipocrisia
  • (Mussolini) aceitava dinheiro de grandes corporações e bancos, mas falava a língua dos veteranos e dos trabalhadores. (...) Como o clima político continuava a piorar, teve de tornar-se cada vez mais militante só para manter-se em compasso com as forças que alegava comandar. A um repórter que lhe pediu para resumir seu programa, Mussolini respondeu: “É quebrar os ossos dos democratas... e quanto mais cedo, melhor”.
  • (...) Discursando em praças, cervejarias e tendas circenses, Hitler se utilizava repetidamente dos mesmos verbos de ação – esmagar, destruir, aniquilar, matar. Sua rotina era gritar até espumar de fúria, vociferando em meio ao agitar de braços contra os inimigos da nação.

A ditadura dentro do devido processo legal
  • Em 1924 , Mussolini forçou a aprovação de uma lei eleitoral que entregava aos fascistas o controle do parlamento . Quando o líder socialista apresentou provas de que a votação fora fraudada , foi raptado por bandidos e assassinado . Ao final de 1926, Il Duce já havia abolido todos os partidos políticos concorrentes, acabado com a liberdade de imprensa, neutralizado o movimento trabalhista e reservado a si mesmo o direito de nomear autoridades municipais. (...) Assumiu o controle da polícia nacional, expandiu-a e multiplicou sua capacidade de conduzir a fiscalização interna. Para sufocar a monarquia, reivindicou o poder de aprovar o sucessor do rei. Para apaziguar o Vaticano, mandou fechar os bordéis e aumentar os ganhos dos padres, mas em troca ficou com o direito de aprovação dos bispos.
  • (...) Aos 43 anos, (Hitler) fez um apelo aos parlamentares por confiança, na esperança de que não pensariam muito a fundo antes de votarem o próprio epitáfio. Sua meta era assegurar a aprovação de uma lei que o autorizasse a ignorar a Constituição, passar por cima do Reichstag e governar por decreto. Garantia a seus ouvintes que não tinham nada com que se preocupar; seu partido não tinha a intenção de minar as instituições alemãs. (...)  Poucas semanas depois, os partidos políticos que colaboraram haviam sido abolidos, e os socialistas, presos. O Terceiro Reich havia começado.

O início das ditaduras fascistas
  • (Hitler) Começou pela abolição das assembleias locais e pela substituição dos governadores das províncias por nazistas. Enviou valentões da SA para brutalizar adversários políticos e, quando necessário, despachá-los para os recém-abertos campos de concentração. Deu cabo dos sindicatos ao declarar o 1o de maio de 1933 feriado nacional sem desconto em folha e então ocupar as sedes dos sindicatos país afora no dia 2. Expurgou o serviço público de elementos desleais e emitiu um decreto banindo judeus de profissões. Pôs a produção teatral, musical e cinematográfica sob o controle de Joseph Goebbels e impediu jornalistas não simpatizantes de trabalhar. Para garantir a ordem, consolidou numa nova organização, a Gestapo, funções policiais, políticas e de inteligência.

Como o sistema os recebia
  • Destilava seu escárnio pelos comunistas, estratégia que lhe valeu amigos na comunidade financeira e cobertura favorável em alguns dos maiores veículos de imprensa do país.
  • (...) O establishment político do país – grandes empresários, militares e Igreja – descartara inicialmente os nazistas como um bando de brutos gritalhões que jamais atrairiam o apoio das massas. Com o tempo, passaram a enxergar valor no partido como bastião anticomunista, mas nada além. Não tinham metade do medo de Hitler que deveriam ter. Subestimavam-no em razão da falta de estudo e se deixavam levar por suas tentativas de cativá-los. Ele sorria se fosse preciso e certificava-se de responder-lhes às perguntas com mentiras tranquilizadoras. Para a velha guarda, era claramente um amador com uma ideia exagerada de si, improvável de manter-se popular por muito tempo.

