Um desembargador de plantão defere um pedido liminar em
Habeas Corpus (o HC foi impetrado contra o juízo da execução penal). Coisa que
às vezes acontece, nada de mais, não seria a primeira vez. Aí então, um juiz de
primeiro grau, que já não tinha jurisdição no caso (porque já havia sentenciado
- processo findo, jurisdição esgotada), "decide" que precisa de uma
orientação para saber "como proceder" (quando a ele não competiria
proceder nem para A nem para B).
Decide que alguém precisa decidir o que o fazer com a decisão
do desembargador de plantão. Não foi uma decisão, foi um alarme. Alarme
acionado, segue-se uma verdadeira caçada à decisão do desembargador do plantão.
Todo mundo volta das férias. Todo mundo quer ser juiz de plantão. Parece que o
processo tem dono e que o tribunal não tem regimento interno. Aí o relator que
já não era mais relator, dizendo-se juiz natural do processo, e sem ser
provocado, entra em campo para anular a decisão do juiz de plantão, avoca os
autos para si, ao argumento de que o pedido é mera reiteração de outros que
foram indeferidos (o que significa dizer que não há nenhum outro enfoque ou
perspectiva jurídica possível).
Fabrica um conflito de jurisdição, um falso conflito de jurisdição.
O fundamento da avocação: aquilo que a oitava turma decidiu é algo que pertence
à ordem do imutável (do tipo “quem manda aqui sou eu”). O réu não pode ser
solto – é a decisão de fundo. O ex-relator não quer aguardar a distribuição do
habeas corpus. O desembargador de plantão volta a determinar o cumprimento da
ordem de soltura. A polícia finge que não descumpre, mas também não cumpre, até
que, na queda de braço, o presidente do tribunal (no caso, o terrefê-4) anula a
decisão do juiz de plantão, porque é a primeira vez que aparece uma questão de
conflito de competência entre um juiz de plantão e um ex-relator em férias que
resolve voltar das férias e tomar para si um processo que foi distribuído no
plantão (eis o falso conflito).
Aí a polícia não precisa mais fingir que ia cumprir a ordem
do plantão. E, no final das contas, qual é o barbarismo jurídico? Não é nenhum
dos anteriores. O absurdo é que “há um desembargador petista!” O absurdo é o
"desembargador petista" achar que pode decidir no plantão habeas
corpus em favor do réu, de acordo com sua liberdade de convencimento e
argumentação jurídica – na pior das hipóteses – razoável. Se a decisão é certa
ou errada, se há fato novo ou não há, essa é uma questão que deve ser resolvida
no mérito, pelo colegiado competente, não no vale-tudo, fora do molde legal ou
à margem do procedimento aplicável. A impressão que fica, mais uma vez: o que
importa é a luta pelo poder.
O terrefê-4 não ia correr tanto para prender Lula antes
das eleições, para deixar que um “desembargador petista” pudesse soltá-lo por
um dia que fosse. O terrefê-4 só autoriza o cumprimento de decisão de juiz
anti-petista. O terrefê-4 se tornou um tribunal tão “politizado” que o
regimento interno e a lei processual já foram às favas há muito tempo. As ações
sobre a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal dormem nas
prateleiras do STF Como diz meu primo, “o cabaré pegou fogo”!
Beatriz Vargas Ramos - professora da UnB
Do GGN