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sexta-feira, 30 de março de 2018

Xadrez do pós-Temer e as eleições, por Luis Nassif


Peça 1 - o aleatório e o planejado
Nos processos históricos, é muito difícil separar o aleatório do planejado. Há um processo não linear, pontilhado por uma série de eventos, muitos não planejados. E os atores vão se reorganizando a cada fato novo.
No golpe do impeachment, há apenas um fio condutor sólido, que se sobrepõe a todos os demais: o desmonte do estado nacional de bem-estar e dos projetos de desenvolvimento autônomo.
Este é o fio condutor que mantém a lógica que une Rede Globo, o chamado mercado,  os bilionários liderados por Jorge Paulo Lehman e, na ponta, os tarefeiros da Lava Jato. O modo de fazer é aleatório e obedece aos caprichos do destino.
Abaixo da esfera maior, dos indutores, vêm os instrumentalizados.
Há os instrumentalizados que procuram conscientemente se alinhar com o bloco vencedor, como é o caso do Ministro Luís Roberto Barroso. E aqueles que deixam guiar pelos ventos da opinião pública, como a Procuradora Geral da República Raquel Dodge e, antes dela, Rodrigo Janot e seus templários.
Finalmente, as bactérias oportunistas, inserindo-se aí a organização político-criminosa liderada por Eduardo Cunha e Eliseu Padilha e representada por Michel Temer.
Digo isso para facilitar o entendimento dos fatores que levaram à Operação Skala, deflagrada na 4ª feira pela PGR, com a anuência de Barroso, prendendo provisoriamente os membros civis da quadrilha de Temer.
Peça 2 - Temer, o batom na cueca
Desde o início, Temer era o batom na cueca da suposta moralidade do impeachment. Não apenas um desonesto histórico, mas um dos personagens mais execráveis da história política do país.
Na cadeia improdutiva do submundo político, cabia a ele o papel de mediador da divisão do butim do condomínio de bucaneiros reunidos em torno do MDB. As jogadas estratégicas mais altas ficavam sob responsabilidade de Eduardo Cunha e Eliseu Padilha.
O último grande embate do grupo com o governo Dilma foi em torno das jogadas que beneficiavam os operadores do Porto de Santos. A demissão do Secretário dos Portos, Edinho Araújo, foi a gota d’água que deflagrou o golpe.
Depois do impeachment, seguiu-se um período de lua de mel cujo momento mais vergonhoso foram as cenas gravadas em celular, após uma entrevista laudatória do Roda Viva. Na gravação, a jornalista brasiliense fala em tom confidente sobre as artes de conquista de Temer e o jornalista da TV Cultura dizia de sua surpresa de saber que Temer era “gente como a gente”. Temer termina agradecendo “mais essa propaganda”, em um dos episódios mais constrangedores da história do jornalismo. Só faltou beijo na boca.
Peça 3 – a disfuncionalidade de Temer
Temer tornou-se disfuncional por vários motivos:
No plano econômico, o fim da feira de secos e molhados que permitiu amarrar o orçamento por 20 anos e liquidar com a legislação trabalhista. Ontem mesmo celebrava-se a economia de R$ 850 milhões obtidos com o corte nas compras de cinco remédios essenciais da Farmácia Popular. A insensibilidade social desse pessoal beira o sadismo.
Mas Temer não conseguiu avançar mais com o saco de maldades e nem com a prometida recuperação da economia, chegando-se à seguinte situação:
O esgarçamento do punitivismo da Lava Jato, com o STF (Supremo Tribunal Federal). Críticas rompendo a blindagem da mídia em relação à operação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) finalmente ousando reassumir seu papel contra-hegemônico.
A substituição da luta contra a corrupção pelas questões de segurança como bandeiras mobilizadoras.
O aumento da percepção da parcialidade da Lava Jato e da perseguição a Lula.
A relação clara das medidas adotadas com o mal-estar nacional, sem recuperação da economia e com precarização maior ainda do emprego. E com as reformas sendo identificadas com a quadrilha de Temer.
O grupo do impeachment sem um candidato competitivo sequer.
A absoluta falta de noção de Temer, tentando se lançar candidato.
A própria ambiguidade de Temer, que levou algumas cabeças imaginosas a supor que poderia conceder indulto a Lula. Elio Gaspari divulgou em sua coluna sem endossar a piração, mas revelando que estaria por trás da decisão do inacreditável Luís Roberto Barroso de endurecer na questão da segunda instância.
É nesse contexto que entra a Operação Skala como uma espécie de freada de arrumação e de volta ao trilho da anti-corrupção.
Aliás, nesses momentos de inflexão, de corte, nada melhor do que ler Merval Pereira. Ele sempre sinaliza as mudanças de rumo com toda clareza, sem essas frescuras de figuras de retórica rebuscadas.
Peça 4 – a motivação da Operação Skala
Entendidos esses movimentos, vamos tentar compreender a motivação e a oportunidade da Operação Skala.
Há tempos se tinha Michel Temer na mira. É o tipo do suspeito que não resiste a uma pesquisa no Google. Some-se o que há nos diversos inquéritos e processos acumulados ao longo de duas décadas, e suspensos devido à influência política.
Havia evidências de sobra para deflagrar a operação um ano atrás, dois meses atrás, ou uma semana à frente.
O que permite as seguintes conclusões:
Conclusão 1 - É evidente que não se trata de mera coincidência a Operação ter acontecido dois dias antes do julgamento do habeas corpus a Lula. Independentemente dos méritos de Temer, a escolha da data visou matar dois coelhos com uma só cajadada e colocar os garantistas do STF na defensiva. No plano político, Raquel Dodge é Rodrigo Janot, com suas suscetibilidades aos sinais emanados da mídia.
Conclusão 2 – Tecnicamente, Raquel Dodge não é Rodrigo Janot. Pode-se esperar uma peça tecnicamente bem elaborada para a terceira denúncia, em cima de uma blindagem esgarçada da base política de Temer. Principalmente porque, nas eleições, os candidatos fugirão dele como o diabo da cruz. Ou o inverso, dado que, nas últimas eleições, pesquisas qualitativas apontaram sua identificação com o demo, para parte da opinião pública mais simples.
Hipótese – para se observar, apenas. O assassinato de Mariele Franco, o atentado à caravana de Lula, mas o Fachin News das supostas ameaças ao Ministro Luiz Edson Fachin, aumentaram a sensação de descontrole. Imediatamente alguns setores viram nisso o álibi para adiar as eleições. Mas nenhuma tese de adiamento seria minimamente viável se significasse a prorrogação do mandato de Temer. Só os absolutamente sem-noção apostariam nisso.
Se Temer for derrubado, fortalece-se a hipótese do adiamento das eleições, com o país sendo entregue ao deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira Franco.
Nos próximos dias, haverá mais lenha na fogueira, visando amedrontar o STF na votação do HC de Lula, tornar mais agudo o quadro de descontrole, para posterior aparecimento da bandeira salvadora do adiamento das eleições.
Do GGN