Rádio e Internet
  • O Führer foi o primeiro ditador capaz de atingir 80 milhões de pessoas num único instante com um chamamento à união. O rádio era a internet dos anos 1930, mas, como meio de comunicação de mão única, mais fácil de controlar. Jamais estivera disponível ferramenta tão eficiente para manipular a mente humana.

As mulheres do lar
  • Ao tomar posse, Hitler quase que de imediato retirou mulheres de funções burocráticas, prometendo “emancipá-las da emancipação”. Eram aconselhadas a cuidar da lareira, fazer remendos, costurar, cozinhar apfelkuchen [tortas de maçã] e dar à luz uma nova geração de super-homens arianos.

A globalização
  • O ímpeto globalizante atordoava a muitos e os levava a buscar refúgio na toada familiar das noções de nação, cultura e fé; e, por toda parte, pessoas pareciam em busca de líderes que trouxessem respostas simples e satisfatórias às perguntas complicadas da modernidade.

O fascismo na Inglaterra
  • Sir Oswald Mosley , um intrépido inglês com um bigode escovinha de fazer inveja a Hitler , libido comparável à do Duce e o que uma colega definia como “ arrogância esmagadora e convicção inabalável de ter nascido para reinar ” , era alguém que se via em tal papel .
  • De volta a Londres , Mosley fundou a União Britânica de Fascistas ( BUF , na sigla em inglês ) , com uma plataforma que abarcava o característico programa de obras públicas , anticomunismo , protecionismo e libertação da Grã - Bretanha de estrangeiros , “ sejam hebreus ou qualquer outro tipo de forasteiro ” . À imagem e semelhança do Duce , recrutou uma força de segurança de aparência ameaçadora , ensinou - os a fazer a saudação romana e distribuiu - lhes camisas pretas inspiradas no modelo de seus uniformes de esgrima . Em 1934 , os comícios de Mosley atraíam multidões de trabalhadores , comerciantes , empresários , aristocratas , membros descontentes do Partido Conservador e um punhado de repórteres , soldados e policiais de folga .

O fascismo na França
  • Na França , o Solidarité Française , com suas camisas azuis , foi um dos vários grupos de direita a digladiar com a esquerda : assumidamente pró - nazista , fez campanha com o slogan “ A França para os franceses ” e foi banido pelo governo socialista em 1936 .

O fascismo nos EUA
  • O escritor autodidata William Pelley fundou a Silver Legion of America em janeiro de 1933, poucas horas após Hitler ascender ao posto de chanceler da Alemanha. Sediada em Asheville, na Carolina do Norte, atraiu cerca de 15 mil filiados. Seus seguidores usavam calças azuis e camisas prateadas com um “L” escarlate acima do coração, que significava Love, Loyalty and Liberty (Amor, Lealdade e Liberdade). Os camisas prateadas militavam pelo antissemitismo e buscavam reproduzir o modelo nazista de vigilantismo. (...) Em 1936, Pelley foi candidato à presidência com o slogan “Fora, vermelhos, fora, judeus”, mas seu nome só esteve na cédula do estado de Washington e recebeu menos de 2 mil votos. Os camisas prateadas não tardaram a desaparecer, mas os preconceitos que disseminaram encontraram eco em organizações como a Ku Klux Klan e nas transmissões em rede nacional do padre Charles Coughlin, polêmico radialista isolacionista de Detroit.

