terça-feira, 22 de outubro de 2024

O CASARÃO DO ‘SEU’ JOÃO PIO: UM PATRIMÔNIO A SER TOMBADO.

Prof. Benedito Ferreira Marques

         Há dúvidas sobre quem foi Inácia Vaz, a quem se atribui o início da povoação no espaço territorial que hoje é a sede do Município de Buriti. Não se sabe se era branca, negra, indígena, maranhense ou não, portuguesa ou brasileira. O que se diz é que ela tinha um engenho de cana de açúcar, embora não se saiba em que ponto da cidade fora instalado.  Um enigma! Também não se tem a certeza de que o dia 6 de dezembro é a data inquestionável em que Buriti ganhou status de Unidade da Federação do Brasil, porque se oficializa na invocação de uma LEI de 1938, quando o Poder Legislativo do Maranhão não estava em funcionamento, por força da chamada “Ditadura Vargas” (Estado Novo), que legislava por meio de “decreto-lei”, e não por lei, que é diferente na compreensão dos juristas. Esses enigmas precisam ser desvendados.

         Mas há uma certeza incontestável: Buriti tem um conjunto arquitetônico constituído por casarões sólidos, que merecem tombamento, por seus significados históricos e culturais, ao menos para as gerações dos anos 40 e 50 do século passado, ainda presentes. Para ilustrar este enredo, o casarão da pensão do “Seu” João Pio é um deles, porque guarda histórias e historietas contadas e relembradas nas memórias dos que viveram naquela época e ainda vivem, em moradas dispersas.

         Era, ali, o ponto de chegada e de partida de viajantes que vendiam tecidos, remédios e outras mercadorias para os comerciantes locais; era, ali, a hospedagem provisória de autoridades designadas para a Comarca: juízes, promotores, coletores (estadual e federal) transferidos; era, ali, o terminal de ônibus de bancos toscos e desconfortáveis, e de “jardineiras” inventivas (metade carroceria e metade de bancos) em caminhões barulhentos, conduzidos pelo “chofer” Antero (chamado “Potinho”) e por outros; eram os meios de transportes dos estudantes de cursos mais avançados nas cidades grandes; era a hospedagem temporária dos advogados “provisionados” (rábulas) Sancler e José Maria de Carvalho, de Brejo, patrocinando processos na Comarca; era o prédio suntuoso avistado à distância, na única via urbana de acesso ao centro da cidade, porque  tinha ponte construída em madeira sobre o riacho Tubi, que tinha como referências  a Casa Faria ou a residência de dona Angélica.  O calçadão de altura incomum transformava-se em palco de um teatro aberto, de cenas alegres e tristes, em que os atores sorriam e choravam, em mistura de sentimentos justificados. Era, ali, antes da praça de canteiros coloridos, que se iniciava o “largo da igreja”, das “peladas” domingueiras da meninada risonha; era o espaço cativo por muitos anos, onde se instalavam as “canoinhas” sem remos, atreladas por correntes nos suportes em madeira, para os balanços cronometrados da criançada em lazer de temporada; era, dali, naquele largo, que se construíam barracas de palhas em fileiras para a venda de bugigangas pelos camelôs de ocasião; era, ali, de onde se ouvia o barulho do carrossel do “seu João Queiroz”, ao lado da igreja, distraindo crianças e adultos em giros controlados; era, ali, no mesmo  calçadão, onde se acomodavam em “cadeiras preguiçosas” os hóspedes e hospedeiros, nas noites de lua cheia ou não, sem chuvas e trovões pavorosos; era, dali, que se ouviam   os sons badalados dos sinos sincronizados, no alto da torre da única  igreja. Ouviam-se, de longe, as chamadas sonoras   para missas e novenários, ou anunciando óbitos ocorridos, que se identificavam pela lentidão das batidas; era daquela estrutura de pedra, cimento e areia, em concreto resistente, que se abriam janelas de um lado e outro das duas vias privilegiadas, tal mirante improvisado, a dar conta de quem passava. São memórias! É nostalgia pura, em forma de registro necessário para as presentes e futuras gerações!

         Sem dúvida, o casarão do “seu João Pio” é um monumento urbanístico, histórico e cultural, assim como outros ainda intocados, na cidade alegre de filhos espalhados, Brasil a fora. Merece tombamento, antes que seja demolido por urbanitas apressados, sem vínculos com o passado histórico, sem escrúpulos nostálgicos e sem compromisso com a história da urbe.  

0 comments:

Postar um comentário