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terça-feira, 20 de junho de 2017

Xadrez do golpe que gorou, não vingou, por Luis Nassif

No início parecia simples, muito simples.

1.     Em momentos de mal-estar generalizado, a personificação da crise é sempre o presidente da República. E se tinha uma presidente impopular que cometeu inúmeros erros.

2.     Com a ajuda da Lava Jato, a mídia completa o trabalho de desconstrução do governo e estimula as manifestações de rua, intimidando o STF (Supremo Tribunal Federal).

3.     No Congresso, PMDB e PSDB travam as medidas econômicas de modo a impedir que a presidente acerte o passo.

4.     Derrubada a presidente, implementam-se rapidamente medidas radicais, a tal Ponte Para o Futuro, que não seriam aprovadas em período de normalidade.

 Caso haja movimentos de rua, aciona-se a Polícia Militar e as Forças Armadas.

5.     Com a Lava Jato, mantem-se a pira acesa e impugna-se Lula.

6.     Com as medidas, haverá uma fase inicial dura, que será debitada na conta do interino. Depois, uma economia em recuperação, em voo de cruzeiro, que será cavalgada pelo campeão em 2018.

7.     E corre-se para comemorar o gol.

Foi esse o plano, tão raso e simples quanto uma análise da Globonews, que estava por trás do golpe. O primarismo desse pessoal foi esquecer que o Brasil se tornou um país complexo, no qual não cabem mais os modelos simplórios de golpismo parlamentar.

Me lembrou a primeira vez que fui cobrir um congresso de economia em Olinda, em 1982.

O candidato apresentava sua tese à banca. Montava seu modelito de país apenas com os atores diretamente ligados ao tema e que não atrapalhassem a tese defendida.

Aí vinham os examinadores, especialmente Maria da Conceição Tavares e indagava: cadê a agricultura? Cadê os consumidores? Cadê o constrangimento externo?

O candidato, então, era obrigado a colocar de volta no modelo os atores extirpados. Quando colocava, o modelo não fechava mais.

Ilusão 1 – a não-solução Temer
Enquanto Dilma Rousseff era presidente, automaticamente também era o alvo preferencial do mal-estar geral. Quando ela sai, o alvo passa a ser o novo presidente, envolvido até o pescoço nas investigações da Lava Jato.

Na pressa em derrubar Dilma e aplicar o golpe perfeito, nem se cuidou de analisar melhor a personalidade do substituto. A mídia julgou possível reconstruir a biografia de Temer com suas pós-verdades. E constatou rapidamente que apostara todas suas fichas em um dos políticos mais medíocres da República.

Até então, tinha feito uma carreira política rigorosamente fora do alcance dos holofotes. Assumindo o posto, levou para o Palácio seus quatro operadores pessoais e enrolou-se até em episódios menores, como o caso da carona no avião da JBS.

Exposto à luz do sol, desmanchou.

Ilusão 2– as reformas sem povo
Só a profunda ignorância de uma democracia jovem para supor ser possível uma organização suspeita se apossar do poder e enfiar na marra reformas radicais contra a maioria da opinião pública.

Pouco a pouco vai caindo a ficha – mesmo dos economistas mais liberais - que não existe saída fora da discussão democrática com todos os setores. A não ser que se pretenda manter o país permanentemente em um estado de exceção. Nesse caso, a escolha do ditador não será deles.

Ao mesmo tempo, a ilusão de que a mera troca de governo e o anúncio de reformas acordaria o espírito animal do empresário trombou com a realidade. A soma de recessão mais juros reais em alta liquida com qualquer pretensão de equilíbrio fiscal. Sem uma atitude ousada, de incremento calculado dos gastos públicos, não haverá recuperação da economia. E esse passo só poderá ser dado em um clima de entendimento entre os principais atores políticos e econômicos.

Ilusão 3 – engarrafando o gênio
Tiraram o gênio da garrafa e ordenaram: os limites são Lula e o PT. Depois tentaram engarrafar novamente, mas o gênio não quer voltar para a garrafa.
Nesse torvelinho, o PSDB foi devorado, seu presidente deverá ser preso nos próximos dias, o outro presidenciável, José Serra, escondeu-se – como sempre fez em momentos críticos -, as demais lideranças se enrolam entre ficar ou sair. E, com isso, obrigaram seu principal porta-voz, Ministro Gilmar Mendes, a se expor mais ainda.

Gilmar é o exemplo mais didático da manipulação da interpretação da lei, peça central do ativismo judicial. Tudo o que estimulou, no período que antecedeu e durante o impeachment, volta-se contra os seus. E Gilmar é obrigado a mudar totalmente seu discurso, mostrando que a posição ideológico-partidária de muitos magistrados antecede sua interpretação da lei. Há uma interpretação para cada ocasião.

Tem-se, agora, um caos total no grupo que se aliou para promover o impeachment.

Ilusão 4 – o poder ilimitado da Globo
A Globo não tem mais a sutileza de outros tempos, de exercitar suas preferências sem deixar digitais. Agora está se imiscuindo até nas eleições para a lista tríplice de Procurador Geral da República.
Em duas matérias seguidas – uma solta, outra cobrindo o debate dos candidatos – tenta comprometer dois favoritos às eleições, sustentando que são apoiados por lideranças com processos na Lava Jato ou pelo próprio Michel Temer.