Peça 3 – o fascismo à brasileira
O fascismo à brasileira transcende a figura de Jair Bolsonaro. Há uma fase de transição, já em andamento, que definirá o desfecho dessa trajetória política do fascismo.
Com as devidas ressalvas, já que o país atravessa uma fase de profunda irracionalidade, com a besta solta nas redes sociais e nas ruas, é possível delinear alguns desdobramentos do governo Bolsonaro. Principalmente quando o governo estiver em andamento e as expectativas do eleitorado não forem atendidas.
Os fundamentalistas
Pessoalmente, Jair Bolsonaro é uma personalidade vulnerável psicológica, intelectual e socialmente. Depende, em tudo, dos filhos.
Dos seus quatro filhos, um é apolítico, dois são baixo clero de pequena ambição e o quarto, Eduardo, é o megalomaníaco. Tem ideias grandiosas, ambiciona suceder o pai. Assim como um Duce tupiniquim, acredita piamente na sua intuição e nas asneiras que repete. E tem seguidores que também acreditam.
É de sua responsabilidade a parte mais non-sense do Ministério: o inacreditável chanceler Ernesto Araújo, o Ministro da Educação Ricardo Veléz e a Ministra de Direitos Humanos Damares Alves. A mediocridade  de seu círculo de influência mostra um político de tiro curto.
Pela lógica interna do governo, dada pelo núcleo mais racional, o dos militares, não se espere longa vida dos fundamentalistas, especialmente do Ministro das Relações Exteriores. Trata-se de um bajulador que assimilou as pirações fundamentalistas dos Bolsonaro por puro oportunismo e monta um jogo de cena mirando exclusivamente a falta de discernimento dos Bolsonaro sem se importar com as consequências para o país.
Ocorre que o MRE terá uma função chave, para complementar as estratégias econômicas do futuro Ministro da Economia Paulo Guedes. Em poucos meses, mesmo antes de começar o governo as declarações de Ernesto e Jair têm produzido terremotos na imagem do Brasil no exterior. Possivelmente, nem nos tempos da Albânia, da Coreia do Norte, estados nacionais conseguiram produzir uma dupla tão ridiculamente atemorizante quanto o duo Jair-Ernesto. Esse estilo rede social é totalmente incompatível com qualquer projeto sério de país, de direita ou esquerda.
Não se tenha dúvida que partirá de Eduardo o primeiro grande trauma político do governo Bolsonaro.
Os catões
A posse de Bolsonaro, no dia 1º de janeiro, marcará formalmente a transmutação da Lava Jato de agente desestabilizador para co-participante do banquete dos vitoriosos. Essa mudança está expondo de uma maneira surpreendentemente rápida seu viés político. E exigirá do futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro habilidades políticas que, aparentemente, ele não dispõe.
Nem se fale do caso do motorista de Flávio Bolsonaro. Os palpiteiros gerais da nação, Deltan Dallagnol e colegas, não ousaram ir além de comentários genéricos. O procurador que montou um power point em cima de provas indiciárias, e se tornou dono de uma verborragia incontrolável, sobre o caso do motorista limitou-se a um sintético “Bem lembrado”, ao comentário de uma colega, sobre as razões do motorista não ter sido submetido a uma condução coercitiva.
Nos primeiros dias após ter aceito o convite, Moro garantiu que funcionaria como um filtro dos escândalos do governo Bolsonaro. Escândalos não embasado seriam relevados, escândalos de peso seriam considerados.
O caso do novo Ministro do Meio Ambiente  Ricardo Salles será seu terceiro desafio.
No primeiro, o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, demonstrou uma enorme incapacidade de construir sofismas verossímeis, sugerindo que estava absolvido por ter demonstrado arrependimento.
No segundo, o caso do motorista, o silêncio foi constrangedor.
O terceiro será mais desafiador: encarar as acusações contra o futuro Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Enquanto Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Salles modificou mapas elaborados pela Universidade de São Paulo, alterou a minuta do plano de manejo e é acusado de ter perseguido funcionários da Fundação Florestal que se recusaram a participar da jogada, que beneficiava mineradoras em áreas de manejo florestal. Como fica?
Mas o desafio final serão as revelações sobre a vida pregressa política de Jair, um frequentador histórico das práticas políticas do baixo clero.
Se o motorista do filho já produziu esse estrago, o que não ocorreria com a revelação das práticas de Jair?
Os militares
De certo modo, a eleição de Bolsonaro não é o início de um novo tempo, mas o capítulo final da desmoralização do poder civil e das instituições democráticas. Afinal, para os inimigos da democracia, é o exemplo mais acabado da irracionalidade do processo eleitoral.
Na montagem do governo, os militares montaram o eixo mais racional, impedindo a ação dos lobbies no Ministério das Minas e Energia e em outros postos chave. Além de monitorarem as impropriedades de Bolsonaro, providenciando correção rápida das declarações absurdas, que poderiam ter implicações nas relações externas.
Á medida em que se sucedam as impropriedades da banda fundamentalista, o eixo militar irá ampliando sua atuação. Já há notícias de que reivindicam o comando da Infraero e outras estatais chaves.
Retomando nosso fio inicial, sobre a repetição de padrões históricos, a experiência de 1964 foi uma repetição a dos tenentes em 1930 e será repetida em 2019.
Os primeiros militares ascendem aos postos com o sentido de missão. À medida em que seu poder vai se estendendo, haverá um movimento similar na iniciativa privada, de contratação de militares da reserva bem relacionados com os que estão no governo. Retornarão os convites sociais aos comandantes militares, serão retomadas as visitas aos quarteis.
Tudo isso resultará em um ganho de status social e econômico que, mais à frente, será o maior fator de resistência para os militares se recolherem novamente aos quarteis e clubes militares.
Com a ascensão do poder militar, o projeto da direita ganhará racionalidade. Mas, a julgar pelo mais influente dos militares no governo, o general Augusto Heleno, não se abandonará o discurso do perigo vermelho e dos inimigos da pátria. Enfim, não parecem ter cabeça para um projeto unificador do país.
Peça 4 – o fim do ciclo fascista na 2ª guerra
O livro de Madeleine Fullbright traz um bom retrato do que virou o fascismo na Itália, depois que Mussolini caiu em desgraça.
  • As notícias da partida de Mussolini foram o estopim para celebrações Itália afora. Milhares de fotos emolduradas do ditador deposto foram retiradas de paredes e jogadas no lixo; de uma hora para outra, um fascista assumido virara a criatura mais rara de se encontrar.