sábado, 3 de fevereiro de 2018

BARROSO, o Ministro que tortura os números, por Luis Nassif

Em artigo na Folha de São Paulo, os Ministros Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), e Rogério Schietti, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) (clique aqui), aparentemente trazem um dado definitivo para liquidar com as discussões sobre cumprimento de pena após sentença em segunda instância:
“O percentual de absolvição em todos os recursos julgados pelo STJ no período de dois anos, entre 1/9/2015 e 31/8/2017, foi de menos de 1%. Para ser exato, foi de 0,62%. Outro dado a ser considerado: 1,02% das decisões importou na substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos”
Acontece que Barroso não é um interlocutor intelectualmente sério  no manejo de estatísticas. Tempos atrás, levantou estatísticas bombásticas – e falsas – sobre a justiça do trabalho, foi desmentido, e atribuiu o erro à sua fonte, o empresário Flávio Rocha, das Lojas Riachuelo. Nenhum intelectual minimamente aparelhado se valeria de Flávio Rocha como fonte.
Agora, tira um número da cartola como se fosse um dado definitivo.
Acontece que o próprio Barroso recebeu estudos providenciados pelo Ministro Ricardo Lewandowski, quando presidente do STF, visando subsidiar as discussões sobre o tema. E os dados colidem radicalmente com as conclusões apresentadas.
Contra a decisão em segunda instância é cabível Recurso Especial (REsp) ou Recurso Especial com Agravo (AREsp) ao STJ para que seja analisada a correta aplicação das normas infraconstitucionais (Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execuções Penais, Lei de Crimes Hediondos, etc...) e, ao mesmo tempo, a defesa apresenta Recurso Extraordinário (RE) ou Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) para o STF, a fim de seja analisada as questões constitucionais (ampla defesa, contraditório, juiz natural, devido processo legal, presunção de inocência, etc...)
Não se pode destacar apenas o número de absolvições...o provimento de recursos para redução de penas também é importante, pois pode implicar na alteração do regime de cumprimento da pena, seja do fechado para o semiaberto ou do semiaberto para o aberto.
No STJ, o percentual de decisões em favor do réu é de 10,29% e no STF é de 7,46%. Mesmo que fosse considerado apenas o percentual manobrado por Barroso, ainda assim 428 seriam presas em segunda instância para serem posteriormente soltas pelo STJ. Um presídio padrão, segundo o CNJ, comporta 500 presos e o custo de sua construção é de 40 milhões de reais, sem falar nos custos de manutenção.
 LEIA A matéria completa clicando AQUI.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Perseguição, discriminação e autoritarismo no caso Barroso x Pizzolato