O Ministério Público é uma corporação composta por pessoas preparadas para os temas jurídicos, mas, em geral, desinformadas sobre as jogadas político-midiáticas. Mas é impossível que esse pacto Janot-Globo passe despercebido da categoria, como uma intromissão descabida nos seus assuntos internos, tão descabida (aos olhos da corporação) quanto uma escolha de PGR fora da lista tríplice.

Todo esse jogo tem como pano de fundo os últimos capítulos das investigações do FBI sobre a FIFA. Com o indiciamento do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, o escândalo finalmente chega à Globo. Será cada vez mais difícil ao MPF – e à cooperação internacional – justificar a inação no fornecimento de informações ao FBI.

Com o acordo com Janot, a Globo tenta se blindar. O escândalo Del Nero está nas principais publicações internacionais, mas continua solenemente ignorado pelo PGR e sua equipe.

Essa circunstância pode explicar o surpreendente pacto Globo-PGR para, de um lado, derrubar Michel Temer, de outro garantir que o candidato de Janot seja o mais votado da lista tríplice.

Ilusão 5 – jogo sem vencedores
A evolução da crise política, econômica e social mostra que será impossível se ter um vencedor nesse jogo. Os principais atores já estão mortalmente feridos ou em vias de.

O PSDB inviabiliza-se como alternativa. O “novo” João Dória Jr se desmancha no ar a cada dia, com provas cada vez mais evidentes da desinformação sobre a montagem de políticas públicas eficazes. Apelando cada vez mais para factoides de redes sociais, para radicalizações inconsequentes, consegue desgastar rapidamente sua imagem.

Do mesmo modo, embora ainda contando com apoio popular, a cada dia que passa a Lava Jato se isola, já que o espaço amplo de que dispunha se devia ao endosso total da mídia e do mercado ao delenda-Lula. Quando extrapolou, deixou de contar com o apoio unânime desses setores. Episódios como as palestras de procuradores faturando em cima do episódio, a desgasta não apenas em muitos setores, mas dentro do MPF.

A própria Globo terá que enfrentar um poder superior, supranacional, em territórios externos, onde sua influência não conta muito.

Chega-se, assim, àqueles momentos de impasse, em que a guerra leva a um jogo de perde-perde.

E, no Paraná, um juiz obcecado, e procuradores partidarizados, pretendem inviabilizar Lula, um dos pilares centrais para uma saída pacífica da encrenca em que engolfaram o país. 

Do GGN

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Confiara as polêmicas envolvendo o IDP de Gilmar Mendes

Foto: Walter Alves/IDP

O Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) de propriedade do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), teve mais um de seus patrocínios envolvidos em polêmicas. Além dos casos já revelados há mais de três anos pelo GGN, o Instituto recebeu R$ 2,1 milhões do grupo J&F, investigado no esquema da Operação Lava Jato, e que tem processos que podem ser analisados pelo próprio Gilmar, que insiste em não se declarar impedido. 

No dia 27 de maio deste ano, uma reportagem publicada pela Folha de S. Paulo já introduzia as relações do ministro com a JBS, frigorífico controlado pelo grupo e dos quais os donos, Wesley e Joesley Batista, prestam delações premiadas contra Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre outros políticos.

Á época, soube-se que a família do ministro do Supremo vendia gado no Mato Grosso para a JBS. Em resposta, Gilmar disse que seu irmão é que conduzia o negócio e, por isso, não haveria motivos para ele se declarar impedido de participar de votações envolvendo o frigorífico. 

Entretanto, Gilmar chegou a reunir-se com Joesley Batista, supostamente a pedido do advogado do grupo, Francisco de Assis e Silva, que também está envolvido em irregularidades e passou a delatar para as investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo ele, o encontro tratava-se de um julgamento do STF sobre o setor do agronegócio e Joesley teria aparecido "de surpresa". Alguns dias antes, a Corte julgava tema sobre o fundo de previdência de produtores rurais, Funrural. 

Entre outros temas de interesse da JBS no Supremo também está a homologação do acordo da empresa, que já foi efetivado pelo ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin, mas foi contestado pelo governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB). E, portanto, será levado ao plenário do STF, do qual Gilmar faz parte.

Agora, a relação da J&F com o ministro é ainda mais escancarada pelas revelações de nova reportagem da Folha. O grupo doou R$ 2,1 milhões para a realização de eventos ao Instituto de Gilmar, nos últimos dois anos. Questionado, o IDP respondeu que já fez a devolução de R$ 650 mil no dia 29 de maio deste ano.

Segundo o próprio IDP, com o dinheiro, a instituição financiou cinco eventos e sustentou um grupo de estudos com bolsas a estudantes, e tinha um contrato assinado desde junho de 2015 com o grupo. A JBS calculou uma quantia de R$ 1,45 milhão, desde 2015, ao Instituto para patrocinar três congressos. Não se incluíram nessa conta os patrocínios da Vigor, também controlada pela JBS.

Somente o último destes congressos, realizado em abril, em Portugal, foi fruto de R$ 650 mil da empresa investigada na Lava Jato. Coincidentemente, o principal delatado de seus executivos, Michel Temer, teve seus ministros e aliados políticos convidados a participar do evento, que ainda ocorreu alguns dias depois de os empresários firmarem o acordo com a PGR.