Aqui no Brasil, assim que cair o mito Bolsonaro, os neo-direitistas se recolherão e voltarão a fazer profissão de fé, ou no poder militar, ou na democracia, dependendo apenas do vento do momento.
Na época de Hitler, Charles Chaplin produziu e protagonizou um filme célebre, “O grande ditador”, no qual um inofensivo barbeiro é confundido com o ditador.
O discurso final ajudou a acalentar a humanidade nas décadas seguintes, em que o mundo redescobriu a colaboração e tentou se civilizar:
  • Em vez da torrente de impropérios esperada pela plateia , Chaplin profere uma homilia sobre a resiliência do espírito humano perante o mal . Pede aos soldados que não se entreguem a “ homens que os desprezam , escravizam . . . tratam a vocês como gado e os usam como bucha de canhão . . . homens antinaturais – homens mecânicos com mentes e corações mecânicos . Vocês não são máquinas ! Vocês não são gado ! Vocês são homens ! Têm o amor da humanidade em seus corações . ” “ Neste momento minha voz atinge milhões de pessoas mundo afora ” , diz à plateia o humilde barbeiro . “ Milhões de homens , mulheres e crianças desesperados – vítimas de um sistema que leva homens a torturar e aprisionar gente inocente . Aos que podem me ouvir , digo : não se desesperem . . . O ódio dos homens vai passar , os ditadores perecerão e o poder que tomaram do povo retornará ao povo . . . A liberdade nunca perecerá .”

Do GGN

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O que 40 anos de privatizações, flexibilização do trabalho e terceirizações na Grã-Bretanha podem nos ensinar


foto: bbc
 O que mantém Temer em seu lugar?

Para parafrasear um assessor do Presidente Americano, Clinton: são as reformas, idiota!

O temeroso está fazendo de tudo para aprovar a reforma trabalhista e conseguir pôr em marcha a da previdência.

Seria, portanto, interessante examinar os resultados de reformas similares na Grã-Bretanha, um dos países que primeiro as introduziram a quase 40 anos atrás.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Xadrez da globalização e da financeirização, Luis Nassif

Caso 1 - as guerras internas na geopolítica
Desde a criação do padrão ouro, sempre houve uma disputa interna, nos países, em torno do modelo.