Depois demorar 1 ano para conceder a Pizzolato o direito de migrar do regime fechado para o semi-aberto, ministro do Supremo Tribunal Federal criou para o réu do Mensalão uma regra que ele próprio não exige de outros condenados. Em mensagens obtidas pelo GGN, Pizzolato denuncia outros abusos do Judiciário.
Condenado a 12 anos e 7 meses de prisão na Ação Penal 470 (Mensalão), Henrique Pizzolato já cumpriu o prazo exigido por lei para ter direito ao regime aberto. Mas o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, não tem acatado o que diz a lei e tampouco seguido decisões que ele próprio tomou no passado, denotando uma tendência a tratar Pizzolato de maneira diferenciada. É o que diz o ex-diretor do Banco do Brasil em mensagens onde denuncia uma série de "abusos” envolvendo o Judiciário.
Barroso, há não muito, protagonizou um bate-boca com Gilmar Mendes que teve como pano de fundo justamente o julgamento do Mensalão, além de Lava Jato e dos debates acalorados sobre execução penal a partir de condenação em segunda instância. Barroso parecia não querer ser visto como um ministro “leniente” com qualquer figura que tenha protagonizado - ou sido arrastada - para escândalos de corrupção.
Barroso também atacou Gilmar por criar jurisprudência de acordo com a cara do réu. Ironicamente, é disso que se trata a queixa de Pizzolato.
A demora de quase 1 ano de Barroso para autorizar a progressão de regime a Pizzolato pautou uma carta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados à embaixada da Itália no Brasil, com um pedido para que o Ministério da Justiça da península tome conhecimento da morosidade do Judiciário brasileiro e interceda.
A carta explica exatamente o que aconteceu.
Em 7 de junho de 2016, Pizzolato, que está preso desde outubro de 2015, deveria ter começado o regime semiaberto. Mas esse direito só lhe foi concedido por Barroso um ano depois, em maio de 2017. Na prática, a progressão só ocorreu três meses após a autorização: em agosto de 2017.
A demora foi tanta que deu tempo de Pizzolato cumprir as exigências do regime aberto em julho de 2017. Na mesma data, Barroso recebeu um pedido para fazer a transição.
Ocorre que o ministro decidiu negar o pedido sob o argumento de que "embora tivesse cumprido 1/6 da pena em 7/6/2016, o sentenciado somente foi autorizado a progredir para o regime semiaberto no dia 30/05/2017. Data em que acolhida a proposta de parcelamento da pena de multa, requisito exigido pelo plenário do Supremo para a progressão do regime."
O parcelamento de multa foi um acordo no qual Pizzolato se comprometeu a pagar uma multa de R$ 2 milhões em parcelas de poucos mais de R$ 2 mil mensalmente.
Na prática, Barroso criou uma nova data para Pizzolato progredir de regime novamente, fazendo com que ele passe mais tempo em um regime que não lhe compete mais.
REGRAS DE ACORDO COM O RÉU
A Comissão de Direitos Humanos disse que a decisão de Barroso "surpreendente" porque o ministro, no caso de outra condenada no mensalão, decidiu de "forma diversa". Ele usou como data base para conceder a progressão para o regime aberto não o dia em que a decisão foi tomada, mas o dia em que a condenada, de fato, completou 1/6 da pena.
 Os parlamentares avaliaram que Barroso está "exigindo o cumprimento de uma pena superior àquela a qual [Pizzolato] foi condenado, em claro desrespeito a seus direitos legais", (...) constituindo-se em constrangimento ilegal a não observância da data em que o apenado efetivamente cumpriu o tempo da pena para a progressão de regime"
A Comissão ainda assinalou que o ministro deu "tratamento desigual e injustificado e em prejuízo de Pizzolato, fato que preocupa sobremaneira, por caracterizar-se em ato discriminatório, persecutório, e que não deverá prevalecer."
Pizzolato, por sua vez, escreveu recentemente uma mensagem, a qual o GGN teve acesso, onde afirma que a decisão de Barroso afronta o acordo Brasil x Itália e soma-se a vários outros abusos cometidos pelo Judiciário.
Em julho, a Comissão também enviou a Rodrigo Janot, antecessor de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República, um ofício narrando uma série de arbitrariedades que ocorreram com Pizzolato na prisão. 
Por conta de uma regra interna da qual ele não tinha conhecimento, Pizzolato perdeu o status de preso vulnerável e foi transferido para uma cela compartilhada com mais uma dezena de presos que precisam se revezar para dormir no chão. Também sem explicações, tiram-lhe o direito à remissão da pena a partir da leitura de livros. Por um período de tempo, e igualmente sem justificativa, ele foi proibido de trabalhar. Tudo isso com aval da juíza da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal Leila Cury, diz o documento.
LIVRAMENTO CONDICIONAL
Em outra mensagem, Pizzolato diz que já cumpriu um total de ⅓ da condenação há mais de 2 meses e poderia desfrutar do “livramento condicional”, mas continua no regime semiaberto sem perspectivas de mudanças. “Como as leis, no Brasil, não servem para nada, continuo refém e sendo, ainda, torturado. A tortura é deliberadamente assumida e consiste em usar de subterfúgios para lentamente matar o refém”, disparou.
A tortura a qual Pizzolato faz referência é um procedimento misterioso que tramita entre a Procuradoria-Geral da República e o ministro Barroso. 
Pizzolato desconfia que o magistrado solicitou um posicionamento de Raquel Dodge sobre o pedido de progressão para o regime aberto ou sobre o livramento condicional, embora sejam demandas distintas. 
O livramento condicional é um benefício que o réu pode solicitar quando tem bom comportamento, foi condenado a mais de 2 anos de prisão e já cumpriu ⅓ da pena. As condições em que o livramento poderá se dar depende dos critérios estabelecidos pelo juiz da execução penal.
Ocorre que, segundo relatos da esposa de Henrique Pizzolato, Andrea Haas, a PGR e Barroso não estão preocupados em discutir a progressão do regime ou os abusos que acontecem na detenção, mas sim “(des)cumprimento, pela Juíza Leila Cury, de um pedido dirigido a ela pelo ministro Barroso”, que não se sabe qual foi.
“O absurdo é Henrique – que já cumpriu TODOS os requisitos estabelecidos por lei (e mesmo aqueles, que não estão na lei, criados pelo ministro Barroso), seja para o regime aberto, seja para o livramento condicional – esperar, há muito tempo, em situação prisional irregular, que a Procuradora Raquel Dodge, a Juíza Leila Cury e o Ministro Barroso decidam por respeitar a lei”, escreveu a Andrea.  
GGN

domingo, 15 de outubro de 2017

Lava jato, o caso do reitor Cancelier e a banalização do mal, por Luis Nassif do Jornal GGN

Assim como o Ministro Luís Roberto Barroso, o reitor Luiz Carlos Cancelier de Olivo, da Universidade Federal de Santa Catarina, era advogado. Como Barroso, também era professor. E, da mesma maneira que Barroso, defendia a Lava Jato.

Havia diferenças. As opiniões de Cancelier eram restritas ao seu entorno; as de Barroso ecoam pelo país e servem de ração vitaminada para o fortalecimento da convicção dos pittbulls do direito, de que todos os abusos serão perdoados.

A Lava Jato era para ser o teto, o momento excepcional em que se poderiam cometer todas as atrocidades legais, porque a serviço de uma missão santa: a destruição de um partido político. Mas depois de provar carne fresca, quem trará de volta as hienas para o cercado das restrições legais?

Analise-se essa delegada Erika Marena.

Como esquecer os momentos de glória, o prazer das coletivas aos jornais, o gozo inenarrável de destruir a alma do réu? Pode existir demonstração maior de poder, do que o de transformar uma simples convicção, mesmo que amarrada com barbantes de contextualizações imaginárias, na pena de morte do caráter do réu, antes mesmo que algum Juiz diga alto lá, vocês não dispõem desse poder absoluto. Mas, como, não é isso que o Ministro Barroso insinua nas suas pregações?