2012: CONTRATO SEM LICITAÇÃO COM TJBA

Em fevereiro de 2014, o Jornal GGN já denunciava a suspeita sobre um incomum contrato celebrado pela Tribunal de Justiça da Bahia com o IDP, repassando milhões ao Instituto. Á época, o TJBA estava na mira das investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por supostas vendas de sentenças e contratos que nunca seguiram a lei de licitações (leia aquiaqui e aqui).

Após uma investigação no Diário do Tribunal de Justiça da Bahia, o GGN encontrou o contrato assinado pelo TJBA, no dia 20 de abril de 2012, no valor de R$ 10.520.754,54 com o IDP e um aditamento de mais R$ 2.446.057,00, totalizando quase R$ 13 milhões. Para justificar a ausência de uma licitação para o serviço, o Tribunal justificou que o projeto não precisaria de abertura de concorrência, porque supostamente o serviço prestado não teria concorrência além do IDP. 

EVENTOS IDP

No ano seguinte, em coluna publicada em novembro de 2015, Luis Nassif alertou para a gama de patrocinadores dos eventos do Instituto Brasiliense de Direito Público. Realizado naquele mês, o 18o Congresso de Direito Constitucional, por exemplo, contava com o financiamento de empresas como a Cemig, a Febraban, Itaipu, CNT (Confederação Naconal do Transporte), da CNI (Confederação Nacional da Indústria), entre outras que demandavam grandes ações junto ao Supremo Tribunal Federal, onde o ministro atua. 
Destacando que o simples financiamento de eventos por multinacionais ou empresas do governo federal, por si só, não caracteriza a prática de interesses terceiros ou atos de influências sobre julgamentos, o GGN fez um levantamento sobre os grandes eventos já realizados pelo Instituto que contaram com a participação de diversos nomes do meio jurídico e políticos, e que foram financiados por grandes empresas, sejam privadas ou públicas, nos anos de 2015 e 2016: Eventos IDP 2015 e 2016 de Patricia Faermann.

Mais recentemente, Temer foi convidado a participar de um seminário do IDP de Gilmar patrocinado pelo próprio governo federal. O "7º Seminário Internacional de Direito Administrativo e Administração Pública-Segurança Pública a Partir do Sistema Prisional" terá o mandatário peemedebista na grade de abertura, que ocorrerá no dia 20 de junho.

A Caixa Econômica Federal irá financiar R$ 90 mil para as palestras. E apesar de recentemente o ministro ter sido um dos responsáveis pela absolvição de Temer da cassação do mandato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tanto Temer, quanto Gilmar negam conflitos de interesses.

Em resposta ao jornal Folha de S. Paulo, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, apesar de ser sócio, ele "não é, nem nunca foi, administrador do IDP". "Sendo assim, não há como se manifestar sobre questões relativas à administração do instituto", disse, por meio de sua assessoria de imprensa.

Do GGN

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Ex-PGR Claudio Fonteles e juristas pedem impeachment de Gilmar

O ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, acompanhado de um grupo de juristas e professores, protocolou nesta quarta-feira um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

A peça entregue à Secretaria-Geral do Senado pede que o ministro seja destituído do cargo pela suposta prática de crime de responsabilidade e fique inabilitado por oito anos para o exercício de função pública.

Dentre os motivos elencados pelo pedido de impeachment, figura o fato de Gilmar não ter se declarado impedido em processos que tinham a atuação do escritório de advocacia de sua esposa, ou em situações em o ministro tinha relação de amizade com uma das partes.

O texto entregue por Fonteles também pede que seja apurada a atividade do ministro, que teria exercido "atividades político-partidárias" ao participar de articulações para persuadir parlamentares a votarem de determinada forma, usando como exemplo áudio em que Gilmar conversa com o então presidente do PSDB, Aécio Neves.

Na ocasião, o senador --agora afastado do cargo-- pede que o ministro interceda junto ao senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) sobre um projeto de lei. Gilmar responde que procurará o senador, e sustenta que já teria conversado com outros dois.

O pedido de impeachment alega ainda que o ministro teria quebrado o decoro em declarações duras, com linguagem "impolida, depreciativa e agressiva" contra o ministro da suprema corte Marco Aurélio, contra a Procuradoria Geral da República (PGR) e contra o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Também elenca como quebra de decoro o fato de o ministro ter "proximidade" com pessoas e autoridades investigadas ou denunciadas criminalmente no STF, ou partes juridicamente interessadas em casos que tramitam na corte ou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Mendes, citando como exemplo a relação de Gilmar com a J&F, grupo que controla a JBS e ocupa o centro de denúncias envolvendo Aécio e o próprio presidente Michel Temer.

"Um dos pontos que caracteriza a atitude frequente do ministro Gilmar Ferreira Mendes é o encontro com políticos de determinado viés partidário, a portas fechadas, sem nenhuma previsão em agenda oficial", diz o texto.

Além do pedido de impeachment entregue ao Senado, o grupo também preparou uma peça pedindo que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, apure o caso do telefonema com Aécio e a atuação no âmbito parlamentar para que tome as "providências cabíveis", além de uma reclamação endereçada ao STF, pedindo que a conduta do ministro seja administrativamente apurada.

