A cada ação, várias reações. A cada fato novo, confrontos,
confusão, agressões às regras vigentes. E aquele que se importa caminha entre a
perplexidade e o desalento, opina Janio de Freitas sobre um país que se perdeu
de qualquer rumo. O articulista da Folha vai mais longe. Indaga sobre o que
resta quando uma decisão sem firmeza do Supremo dá um novo poder ao Senado. E
essa decisão fere de morte um partido e cria a possibilidade de salvamentos
semelhantes pelo país, a saber o Rio.
O governo utiliza-se das reformas para amealhar quem tem
dinheiro. Um presidente não eleito e com 3% de aprovação fere de morte a
legislação do trabalho e vai fazendo dela um Frankenstein aprovado sem um pingo
de discussão pelo Congresso. A grita vai ser grande e vai abocanhar os que
estão se lixando para o povo.
Por fim, Janio abarca a delação premiada que funciona há mais
de três anos sem critérios e sem peias. Coloca os absurdos das imunidades que
foram rebatidas pelo ministro Ricardo Lewandowski no caso do marqueteiro do
PMDB, visto que a Procuradoria-Geral da República não poderia oferecer o que
ofereceu, visto que de competência do juiz. E critica os ministros outros que
deram à Lava Jato e sua delação premiada tamanha flexibilidade. Rodrigo Janot
veio em defesa de seu histórico criticando Lewandowski, o que coloca mais
perguntas a serem respondidas nesse imbróglio.
Leia o artigo a seguir.
da Folha
por Janio de Freitas
A cada fato novo, segue-se uma situação tumultuosa,
confrontos, confusão de conceitos, trombadas e agressões às regras vigentes.
Quem ainda se importa com esse estado de coisas, transita entre a perplexidade
e o desalento, indagando aqui e ali, indagando-se, sempre em vão. Quem nunca se
importou, ou cansou de se importar, com a apatia dá a mais eficaz contribuição
para a continuidade, senão o aumento, do país desgarrado. E não está menos
inquieto do que aqueles outros, porque seus olhos e seus ouvidos não estão
imunes ao que se passa, no transtorno inquietante e indiscriminado.
Uma decisão do Supremo desprovida de coragem e de reflexão,
por exemplo, dá um novo poder ao Senado, com a preservação imprópria da
presença de um senador que, assim rearmado, cria uma crise no seu grande
partido, racha-o, e abala a composição do governo. Acaba aí? Não. Nem é certo
que venha a ter fim em tempo previsível. A decisão insatisfatória do Supremo
permite, ou requer, a extensão judicial do que deu a Aécio Neves: políticos do
Rio presos e acusados de corrupção são libertados pela Assembleia fluminense,
em imitação ao decidido no Senado. Desponta novo braço da crise, entre
Assembleia, Judiciário fluminense, partidos e o Supremo. Um círculo perfeito.
O governo faz das "reformas" um meio de picaretear
apoio de "quem tem dinheiro", como diz a crueza do neoliberal Gustavo
Franco, para o Michel Temer de 3% de aceitação pública, recordista planetário
negativo. A legislação do trabalho, nos seus 77 anos, tem o que ser melhorado,
para patrões e empregados. Mas o governo amontoa alterações a granel, com a
parcialidade esperável, e manda ao Congresso, que apenas remexe a salada.
Ninguém sabe como aplicar aquilo: a inquietação está nos
beneficiados e nos prejudicados. O governo emite medida provisória com as
correções mais prementes. Piorou: houve troca de erros por erros. Os
assalariados continuam sem saber como e quanto perdem, os empregadores sem
saber usar seus novos meios de ganhos. E como a população ativa compõe-se dos
dois segmentos, a "reforma" é uma imensa perturbação. A idiotia do
governo não relaxa.
Há mais de três anos discute-se a delação premiada. Seu uso
descriterioso, em numerosos casos, deu ao pagador da extorsão ou do suborno
sentença muito mais pesada que a do recebedor, o qual, ainda por cima,
deliberou provocar o desvio de centenas de milhões, ou bilhões mesmo, da
Petrobras e de outros cofres da riqueza pública. Os prêmios fixados por
procuradores da Lava Jato foram avalizados pelos dois relatores do Supremo, sem
dificuldades, até que a imunidade judicial dada aos bilionários Joesley e
Wesley Batista causou escândalo. A Procuradoria-Geral da República, ao tempo de
Rodrigo Janot, e os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin e Cármen Lúcia, pelo
Supremo, deram à lei da delação frequente flexibilidade.
O ministro Ricardo Lewandowski negou-a, relatando agora o
acordo de delação do marqueteiro Renato Pereira, do grupo de Sérgio Cabral.
Devolveu-o à Procuradoria-Geral, por nele encontrar desacordos com a
legislação. É o papel que a lei da delação lhe atribui. O acordo, a despeito
das trapaças financeiras que o motivam, concede ao "sentenciado" até
o direito de viajar quando quiser. A restrição é só dormirem casa durante um
ano –se não estiver em viagem.
A devolução do acordo não impede a delação nem prejudica o
inquérito, apenas exigindo a correção. Apesar disso, Rodrigo Janot, que
encaminhou o acordo, lança suspeita sobre a atitude de Lewandowski: "Será
que as investigações foram para rumos indesejáveis?". Maldade por maldade,
há outra pergunta possível: será que Rodrigo Janot, com sua generosidade de
premiador, queria combater ou mostrar que a corrupção vale a pena? Por hora,
com o desastre para o país e os prêmios a quem o prejudicou, a melhor resposta é
a pior das duas.
GGN