Quando deixou a Lava Jato e saiu de Curitiba em direção ao bucolismo de Florianópolis, de volta à pasmaceira das atribuições rotineiras, a delegada Erika se viu acometida da síndrome da abstinência, dos que se viciaram em violência, em abusos, em holofotes, no exercício do poder absoluto de apontar para uma imprensa sequiosa de sangue o alvo a ser exterminado. Não há exercício de poder maior do que o de decretar a morte moral de uma pessoa.

Como trazer de volta aqueles momentos únicos? Como se acostumar novamente à modorra de uma atividade comum, a ter que submeter suas investigações a procuradores responsáveis, a juízes integros?

Aí, surgem as investigações sobre desvios de recursos em uma Universidade federal. Penalmente, um tema menor, sujeito a uma investigação burocrática, sem riscos maiores, com os dados disponíveis na CAPES, bastando conferir as notas de prestações de serviço, identificar os desvios e punir os infratores. Esse trabalho seria feito com um pé nas costas pelas áreas técnicas da Polícia Federal, o único setor que ainda faz investigações, já que os delegados se especializaram no bem-bom de criar uma narrativa qualquer, recheá-las com declarações arrancadas a fórceps de prisioneiros, sem a necessidade de apresentação de provas, comportando-se igual a a jornalistas preguiçosos que inventam matérias sensacionalistas e recheiam com declarações em off.

E, assim como o jovem delegado deslumbrado de Curitiba, que mobilizou mil policiais para uma mera operação de levantamento corrupção na fiscalização sanitária do Estado, a delegada Erika quis se mostrar à altura da fama de durona. Solicitou cem policiais do Maranhão, imaginando-se em um filme de terceira categoria.

Cem policiais, como se o alvo fosse Carlinhos Cachoeira, que continua livre, o Comendador Arcanjo, que continua solto, Michel Temer, que continua presidente.

Bastariam sete intimações a professores, que jamais se recusariam a atender. No país que enfrenta a maior crise fiscal da sua história, decidiu-se pela mobilização de cem policiais de outro estado, atuando como figurantes para que a delegada Erika pudesse repetir os momentos da glória da Lava Jato.

Sete professores foram arrancados de sua casa, com a condução coercitiva, sem sequer terem sido intimados a comparecer. O reitor foi detido com base na panaceia jurídica atual: a obstrução de Justiça, embora o máximo que se levantou contra ele foi suposta tentativa de obstrução de um inquérito administrativo, conforme mostrou o repórter Marcelo Auler.

Arrancados da cama, foram submetidos a uma revista vexatória, que incluiu revista no ânus E uma outra filha da Lava Jato, a juíza Janaína Cassol Machado, tratou de endossar todos os abusos, porque o Ministro Barroso avisou que todos os abusos são peixe pequeno perto do grande objetivo nacional, de combate à corrupção.

Aliás, duvide-o-dó que o escritório de advocacia de Barroso passasse incólume por uma investigação nos moldes preconizados por ele para a Lava Jato.

A grande ópera trágica se completa com as associações de juízes federais, procuradores da República e delegados da PF, endossando esse gozo doentio de seus associados pela violência gratuita.

E, do sepulcro do Supremo, a única voz de resistência foi a do Ministro Gilmar Mendes. De Luís Roberto Barroso, o silêncio obsequioso. Nenhum gesto de solidariedade ao colega vítima de uma brutalidade policial. Nenhum gesto de apoio aos agressores, porque a morte do reitor rompeu a unanimidade. E Barroso só cresce em ambientes de unanimidade, aquelas que transformam fracos em fortes, tímidos em falantes, humanistas em déspotas, e, como situação limite, revelam o caráter das pessoas.

Através de seus porta-vozes na mídia, a Lava Jato anuncia a super-operação antes do final do ano, a arrancada final para terminar com fecho de cobre e sangue a grande cruzada moralista, que ajudou a colocar no poder a pior quadrilha da história.

Cancelier provou, da maneira mais trágica, a lógica inevitável dos movimentos de intolerância. Para legitimar a operação, levantou-se seu passado de PCB. Na cobertura, escondeu-se seu presente, de defensor da Lava Jato, porque aí se chegaria à única bala de prata capaz de deter o monstro: a constatação de que a Lava Jato avança não apenas contra “eles”, mas também contra “nós”.

Mais que nunca, vale Bertold Brecht:
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.

GGN

terça-feira, 30 de maio de 2017

Luís Roberto Barroso faz mea-culpa mas não assume que o STF apoiou deliberadamente o GOLPE

Impeachment de Dilma “gerou uma sociedade que guarda cicatriz e ainda está dividida”, diz Barroso.

Tímido ensaio para uma autocrítica do Supremo

O Supremo Tribunal Federal tem uma dívida para com a democracia brasileira: não impediu, com argumentos jurídicos e com sua autoridade de guardião da Constituição, que fosse politicamente consumado pelo Congresso um golpe contra a presidente eleita Dilma Rousseff, deixando ir em frente um processo de impeachment viciado. Da composição que homologou o golpe, talvez nenhum dos 11 ministros venha a reconhecer isso em vida, mas a História cobrará. Nesta segunda-feira 29, o ministro Luís Roberto Barroso fez um tímido ensaio de autocrítica: admitiu que a remoção de Dilma deixou uma cicatriz na vida política brasileira, dizendo que o STF não interferiu no processo por  acreditar que não devia fazer uma opção política numa sociedade divida. Desculpe o ministro, mas esta é uma explicação errada para uma atitude errada. O Supremo poderia ter barrado o golpe com fundamentos jurídicos, apontando as inconsistências do processo, o que não significaria uma opção política pelo governo eleito em 2014. Hoje, o Brasil seria muito agradecido ao STF e seus ministros.

domingo, 14 de maio de 2017

Luís Roberto Barroso STF, que ganha R$ 50 mil, diz que problema do Brasil é ação trabalhista e servidor-marajá.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, aparece fazendo palestra no Brazil Forum, neste sábado (13), em Londres.