"Diante de tudo o que foi exposto, requereremos à excelentíssima presidente do Supremo Tribunal Federal receba a presente petição administrativa de caráter disciplinar e a submeta ao plenário do tribunal para que, admitida e processada regularmente, seja o ministro Gilmar Ferreira Mendes responsabilizado disciplinarmente, com as penas da lei, por exercício de atividade político-partidária, por quebra persistente do dever de imparcialidade e por 'procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções'", diz a peça.

Do 247

terça-feira, 13 de junho de 2017

O PSDB é o avalista do governo mais corrupto e degradado de toda a história deste desditoso país, por Aldo Fornazieri

Colapso institucional, um governo criminoso e o PSDB
Ao contrário do que afirmam os idiotas da normalidade, não só existe uma crise institucional no país, como, mais grave do que isto, as instituições entraram em colapso. O Executivo e o Legislativo já tinham sua legitimidade perto de zero. Com o processo do golpe das reformas, não só agem contra os interesses populares, mas exercem uma ação de violência contra a soberania popular pela ação criminosa de aprovarem medidas pelas quais não foram mandatados pelos eleitores. Ademais, o governo ilegítimo de Temer é fruto de um ato ilegítimo do Congresso.

Restava ainda o Judiciário com algum grau de legitimidade, em que pese as graves falhas na sua responsabilidade de salvaguardar a Constituição em face dos atropelos a que foi submetida pelas hordas congressuais e pela quadrilha de Temer que assaltaram o poder para obstruir a Justiça, para garantir o foro privilegiado a corruptos notórios e para bloquear a Lava Jato. Desde a última sexta-feira, o que restava de legitimidade ao Judiciário ruiu com a vergonhosa absolvição de Michel Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral. Temer foi absolvido por excesso de provas.

Um dos importantes aspectos do colapso institucional consiste em que os detentores do poder agem pelo arbítrio. Existem várias formas de arbítrio, sendo a principal, agir sem lei e contra a Constituição. Outra forma consiste em usar arbitrariamente a lei para perseguir quem se considera inimigo e para salvar a cabeça dos amigos.

É o que fez Gilmar Mendes com o processo de cassação da chapa Dilma-Temer. Quando Dilma estava no poder, Mendes foi decisivo para a abertura do processo. Quando se tratou do julgamento de Temer, ele apelou para a tese de que não se pode cassar a soberania popular do mandato. Esta é uma conduta tipicamente arbitrária, destrutiva da moralidade pública, forma de violência no exercício do poder. Gilmar Mendes é a face desnuda da desfaçatez, num país em que a regra do jogo é a desfaçatez. Mas nada se poderia esperar de um juiz que é conselheiro noturno de Temer e estafeta de Aécio Neves. A virulência da sua retórica mal disfarça a pobreza dos seus argumentos, os sofismas de sua falta de lógica, os andrajos de sua incultura jurídica.

Gilmar Mendes, associado a Aécio Neves, foi um dos principais artífices das instabilidade e da crise política que ceifou o mandato de Dilma. Sem rubor e com a truculência dos tiranetes, pregou a necessidade de estabilidade dos mandatos, justificando a absolvição de um presidente usurpador que foi flagrado cometendo vários crimes. A crise e o colapso das frágeis instituições democráticas e republicanas nascidas com a Constituição de 1988 têm seus verdugos: Aécio Neves, Eduardo Cunha, Gilmar Mendes, Michel Temer e José Serra. Foram secundados por muitos outros, que transformaram as instituições em escombros, interditando o penoso caminho de um breve período de consolidação democrática.

Temer e seus asseclas, depois de terem levado as instituições à ruína, agora estão dispostos a mergulhar o país na aventura do confronto campal para barrar investigações e para quebrar o que resta da funcionalidade da Justiça. A sua ousadia criminosa os leva a usar os instrumentos típicos das ditaduras - a  espionagem, as ameaças e as chantagens. Usurpam os instrumentos de poder para se manterem no governo, fugindo da responsabilidade de responder pelos seus atos delinquenciais.

Os setores democráticos e progressistas da sociedade, junto com os movimentos sociais e os partidos de oposição, não podem ficar inertes a este embate. Devem exigir nas ruas a saída de Temer do governo e que ele seja levado a julgamento. As oposições pagarão um preço muito alto se assistirem passivamente o desfecho desta confrontação, pois, se não se mobilizarem, iludidas de que as eleições de 2018 resolverão esta crise, perceberão tardiamente que depois de garantir a permanência de Temer no governo, as forças que patrocinaram o golpe agirão para impedir a vitória de um candidato alinhado com as forças progressistas.

Permitir que Temer continue governando significa permitir a vitória de indignidade contra a indignação; da covardia contra a coragem; da imoralidade contra a decência moral; da corrupção contra a república. O momento de reconquistar a confiança da sociedade é agora, lutando contra esse governo que ofende o país e seu povo.

PSDB: Com Temer contra o Brasil

O PSDB escreveu, nos últimos anos, uma das histórias mais ignominiosas da vida política brasileira. Nascido como rebento do PMDB para combater-lhe a corrupção, não conseguiu negar a sua genética e tornou-se o avalista do governo mais corrupto e degradado de toda a história deste desditoso país. Levou para o esgoto a ilustração acadêmica de que sempre se gabava de ostentar e revelou-se tão corrupto quanto seu genitor, com o agravo de ter patrocinado um golpe contra a democracia, conspurcando a história de muitos democratas verdadeiros que se bateram contra o regime militar, a exemplo de Franco Montoro e Mário Covas, entre outros.