O padrão ouro era essencial para a globalização do sistema financeiro e do comércio internacional, ao criar uma medida de valor global para os países que aderiam. Por outro lado, impedia os países de praticar políticas cambiais e monetárias autônomas e satanizava qualquer forma de proteção comercial.

Nesse mundo idílico, cada país se especializaria naquilo que sabia fazer: os desenvolvidos, em produtos industriais; os não-desenvolvidos na produção de matéria prima. Estratificava-se, assim, a relação inicial entre países.

Mais que isso, qualquer problema britânico, o Banco da Inglaterra aumentava os juros atraindo o ouro do mundo inteiro. Esse movimento provocava uma redução da moeda em circulação nos diversos países, uma apreciação do ouro, tirando a competitividade de seus produtos e jogando as economias nacionais em recessão.

Além disso, a adesão ao padrão-ouro, ou sistemas similares, impedia que pudessem se valer dos gastos públicos como estimulador da economia.

Em cada país, a disputa era decidida pelo jogo de interesses em cada ponta, a dos metalistas, do padrão ouro, e dos papelistas, do papel moeda.

Pertenciam ao grupo dos metalistas os financistas locais e os importadores em geral e seus parceiros internacionais, compradores e, especialmente, bancos ingleses, seja para atividades rentistas ou investimentos industriais.

Do lado dos papelistas, os exportadores de produtos industrializados, que também recorriam a medidas protecionistas contra as importações.

O desenvolvimento norte-americano do século 19 está diretamente vinculado ao repúdio ao padrão ouro e às tarifas protecionistas conquistadas pelos industriais da costa leste. Foi uma guerra entre papelistas e metalistas na qual, o período de hegemonia dos papelistas, permitiu um salto na industrialização norte-americana.

No final do século, a internacionalização de grandes grupos e o aparecimento de grandes financistas, como J.P.Morgan, inverteram a balança política, trazendo de volta o padrão-ouro, que perduraria até a 1a Guerra.

Peça 2 - a correlação de forças
Quando se olha a questão nacional, a médio prazo uma política industrial inteligente reforçará a economia nacional, melhorará o nível de emprego, adensará as cadeias produtivas, aumentará o mercado interno de trabalho, por consequência a condição de vida dos cidadãos. Interessa a quem vê a economia da ótica dos cidadãos locais.

Melhorando a economia internamente, além disso, atraía capital externo produtivo, desde que se mantivesse o câmbio desvalorizado, porém estável.

A outra visão é das empresas - e investidores - que tratam a economia de forma global. Acenam com a vantagem de um comércio sem barreiras, com a possibilidade de investimentos transbordando dos países mais ricos para os menos ricos. O desenvolvimento interno seria decorrência.

Com o tempo se percebeu que o livre fluxo de capitais tinha impacto enorme sobre a atividade interna, já que saía ou entrava ao sabor de fatos pontuais de mercado.

Não havia a soilidariedade com o interesse nacional. É o caso dos bancos que emprestavam para governos e empresas nacionais e precisavam apenas da garantia de manutenção do valor emprestado e da folga no orçamento para garantir a solvência.

Com o papel-moeda, estariam sempre sujeitos a desvalorizações cambiais que reduziriam o valor a receber.

A lógica do padrão-ouro definia vencedores e perdedores:

1. Se a nação tivesse um déficit na balança comercial, significava que estava gastando mais ouro do que recebendo.

2. A redução dos estoques de ouro obrigava a uma redução da oferta de dinheiro.

3. Com menos dinheiro, haveria menos atividade econômica, obrigando as empresas a reduzirem sua produção. Assim, o ajuste interno era dado pelo aumento do desemprego e pela redução da rentabilidade da produção voltada para o mercado interno.

4. Se havia superávit comercial, entrava mais ouro, maior quantidade provocava uma redução no preço do ouro e, automaticamente, uma redução no preço relativo dos produtos exportados.

Esse mecanismo era incompatível com o crescimento da economia.