Com seus modos elegantes e sabido, apontou dois grandes problemas do país. Marajá falando de Marajá, sem contar as palestras que vendem os magistrados e que são desobrigados a declarar, assim é bom demais.

Ele comentou que o Brasil, sozinho, é responsável por 98% dos processos trabalhistas em todo o planeta – o país tem 3% da população mundial.(…)Depois comentou que 4% do PIB brasileiro é gasto com o custo do funcionalismo público, com o que procurou indicar o alto custo do Estado.

Não se vai tirar a razão do Dr. Barroso, um homem fino e sofisticado.

É verdade que o Brasil tem um imenso número de processos trabalhistas. Mas o Dr. Barroso talvez pudesse informar que há empresas que são verdadeiras indústrias de lesões de direitos, em parte porque -como são as maiores de seus setores – confiam que nem todos irão reclamar ou só irão faze-lo depois de demitidos. Caso contrário, perdem a vaga e lá não voltam nunca mais.

Alguns exemplos para ajudar a clarividência do Dr. Barroso, recolhidos do insuspeito Estadão: “os cinco maiores bancos do País – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú/Unibanco e Santander – respondem a cerca de 130 mil processos. Do total de R$ 17,4 bilhões pagos em ações trabalhistas em 2015, R$ 5,6 bilhões vieram dessas instituições.”

Repetindo e destacando: quase um terço das indenizações trabalhistas foram pagos pelos cinco bancos, os mesmos que apuram, a cada trimestre, lucros bilionários. Talvez o problema esteja em que na Justiça do Trabalho não se encontre a “moleza” que ocorreu no Carf com o Itaú, que escapou “grátis” de uma autuação de R$ 25 bilhões.
Sabem quem é a campeã de ações, entretanto?

Sim, a robusta Volkswagen, com a marca de 30 mil processos trabalhistas em um ano.
Ainda que se possam pinçar casos de exagero, será que não passa na cabeça de Sua Excelência que, mesmo com isso, o que existe é uma cultura empresarial de desrespeito a seus empregados ou, como agora preferem chamar, colaboradores?

Do segundo mal, o excesso no funcionalismo público, é inacreditável que o Dr. Barroso, que ganha mais de R$ 50 mil mensais (R$ 33,7 mil no STF e R$ 17,3 mil como professor da UERJ.Embora seja também professor visitante da UNB, não posso informar a remuneração) possa dizer isso.

Pois ele votou, não tem 20 dias,  a favor de que a remuneração de quem, como ele, tem mais de um cargo público possa superar o teto constitucional, que a limita – mas já nem tanto – ao vencimento de Ministro do Supremo.

Permita-me agora, Dr. Barroso, depois de tanta concordância com suas teses, dizer algo diferente: o grande problema do Brasil é uma elite à qual o senhor se integrou em unha e carne, que acha que o problema do Brasil são os pobres que reclamam no único ramo do Judiciário que os ouve. E outros, com muito mais luzes, que não praticam aquela máxima atribuída a Anatole France: “Viva como aconselhas, diga o que fazes, faça o que dizes.”

Do Tijolaço

terça-feira, 2 de maio de 2017

As pedras do XADREZ do dia seguinte da greve geral

Peça 1 – a fluidez dos movimentos políticos
O quadro politico evoluiu substancialmente nos últimos dias. De um lado, a greve geral, com a maior abrangência em décadas. De outro, os últimos movimentos em torno da Lava Jato, com o STF (Supremo Tribunal Federal) finalmente deliberando sobre a libertação de pessoas detidas com o objetivo de serem pressionadas a delatar. Finalmente, a Lava Jato entrando nas horas decisivas sem conseguir cumprir com seu objetivo maior, de levantar provas para sustentar as delações contra Lula.

Leve em conta que os movimentos políticos são fundamentalmente fluidos.
Em momentos de catarse, há um curto-circuito geral não apenas nas informações, mas no rumo dos ventos políticos.

Em relação a esses movimentos tectônicos, há duas espécies de personagens públicos: os radares e as birutas.

Radares são que se movem em torno de valores e, por isso mesmo, são as figuras referenciais que orientam o país, percebem os movimentos das ondas e permitem ao barco não perder o rumo, mesmo em meio à tempestade.

Birutas (de birutas de aeroporto) são os que seguem as ondas. Em momentos de vento brando, assumem uma determinada personalidade pública; em momentos de catarse, outra totalmente distinta, seguindo o que consideram os movimentos pontuais das marés.

Na história do país, mesmo no campo conservador estão consolidadas personalidades-radares como Sobral Pinto, Ulisses Guimarães, Paulo Brossard e o saudoso Mário Covas.

No grupo dos birutas de aeroportos, caminham para se transformar em personagens simbólicos os Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), e grupos de deputados e senadores.
Não se deve buscar previsibilidade em suas atuações, isto é, avaliar o que serão com base no que já foram. A análise deverá levar em conta a maneira como julgam que a situação política será, para, só aí, então, definirem o que serão.

Tudo isso torna extremamente complexo o desenho de cenários futuros.

Não é mais A + B + C = X, porque a mudança de A irá provocar alterações em B afetando o resultado em X.

Mas permite, por outro lado, conferir a devida relevância aos movimentos maiores de opinião pública, dos quais a greve geral da última sexta-feira foi um ponto de corte, atrapalhando o controle total do processo pelos donos do poder.
Antes, um pequeno diagnóstico do momento atual, à luz dos ensinamentos de Raymundo Faoro, o notável autor de “Os Donos do Poder”.