O PSDB precisa mudar com urgência o seu próprio nome, pois não é digno de manter a designação de "social-democracia". Um partido não pode ser "social" quando investe e agride violentamente os direitos sociais dos trabalhadores e do povo. Um partido não pode ser democrata quando patrocina golpes e é o principal sustentáculo de um governo corrupto e de um presidente que foi flagrado cometendo crimes.

O PSDB foi comandado até recentemente pelo pior aventureiro que apareceu na política brasileira nos últimos tempos. Um aventureiro que entrou com uma ação que desestabilizou a democracia, gerou a crise política e econômica, provocou a recessão e o desemprego, apenas para "encher o saco do PT". Essa irresponsabilidade não pode ser debitada apenas a Aécio, mas ao partido que deu aval a todo esse processo de vandalização das nossas instituições.

O PSDB não é apenas conivente com a destruição institucional e moral do Brasil, mas é seu artífice. As suas atitudes dolosas e danosas não podem ser escusadas, pois não pode alegar engano, consciente que é de sua ação deletéria. Neste momento em que o Brasil se esvai na desesperança, em que milhões de trabalhadores estão na ruína do desemprego e em que várias tragédias se multiplicam, a ilustração tucana está associada a uma inescrupulosa organização que tomou o poder para se salvaguardar dos seus crimes.

O entorno deste governo é um deserto ético, um pântano moral, onde vicejam corruptos seriais e achacadores de ofício. Cultiva-se ali a indiferença com a decência, a desavergonhada compulsão para a destruição da democracia a venda da dignidade moral em troca da destruição dos diretos sociais duramente conquistados.

Temer e seus sócios do PSDB precisam ser detidos, pois são a face política do modo como o capitalismo perverso e predador se constituiu no Brasil. São a expressão sádica da vontade escravocrata, daqueles que querem a destruição dos direitos para que os trabalhadores se tornem servos, daqueles que querem a flexibilização anárquica para que a exploração da mão de obra seja ainda mais despudorada e daqueles que querem a velhice desamparada para que os recursos públicos continuem, de forma mais voraz, a serem drenados pela impiedosa ganância do capital financeiro e do empresariado que constrói a sua riqueza com o dinheiro público. Este é o programa de Temer e do PMDB. Este é o programa do PSDB, sócio e cúmplice de um governo corrupto e criminoso. Temer é o presidente que o povo brasileiro não quer, mas que o PSDB, João Dória e Fernando Henrique Cardoso querem.

GGN, Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Suposta espionagem do ministro Edson Fachin do STF por Temer não foi bem vista pelo Congresso e Judiciário

A notícia de que Michel Temer acionou até a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para fazer uma devassa na vida do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, foi recebida com repúdio por membro do Congresso e setores do Judiciário e do Ministério Público Federal. Segundo reportagem de Veja, a suposta espionagem a Fachin faz parte de uma operação de Temer para frear a Lava Jato, a partir da tática de intimidação de seus principais agentes - no STF, Fachin e, na chefia do MPF, Rodrigo Janot.

O deputado Alessandro Molon, da Rede, anunciou que articula na Câmara uma reação a essa investida de Temer: a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar se o presidente, de fato, usa a máquina pública para obstruir as investigações da Lava Jato.

Na semana passada, o GGN destacou que notícias de que Temer tem usado órgãos do governo para fazer uma contraofensiva contra Janot, Fachin e delatores da Lava Jato é inconstitucional, podendo ser considerado crime de responsabilidade e resultar em impeachment.

Artigo 85 da Constituição define que um dos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República que pode ser considerado motivo para impeachment é atacar o "livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação."

Para Molon, o suposto uso da Abin é uma "denúncia é gravíssima e revela, mais uma vez, que o presidente Temer está disposto a qualquer medida, mesmo que ilegal, para se proteger da Lava Jato. Temer não está preocupado com as necessidades do país, mas, sim, em usar o cargo para se proteger da investigação contra seus crimes."

No dia seguinte à divulgação de Veja, a presidente do Supremo Cármen Lúcia saiu em defesa de Fachin e cobrou apuração sobre a espionagem. A ministra disse que, se comprovada a prática, “as consequências jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como determinado pelo direito”.

No mesmo sentido, Gilmar Mendes criticou a "tentativa de intimidação de qualquer membro do Judiciário, seja por parte de órgãos do governo, seja por parte do Ministério Público ou da Polícia Federal, é lamentável e deve ser veementemente combatida."

Em nota, Janot também repudiou o que chamou de medida de "Estado de exceção". 

Na semana passada, a grande mídia noticiou, com pouco destaque, que o governo Temer tem acionado órgãos ligados ao Ministério da Fazenda para promover uma operação contra a JBS. Os empresários e delatores da empresa chegaram a acionar o Ministério Público contra o que chamam de "vingança e retaliação" por parte do governo.