O aumento dos investimentos quase sempre vem acompanhado de aumento das importações e da necessidade de aumento do crédito. Se o aumento das importações levasse ao desequilíbrio comercial, haveria uma contração no crédito que abortaria o crescimento.

Ou seja, pelo padrão ouro sempre seriam privilegiados os interesses externos em detrimento das demandas internas.

Por outro lado, a estabilização do câmbio, com o padrão ouro, atraía investimentos externos, em parceria com capitalistas locais. Os lucros dos bancos ingleses com as ferrovias da América Latina superavam em muito o que ganhavam em sua atividade nacional.

Peça 3 – o jogo de forças no Brasil
O governo Lula seguiu uma estratégia inicialmente bem-sucedida de criar uma massa crítica em favor das políticas mercantilistas nacionais (aquelas que privilegiam o mercado interno e a produção doméstica).

Abriu um enorme espaço para as empreiteiras, através do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e das ações diplomáticas. Ajudou a criar supercampeões nacionais na área de alimentos e siderurgia. Deu seu maior lance com o pré-sal, e a possibilidade de dar musculatura à indústria de máquinas e equipamentos e de tecnologia para estaleiros e plataformas. Por sua vez, esses campeões ajudavam na governabilidade através do financiamento de campanha no caixa 2.

Com exceção da Petrobras, a tentativa de casar financiamentos de campanha com benefícios pontuais – praticada pela Lava Jato para criminalizar os repasses – é forçar a barra. JBS, empreiteiras, Odebrecht bancavam o PT porque o modelo de desenvolvimento apresentado era benéfico para elas. Da mesma maneira que o mercado sempre apoiou o PSDB. Em ambos os casos, obviamente, ressalvados os casos explícitos de propinas e corrupção.

Onde a tática falhou? Na baixa compreensão e pouca atuação sobre o Judiciário, Ministério Público e mídia. Quando entraram, desequilibraram o jogo. E sua participação no jogo era de cunho eminentemente ideológico, já que, a rigor, não participam da atividade produtiva.

A mídia sempre foi favorável aos modelos financistas – o padrão ouro ou, como agora, o câmbio apreciado controlado – porque sua balança comercial (exportação de programas x importação de enlatados) sempre foi deficitária. Isto é, sempre importou muito mais do que exportava, no caso do papel de imprensa e da compra de programas de televisão.

Além disso, o mercado publicitário sempre girou em torno de dois grandes anunciantes: mercado financeiro, multinacionais de consumo.

Havia, portanto, um nítido alinhamento econômico e ideológico nesse pacto.

Não foi à toa que a ofensiva da Lava Jato esmagou impiedosamente as empresas que compunham o leque de apoio a Lula, destruindo tecnologias, empregos, posições estratégicas no mundo. Não foi meramente uma ação anticorrupção: foi um trabalho eminentemente geopolítico, em que o pacto dos vencedores (mídia-multi-Judiciário-MPF) tratou as empresas (e não apenas os empresários) de acordo com o direito penal do inimigo.

Peça 4 – os candidatos a Catão
A atuação dos personagens públicos mais ostensivos obedece a essa correlação de forças. E, tendo à mão a mídia e o Judiciário, cria-se o mais eficiente movimento de mobilização popular: o combate à corrupção.

E aí se entra no terreno conhecido da hipocrisia que permeia os períodos de catarse e de atuação hipócrita contra a corrupção.

Todo paladino que cavalga movimentos anticorrupção passa a ser glorificado como o escoteiro que enfrenta os poderosos. Ganha visibilidade e poder, na medida em que sua palavra passa a ter peso. Mas os verdadeirois paladinos da lei só existiam na imaginação dos roteiristas dos velhos faroestes.


Ele atua tendo na retaguarda um elenco estelar de grandes multinacionais brasileiras e estrangeiras e, especialmente, a Rede Globo, o poder maior que paira sobre o Brasil.

Indague dele qual sua posição sobre os escândalos do futebol e sobre o inquérito espanhol contra a Globo. Ganha uma coleção completa das obras de Lenio Streck quem conseguir arrancar uma declaração sequer do nosso intimorato James Stewart dos trópicos contra um esquema de corrupção amplo e disseminado por todo o país, envolvendo o esporte mais popular.