Peça 2 – o patrimonialismo, de Collor a Barroso
Desde que apresentou seu trabalho no evento da Universidade de Harvard – qualificando como ensaio uma leitura tosca de Raymundo Faoro – o Ministro Barroso tornou-se um bom exemplo de como a superficialidade analítica impede o autor de se enxergar no próprio desenho que ele está delineando em seu trabalho.
O trabalho de Barroso mencionou o “patrimonialismo”, de acordo com as definições de Raymundo Faoro.

É o mesmo Barroso que se tornou um defensor intransigente da nova ordem, da restauração que será comandada pelo Poder Judiciário, um modelo claramente englobado por Faoro no conceito de patrimonialismo.

Diz o inacreditável Barroso, o advogado das Organizações Globo, com seu peculiar entendimento do conceito de corrupção, e sua invejável capacidade de relacionar temas históricos:

Acho que estamos refundando o País. Assim como em 1808 [quando a família real portuguesa se mudou para o Rio de Janeiro] o Brasil começou, acho que estamos tentando refundar um País, ensinando as novas gerações que ser honesto é melhor do que ser desonesto. E que, se for desonesto, vai ter consequências negativas.

Barroso não tem a menor noção sobre os pontos em comum entre a vinda da família real portuguesa e o momento atual. O principal ponto em comum é a criação/fortalecimento de um estamento público que desenvolve e passa a controlar o Estado,  implantando definitivamente o predomínio da plutocracia sobre a Nação. Da mesma maneira que o Congresso definindo o desenho dos gastos públicos para os próximos 20 anos, independentemente do que decidirem as eleições.
O que diz Barroso, o patrimonialista, sobre a PEC 55, enfiada goela abaixo da sociedade por um governo provisório, empossado no bojo de um golpe parlamentar.

Desrespeitá-la significa predeterminar o futuro com déficits, inflação, juros altos, desemprego e todas as consequências negativas que dessas disfunções advêm. A democracia, a separação de Poderes e a proteção dos direitos fundamentais decorrem de escolhas orçamentárias transparentes e adequadamente justificadas, e não da realização de gastos superiores às possibilidades do Erário, que comprometem o futuro e cujos ônus recaem sobre as novas gerações

Vamos ver como Faoro analisaria o momento, baseado no trabalho “As reflexões de Raymundo Faoro sobre a transição política brasileira nos anos 1989 e 1990”, de Maria José de Rezende.
Não há definição melhor desse tipo de comportamento, do que a de Faoro sobre o início do governo Collor:
 “[...] a eternidade tem muitas encarnações, a do século passado e a de hoje” (FAORO, 1989f, p. 23). A do presente, ou seja, a da Nova República, reproduzia o estilo burocrático emoldurado na “[...] insensibilidade, dissimulada em termos técnicos, incompreensíveis [...]. O jogo não é inocente. Os interesses favorecidos [...] nada perdem e alguma coisa ganham.
Essa idéia de que podem tudo já expressa, certamente, uma mentalidade patrimonialista, para a qual não há limites políticos, éticos ou jurídicos para as suas ações. O despotismo impera. “E se a Constituição não permitir? Lixe-se a Constituição [...]

É o mesmo modelo de hoje:
Todas as ações daqueles agentes que se empenhavam em destruir o jogo democrático se mostravam completamente voltadas a esvaziar qualquer potencialidade da sociedade civil ao exaltarem medidas irracionais, magias e milagres. (...)
As mudanças políticas controladas pelos setores preponderantes, as quais se iam processando na denominada transição democrática, eram sempre de cima para baixo, reafirmando o seu caráter estamental; estavam sempre postas a serviço dos mesmos interesses.
Políticos e países subdesenvolvidos são faces de uma mesma moeda, já que se reafirmavam através de mudanças negociadas e conciliadas. A chamada Nova República (1985–1990) era o exemplo mais acabado disso.
Barroso não aprendeu uma lição magistral, que Faoro recebeu de Neemias Gueiros:
 Então, apareceu um velho advogado, um homem curtido em lutas políticas, que era o Neemias Gueiros, a quem transmiti minha insegurança. Ele me respondeu que haveria uma coisa em que eu sempre haveria de ganhar dos políticos: se eu me mantivesse sincero sempre.

Falou a Barroso a coerência para se firmar como referência. Como declarou o advogado e cientista político Victor Pimenta, “a decisão de Barroso em PEC 241 [ou 55] nos faz sentir saudades dos tempos em que ele era constitucionalista, ante a diferença abissal entre o “Barroso Professor de Direito Constitucional” e o “Barroso Ministro”.

Collor e o momento atual
O que está em andamento, hoje em dia, é um processo em tudo similar à aliança que gerou Fernando Collor. A descrição de Faoro sobre o governo Collor se aplica integralmente ao momento atual, mas passou desapercebido do nosso brasilianista de boutique.

Primeiro, a falsa visão de conferir desimportância ao Estado, ao mesmo tempo em que se apropriava dele:
Ações como as de Fernando Collor de Mello não sufocavam o patrimonialismo ao tentar agir como se o Estado não tivesse qualquer importância. O governo daquele último, num processo de rechaçamento do Estado, acabou por potencializar as ilusões de que um ente iluminado poderia tudo resolver mesmo passando por cima de qualquer compromisso com os ideais republicanos e democráticos. De fato, a exclusão social e política, a qual é a seiva que nutre a política patrimonial, continuava a correr nas veias da sociedade.

As apostas sucessivas do Poder em Marina, Dória, Bolsonaro repete, à perfeição, as apostas sucessivas em Quércia, Covas até bater em Collor, e as tentativas atuais de Aécio e Alckmin, até bater em Dória:
A transição procurou, (...) um caminho que convencesse mais em termos de centro. Abriu todas as oportunidades para Orestes Quércia, pois era ele o homem. De certa maneira, acenou também para que o nome fosse o de Mário Covas, mas não se chegou nem a um e nem a outro. Chegou-se a um que é inesperado, porém não indesejado dentro do projeto.