Do GGN

domingo, 11 de junho de 2017

Ion Andrade: a anatomia do Golpe e a fisiologia de um desastre

No golpe os fisiológicos queriam Impunidade e os ideológicos as Reformas: os primeiros serão presos. Por que ainda defendem Reformas que não somente não sobreviverão ao tempo como acentuarão a sua condição de bandidos?

A abordagem do golpe como à de um acidente aéreo, ideia apresentada nalgum post desse mês, que infelizmente não encontrei de novo para citar, embora alegórica, pois o golpe foi uma trama, permite visão de conjunto e da relação (ou não) entre si das múltiplas causas que o produziram. Permite também entendê-lo de forma mais aprofundada com vistas a evitar, ainda que num futuro distante, que se repita, interrompendo o processo democrático novamente. O golpe não foi acidental. Foi proposital. Mas poderia não estivessem reunidas todas as circunstâncias sombrias que o acompanharam, não ter tido êxito.

Sem querer ser exaustivo vou alinhar de forma muito simplificada um encadeamento de interesses que finalmente resultaram no golpe e fazer um balanço do cenário atual, onde os diversos que compõem o golpismo, perderam o controle da situação.

I Forças Políticas

O golpismo Tucano/midiático pós eleitoral

Em primeiro lugar, precedendo a eleição de Dilma para o segundo mandato, o país foi mergulhado num clima anormal de ódios figadais patrocinados pela mídia. Esses ódios decorrentes do conflito com um Executivo que começava a enfrentá-la eram a própria natureza da campanha de Aécio Neves. Ao ser derrotado, esse conglomerado de interesses começa a planejar a derrubada do governo e a sua imobilidade. O julgamento no TSE da chapa Dilma/Temer é apenas o encerramento do plano “B” do golpismo tornado desnecessário, já que o plano A, a cassação pelo Congresso, teve sucesso.

O golpismo de Jucá vazado em alto e bom som

Mas por que esse plano “A” teve sucesso? Porque a República passou a ser conduzida pelas maquinações de Romero Jucá de acabar com a Lava Jato, para que os senadores e deputados implicados em ilícitos e investigados pudessem novamente dormir em paz. Para isso precisavam contar com um Executivo comprometido em barrar as investigações e com um legislativo capaz de mudar algumas leis que os tornassem menos vulneráveis a essa investida (heterodoxa) do Judiciário.

O fator Eduardo Cunha

A escolha de Eduardo Cunha como presidente da Câmara ocorreu ainda no processo eleitoral de 2014 e não na Câmara, onde apenas foi homologado. O propósito de elegê-lo presidente daquela casa foi o de inviabilizar e derrubar o governo Dilma, mas sozinho, provavelmente não teria tido fôlego para viabilizar a derrubada da presidenta com tantos votos.

II O Capital

O fator FIESP

Submetido politicamente pela proposta de um Estado Social que vinha dando certo mas que mergulhara numa crise econômica acentuada, o empresariado paulista não teve dificuldades em aderir ao alinhamento proposto pela FIESP à ideia da Restauração neoliberal que enxergaram, num erro estratégico extraordinário, como o remédio para voltar a prosperar. Esse componente acrescentou dois elementos ao golpe: (a) o argumento que faltava aos deputados mais recalcitrantes, seja por fisiologismo, seja por convicções menos golpistas e (b) o conteúdo ideológico do golpe: o ideário de reformas feitas sob medida para arruinar as conquistas trabalhistas. Tal qual canto de sereia o neoliberalismo vem produzindo uma redução acentuada do mercado consumidor com reflexos pesados sobre a indústria já havendo empresários que começam a suspeitar que foram enganados...

Interesses externos

Acuados pelas inciativas consistentes dos BRICs rumo à consolidação de um mundo multipolar, em boa parte decorrente de um protagonismo brasileiro que produzia inclusive afastamento da América Latina do eixo americano e ávidos pelas riquezas brasileiras, com destaque para o petróleo do pré-sal, o capital internacional foi componente de primeira hora da frente golpista, juntamente com os Tucanos e com a mídia. Esse componente também agregou exigências ideológicas e econômicas ao seu apoio, o que pode ser constatado pelo desmonte da indústria naval, da indústria de defesa, da engenharia pesada nacional, da redução do conteúdo nacional na cadeia do petróleo, da oferta da base de Alcântara aos interesses externos, etc.

III Fatores coadjuvantes

A Lava Jato

Nada ingênua nesse cenário, a operação centrou-se nos governos Lula e Dilma e poupou os governos tucanos anteriores a Lula assim como poupou os governos tucanos de estados chave como o de Minas antes de Pimentel ou o de São Paulo que também tinham contratos volumosos com as empresas investigadas pela Lava Jato e um rosário de delações e denúncias. Conexões com interesses externos foram mais de uma vez suspeitadas pelos efeitos da operação em áreas estratégicas para a soberania nacional produzidas não pela investigação de corrupção, afinal algo necessário, mas pelo método de expor e demonizar empresas e ativos brasileiros à sanha dos concorrentes internacionais em toda parte. Até os dias de hoje, apesar de suspeitas que vão de assassinatos ao tráfico de drogas, não há nenhum tucano preso pela operação.

A rua golpista

Formada por setores provenientes da classe média, a rua golpista foi crucial para o golpe. Movida por uma ética e uma estética classista, profundamente anti-popular, essa multidão já descobriu que é parte perdedora no golpe e não somente desocupou as ruas como vem progressivamente se posicionando em oposição.