Na cena principal do filme, Stewart-Barroso duela com o vilão Lee Marvin-Gilmar, mas quem atira de trás dele é John Wayne-Globo e todo o exército da globalização.

O combate à corrupção costuma atrair vários tipos de personagens.

É só recordar o imenso oficial-anti-corrupção que foi Demóstenes Torres, fruto de uma dobradinha Veja-Carlinhos Cachoeira.

Depois das manifestações de rua contra o impeachment, contam-se às dezenas trambiqueiros de vários quilates que uma mera pesquisa no Facebook mostrava terem sido soldados mais vibrantes nas marchas contra a corrupção. Uma semana depois da votação do impeachment, a mais eloquente deputada a favor do SIM teve seu marido preso por corrupção uma semana depois.

E não apenas os catões de rua ou do baixo clero da política.

Enquanto procurador, Pedro Taques tornou-se uma lenda do Ministério Público Federal (MPF), atuando contra o super-vilão Comendador Arcanjo – um bicheiro que controlava cassinos na fronteira e lavava seu dinheiro com grandes plantadores de soja da região.

Eleito senador e, depois, governador do Mato Grosso, Taques se envolveu em diversas denúncias de propinas para financiamento de campanha. A última denúncia é sobre um esquema ilegal de escutas armados por auxiliares contra adversários políticos.

Poucos catões mantem a coerência, como é o caso do procurador Luiz Francisco, que conserva a postura evangélica.

O ex- PGR, Antônio Fernando de Souza, montou toda a estratégia da AP 470, o mensalão. Na denúncia, poupou o banqueiro Daniel Dantas, apesar de laudos da Polícia Federal apontando-o como o grande financiador de Marcos Valério. Aposentou-se e foi para um escritório de advocacia imediatamente contemplado com uma conta gigante da Brasil Telecom, na época controlada por Dantas. Hoje em dia, advoga para Eduardo Cunha.

A exploração da publicidade da Lava Jato, por Deltan Dallagnol, é apenas um ensaio de movimentos futuros, quando a luz dos holofotes começar a piscar.

Deltan entrou no mercado pujante dos conferencistas amparado exclusivamente no protagonismo adquirido com a Lava Jato. Apanhado no contrapé por denúncias, apressou-se a informar que repassou todos seus cachês de 2017 a um fundo destinado a combater o crime, ajudar nas investigações.

Até hoje não informou qual o instrumento do qual se valeu para as doações. Com toda certeza, o dinheiro continua em sua conta de investimento.

Na semana passada, cobrou cachê elevado da corretora que mais cresceu no mercado de capitais nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o juiz Sérgio Moro desestimulava a delação de Antônio Palocci – que prometera focalizar no mercado financeiro – sob a alegação de que estaria blefando.

Quem pode garantir que não houve um acerto, cuja contrapartida foi o cachê?

Poderia dizer que não tenho provas, mas tenho convicção de que foi pagamento de suborno. Mas seria irresponsável. Minha convicção é que houve foi um amplo desrespeito de Deltan ao MPF, ao se beneficiar dos frutos de um trabalho público, permitir que a sombra da suspeita seja lançado sobre toda corporação e, como agravante, provavelmente ter mentido sobre o destino dos cachês. Afinal, como diz a nota oficial da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) quem investe contra um procurador investe contra todo o MPF. Donde pode-se extrair o reverso: quando um procurador apoiado pela ANPR mente, é como se a mentira fosse um valor aceito pela corporação.

Nenhuma surpresa. A maioria absoluta dos Catões são como investidores que se agarram rapidamente à primeira oportunidade de ganhar poder para fazer jogadas de interesse pessoal, escudado na bandeira da anticorrupção. A história esta repleta desse tipo.

Por que, no fundo, campanhas contra corrupção, a favor do bem, da verdade e da imortalidade da alma, são apenas instrumentos de uma guerra econômica necessariamente suja. De ambos os lados.

Do GGN