Assim como as semelhanças entre 1964, e o 1964 modernizado que se tenta hoje em dia:
Politicamente, 89 moderniza 64, com um instrumento tirado dentro do sistema, disciplinado pelo sistema, apoiado pelos financiadores que se fizeram dentro do sistema e apoiado pelos agentes que manipulam a opinião.

Em ambos os casos, há a necessidade da criação de um populista de direita:
E por que um sistema que se encontrava esgotado continuava ainda fazendo valer suas estratégias? O extenuamento do sistema podia ser detectado na necessidade de um candidato de direita, como Fernando Collor de Mello, apresentar-se como que ligado diretamente às massas. (...)  O sistema se renovava tanto com aquele que foi eleito diretamente em 1989 quanto com aquele que foi indiretamente eleito em 1984. O sistema se inovava, o que não significava que ele havia entrado em colapso.

Faoro tirava lições definitivas sobre as instituições brasileiras, sob a pressão dos fatos:
A lição que o momento ensina tem o mérito de desvendar o miolo das instituições brasileiras, antes e depois da Carta de 1988. Elas podem ser resumidas em duas palavras: constitucionalismo de fachada e democracia falsificada e falsificadora.

A defesa do Estado de Exceção em nome do combate à corrupção, por Barroso, também foi claramente explicada por Faoro:
Estabelecia-se, no início de 1990, uma espécie de ditadura hipócrita. A hipocrisia estava no fato de ela negar a sua própria identidade, tentando mascarar um exercício obstinadamente abusivo da autoridade.
Faoro fez essa discussão em vista da prisão da família Temporal (empresários) por dívidas com o Fisco. Naquela ocasião, o governo Collor apresentava-se como aquele que jogaria duro com o empresariado. Restaurava-se, assim, a inconstitucional prisão administrativa.

Também se deu conta – ao contrário de seu débil intérprete – a sucessão de ilegalidades, que se segue à ilegalidade maior:
Desarticulou-se, de um golpe, toda a estrutura jurídica, para que medrasse, à sua ilharga, uma economia com regras próprias. A ilegalidade maior gerou, como necessariamente acontece, as ilegalidades menores, decorrentes daquela, existentes porque aquela existe.

A criação de figuras midiáticas para o jogo político é nítida no modelo Collor e no atual. Sempre se sonhou com os Collors, Dorias, Hulks e similares fabricados pela mídia:
Entre as diversas formas de precarização cotidiana da democracia e da cidadania, estava, por exemplo, o veto à “[...] Lei das Inelegibilidades que prolongou a desincompatibilização do pessoal da mídia. E por que era esse um ato que tinha um significado importante? Bastava ater-se ao fato de que o presidente Collor estava agindo para garantir que um número significativo de indivíduos chegasse ao Congresso Nacional em razão de suas imagens mediáticas. Em relação a ele próprio, a mídia havia tido um papel central na construção de uma imagem de vitorioso, de vencedor, de arrojado e de decididamente capaz de mudar o Brasil em favor dos “descamisados”, isto é, dos mais pobres.

Finalmente, aborda a importância do nascimento de uma nova direita, como condição fundamental para uma esquerda renovada:
O florescimento de uma nova direita era condição fundamental para que ocorresse, no Brasil, a constituição de uma esquerda que deveria renovar continuamente os procedimentos na vida pública brasileira. Se esta última continuasse tendo como adversária a velha direita, haveria uma tendência de petrificação de ações políticas que ficariam essencialmente no registro do modo de agir que se havia processado ao longo da história do país.
A contínua e íntima relação – através de alianças e de conciliações – da esquerda com a velha direita se constituía num fator de emperramento da democracia no Brasil. Reafirmavam-se, assim, de diversas maneiras, práticas e hábitos fundados na não transparência de atitudes e de ações. Uma vez no poder, através dessas alianças, se teria a continuidade e a manutenção do mesmo padrão de domínio baseado em privilégios estamentais.

Peça 3 – os efeitos políticos da greve
A extensão da greve joga novos fatos no jogo político. E explicita de vez o jogo entre a nova direita – um arco em que entra o MBL, a Procuradoria Geral da República, a camarilha de Temer e o PSDB – e a nova esquerda, que ainda não nasceu.

Uma greve ampla fez a reação contra Michel Temer e o Congresso transbordar dos movimentos sociais e sindicatos para outros setores, com adesão de 83 bispos da Igreja Católica, dezenas de colégios particulares de São Paulo, inúmeras igrejas evangélicas, artistas, intelectuais, praticamente toda a Justiça do Trabalho, funcionários e parte dos procuradores do Ministério Público e funcionários da Polícia Federal.

A greve expôs o racha nacional se alastrando por setores até agora à margem da disputa, e cravou na testa das reformas o estigma de antissocial. Coloca em curto-circuito todo o jogo de contrainformação da mídia. Somem-se as pesquisas de opinião divulgadas nos últimos dias, dando um placar massacrante contra as reformas, contra Michel Temer e a favor das eleições diretas, para se perceber o fracasso do golpe: a política se despiu do manto diáfano da fantasia.

No curto prazo, haverá uma ampliação das pressões sobre os políticos, judiciário e mídia, às vésperas de um ano eleitoral.

No médio prazo, a consolidação de uma frente ampla contra o modelo de país que o golpe tenta enfiar goela abaixo dos cidadãos e que agora está desnudado.
O castelo retórico criado pela mídia se esboroou, incluindo as ameaças terroristas, do suposto fim do país sem as reformas.