IV Exaustão

A atonia do governo Dilma e o erro estratégico da adesão ao neoliberalismo com Levy

A inação do governo foi obviamente um dos mais importantes fatores para o êxito do golpe. Figuras como a de José Eduardo Cardozo como Ministro da Justiça, dentre outros cuja lembrança é desnecessária, serão de difícil compreensão para os historiadores desse triste momento por ser incompreensível que tenham permanecido no governo num mar de tempestades como o que atravessávamos. Ao mesmo tempo a desastrosa adesão ao neoliberalismo com Joaquim Levy pelo governo Dilma agravou a crise econômica, pois gasolina pudesse não apaga fogo.

A dessintonia do governo com as aspirações populares

Lula conseguiu interpretar as necessidades mais urgentes do nosso povo e convertê-las em objeto de políticas públicas. Porém essas políticas que foram capazes de produzir uma verdadeira revolução no Brasil já não eram mais suficientes no governo Dilma, que também não conseguiu identificar as novas necessidades a atingir. O Mais Médicos por exemplo foi uma iniciativa tardia de, às cegas, tentar acertar o alvo. Sobre esse ponto remeto os interessados ao artigo “Podemos fazer mais?” que publiquei na semana passada.

Conclusões

Então, a dinâmica do golpe incorporou uma conspiração prévia que elegeu Eduardo Cunha à qual se agregou um golpismo pós-eleitoral de primeira hora, (o PSDB, a mídia, o capital nacional e o internacional) componentes ideológicos e ativos portador deum ideário de Reformas que quer salvar. Incorporou em seguida um golpismo animado pelo pavor à Lava Jato, ávido por auto-proteção (a profecia de Jucá) passivo quanto ao projeto de sociedade e fisiológico. Esse golpismo vendeu a alma ao outro, incorporando as reformas no projeto Pinguela dos Desvalidos com a garantia de proteção na mídia e impunidade na Lava Jato. Funcionaram como fatores convergentes: (a) a Lava Jato, que aberta e ostensivamente poupou e continua poupando o PSDB e (b) a rua golpista. Por seu turno, o governo Dilma mostrou-se: (a) passivo na política de sua auto-defesa, (b) neoliberal na condução da política econômica e (c) dessintonizado das necessidades e aspirações das maiorias.

Feito esse balanço, podemos constatar que, apesar de terem conseguido derrubar o governo Dilma, nem tudo deu certo para os golpistas. Fiel à sua enraizada ideologia elitista, a rua golpista descolou-se dos grandes partidos e passou a compor a base eleitoral da extrema direita. Apesar de fazer água por todos os lados, os componentes fisiológicos que acompanharam a estratégia Jucá são os que hoje conduzem o golpe, o que leva o componente ideológico e entreguista a pretender salvar as Reformas e lançar Temer aos leões. Esse porém é o cenário da debâcle  e, ao fim e ao cabo, põe em risco o conjunto da peça golpista.

De fato, esse mar de lama dá às Reformas e PECs tanta ilegitimidade, que a sua aprovação pelo Congresso atual, repleto de uma maioria de corruptos, não reúne as condições mínimas de consenso para sobreviver ao tempo. As Reformas e PECs sofrerão forte pressão para a sua revogação assim que a normalidade democrática ressurja. E bastará um plebiscito.

No campo da política, assimilados os golpistas ideológicos e fisiológicos  a ladrões, emergem como forças sobreviventes a esquerda democrática e a extrema direita fascista.

Nesse contexto, a pergunta que Temer e Jucá têm que responder hoje é: Se a mídia e o grande capital lhes vendeu impunidade ante a Lava Jato como contrapartida às Reformas e os traiu, por que continuar fiel as Reformas?

Do GGN

sábado, 10 de junho de 2017

Fernando Horta: o julgamento do TSE na visão Ética e Moral

No momento que escrevo estas linhas o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE está empatado em 3 a 3 e Gilmar Mendes terá o voto final. Em março de 2015, a relatora Maria Thereza de Assis Moura havia arquivado a “coisa para encher o saco” que Aécio e o PSDB haviam entrado contra Dilma. Naquele momento Gilmar Mendes lutou para que se reconhecessem os “fatos” sobre “irregularidades de pagamento, por parte da campanha, a empresas supostamente fantasmas”. Gilmar parecia convencido de algo, de forma muito forte. O que era, entretanto, podemos apenas sondar.

A filosofia básica nos ensina a diferença entre moral e ética. Ética vem do termo grego “éthos” que significa comportamento, costumes. O “éthos” é a forma como nos portamos na vida, na nossa materialidade cotidiana. Existem “éthos” coletivos, próprios de determinados tempos, regiões, populações, grupos específicos e etc. A ética, portanto, é a parte visível do comportamento das pessoas, grupos ou instituições no tempo. Podemos falar de uma “ética da máfia”, uma “ética do PCC” assim como a “ética judaico-cristã”. Cada termo significa um determinado conjunto de valores. A máfia, por exemplo, não aceitava que se matassem mulheres e crianças. O PCC não aceita conviver com estupradores, agressores de mulheres ou crianças. A ética “judaico cristã” é formada essencialmente por dez mandamentos recebidos, segundo a tradição, pelo profeta Moisés no monte Sinai.