Peça 4 – o novo posicionamento do Supremo
Durante o processo do impeachment, o Supremo jamais foi desafiado a analisar o mérito, graças à não-estratégia jurídica do advogado José Eduardo Cardozo. Só após o impeachment resolveu representar junto ao Supremo com uma solicitação de liminar incomum, de mais de 400 páginas.

Só recentemente, após o fato novo – a entrevista de Temer à Band admitindo o jogo político de Eduardo Cunha - reiterou o pedido. O caso está com Alexandre Moraes, que deveria - mas não vai - se declarar suspeito para analisar.

Na semana passada, no entanto, a 2ª Turma do STF ordenou o fim da prisão provisória de João Carlos Genu (ex-tesoureiro do PP) e de Eike Baptista. Votaram a favor da libertação os Ministro Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski; contra, Celso de Mello e Luiz Edson Fachin.

Antes disso, por razões humanitárias a 2a Turma ordenou a libertação do pecuarista José Carlos Bumlai. Votaram a favor Celso de Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Edson Fachin e Ricardo Lewandowski votaram a favor da manutenção da prisão domiciliar –uma condição mais humana do que as prisões temporárias perenes.

Na 4a feira será o julgamento do habeas corpus de José Dirceu, preso há meses sem julgamento de 2a instância. Quase certamente será ordenada a sua libertação, embora Dirceu continue respondendo à condenação da AP 470. Nâo descarte alguma manobra de Moro, uma nova medida, para manter Dirceu enjaulado.

O que importa é que, finalmente, o STF ganhará coragem para revogar o mais absurdo instrumento de arbítrio desses tempos nebulosos: o uso da prisão preventiva como forma de pressão para obter a delação nos termos que o juiz e os procuradores querem.

De fato, há uma maioria sólida e não circunstancial na 2a Turma contra esse instrumento de arbítrio: Gilmar, por agora estar atingindo os seus; Toffolli por seguir Gilmar e Lewandowski por convicção garantista. Celso de Mello é um garantista com uma excepcionalidade: o PT. E Fachin é um neo-linha dura.
Agora, toda a pressão da Lava Jato sobre os delatores se concentrará no fator Lula.

Cena 5 – o adiamento do depoimento de Lula
Para adiar o depoimento de Lula do dia 3 para 10 de maio, o juiz Sérgio Moro alegou pedidos da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança do Paraná. Mas o motivo central foi a falta de provas contra Lula.

Tanto assim, que a Lava Jato convocou reunião dos advogados da OAS para os dias 2 e 3 de maio, para discutir as delações da empresa. No dia 4, mais dois executivos, Roberto Moreira e Agenor Medeiros, ainda vão depor na ação que apura o tal "Tríplex do Guarujá".

Também se reuniu com advogados especializados em delação, como Antônio Figueiredo Basto, advogado de Alberto Youssef e Adriano Bretas. Os rumores são de que estaria propenso a aceitar a delação de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, que há mais de um ano tenta a delação. E também a de Antônio Palocci. Desde que versassem sobre Lula.

A última encenação, com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, foi um tiro pela culatra. Léo entregou a encomenda pedida – a afirmação de que Lula seria o dono do tríplex, mas sem apresentar provas. A Força Tarefa reforçou com provas ridículas, comprovantes de que, durante um ano, um carro do Instituto Lula passou por duas vezes no pedágio de Guarujá. O que motivou gozações nas redes sociais: passe pelo pedágio e ganhe um apartamento.

Ocorre que o ciclo de acusações a Lula já entrou na fase correspondente à curva de Lafer na economia – conforme boa imagem da senadora Gleise Hofmann. A curva de Lafer mostra que, a partir de determinado nível de tributação, o efeito é negativo.

A Lava Jato entrou em uma enrascada onde, cada tentativa adicional de criminalizar Lula sem provas concretas, provoca um efeito inverso na sua popularidade.

Cena 6 – o imprevisível cenário futuro
Há nítidos sinais de que o monstro saiu do controle dos donos do poder.

A tentativa de fabricar um novo Collor, com João Dória, esbarra no amplo amadorismo do candidato. Na ânsia de explorar a radicalização contra Lula, vai gerando um personagem complicado, dono de uma retórica pobre, repetitiva e agressiva. É corredor de 50 metros.

Para falar para os MBLs da vida, assume uma retórica vagabunda (termo que faz parte do repertório dessa direita pedestre), incompatível com um homem de estado. A sucessão de grosserias, vai moldando – por baixo do macho alfa grosseiro – uma personalidade antipática, uma espécie de Aécio Neves com uma jovialidade de plástico – Dorian Gray? -, playboy mal-educado que choca a elite pela falta de modos e os populares, pelo excesso de arrogância.

No período Collor, o tempo político corria mais devagar e permitia uma construção lenta – e sob controle – da Globo. Nesses tempos de redes sociais, não existe mais esse controle.

Além disso, a mídia já havia sentido o desgaste de anos de jornalismo militante, de pós-verdade, de manipulação das informações. Nos últimos tempos, com dez anos de atraso, caiu a ficha que a única maneira de se diferenciar da miscelânea das redes sociais seria voltar a praticar um simulacro de jornalismo.

A recaída com a greve, porém, mostra que a síndrome do escorpião é invencível.
Entram em uma cilada complicada.

Se continuam a apostar no jogo da desinformação, aprofundarão o buraco em que se meteram. Se vacilam, há o fator Lula. E foi tão forte a radicalização política da mídia na última década, que a bandeira central da campanha de Lula certamente será o da regulação da mídia e do combate implacável à rede Globo.

Manter o jogo atual, portanto, é questão de sobrevivência para a Globo. O que significa que apostará todas suas fichas em Dória, ou em um pacto de ditadura com Bolsonaro ou abolindo as diretas. De qualquer modo, jogará todas suas fichas na condenação de Lula e sua inabilitação para 2018.

Do GGN, Nassif