A moral é a parte invisível do comportamento de cada ser humano. Se na minha ética está estabelecido que “não matarás”, então eu serei ético se não matar. A moral é a razão de eu não matar. Eu posso não matar porque acredito na singularidade de qualquer forma de vida e, assim, as respeito de pleno. Por outro lado, posso não matar porque tenho medo do castigo do Deus em que acredito, uma vez que estarei a desobedece-lo. Posso não matar por medo da vingança dos familiares de quem eu matei ou do Estado. Diversos balizamentos morais podem desembocar num mesmo comportamento ético. Saber porque se faz ou não se faz algo é tão ou mais importante do que fazê-lo ou não.

Eu escolho não comer carne, este é um comportamento que faz parte do conjunto de normas pelas quais eu me rejo. É minha ética. Mas minha moral pode dizer para que eu não coma carne porque o ferro e outros nutrientes farão o processo de envelhecimento se tornar mais rápido. Uma moral individualista egocêntrica. No mesmo caso, posso não comer carne porque acredito que a vida dos animais é tão importante quanto qualquer outra no planeta. Uma moral altruísta e voltada para a ideia de ecossistema. Assim, não existe ninguém que seja “antiético”. Esta pessoa pode simplesmente ter um conjunto de valores diferente dos meus. Apenas isto. Diferente.

Posso ter o comportamento ético de seguir as leis do meu país, mas o faço somente e enquanto estas leis me propiciam algum tipo de posição de superioridade frente ao todo. Escolho reconhecer como de máxima importância o direito à propriedade (comportamento advindo da minha ética), mas tão somente porque eu tenho propriedades e, portanto, me é interessante que outros respeitem-nas. Posso não reconhecer, por exemplo, o direito à vida como algo “efetivamente” importante, porque aponho qualquer adjetivação neste direito. “Direitos humanos para humanos direitos” e eu nego que todos tenham direito à vida. Faço isto porque entendo que é importante que o Estado tenha liberdade para matar indivíduos caracterizados por mim como “desnecessários”. A moral é, pois, muitas vezes, utilitarista. Ela surge de uma racionalização a respeito de um comportamento ético e pode ser fruto de cálculo de custo-benefício. A pessoa pode ser ética e, ao mesmo tempo, totalmente perversa desde que perceba que “ser ético” implica em ganho efetivo para si. É a moral que condiciona a ética.

Gilmar Mendes disse no julgamento do TSE, em 2017, que há um “princípio supraconstitucional (...) não escrito em lugar algum” pelo qual “as instituições têm que se conter” afinal “o Estado de Direito não comporta soberanos”. E reclama da “mistura de delatores e infratores” a “contaminar” o comportamento do MP. Gilmar parece ter um comportamento ético seguindo as leis brasileiras e criticando “vazamentos”, “delações sem provas” e, acima de tudo, acredito que ele absolverá a chapa Dilma-Temer. Vemos uma ética em Gilmar Mendes, sua moral, entretanto é nebulosa.

No dia 17 de março de 2016 Gilmar Mendes dava entrevista a uma conhecida rádio e dizia que “achava correto o vazamento” das conversas entre a presidenta Dilma e Lula e que o “tribunal (STF) vem cumprindo bem seu papel e não se tornou uma corte bolivariana”. Com base no vazamento ilegal, Mendes tomou ainda a inacreditável decisão de barrar nomeação de Lula como ministro. Com base numa ilegalidade Mendes comete outra e mostra que não, “as instituições” não “precisam se conter”.

Vemos que a ética de Gilmar Mendes parece ser bastante sinuosa. Adaptando-se às situações políticas em cada momento. O “ethos” do ministro em 2016 era um e agora em 2017 é, flagrantemente, outro. Em 2016 ele acusava a chapa Dilma-Temer de ter cometido abuso de poder político, econômico e fraude de campanha. Em 2017, ele absolve a chapa Temer-Dilma, vocifera contra o Ministério Público e defende “limites à atuação das instituições”. Se a ética mudou completamente, qual será a moral de Gilmar Mendes?

GGN

O que falava Gilmar quando a ação de Aécio, para “encher o saco”, pretendia cassar Dilma Rousseff


O tribunal é muito valente para cassar prefeitos de interior, por exemplo, mas é muito reticente em relação às disputas nas capitais. O TSE é muito corajoso às vezes para cassar um governador da Paraíba, mas não quer se intrometer na disputa em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, ou mesmo em Minas Gerais. Há uma assimetria e talvez tenha uma razão… Cassamos governadores de Rondônia, Roraima, Maranhão, mas somos cautelosos em relação sobretudo à Presidência da República. Mas a questão tem gravidade que precisa ser pelo menos examinada, e é isso que estou colocando neste momento. Gilmar Mendes, quando se examinava ação aberta por seu parceiro Aécio Neves contra Dilma Rousseff.

O próprio Aécio Neves, senador afastado, ex-presidente do PSDB e candidato derrotado ao Planalto em 2014, admitiu em conversa com o delator Joesley Batista que só pretendia “encher o saco” do PT quando ingressou com ação no TSE para cassar a chapa Dilma-Temer.

Na mesma conversa, Aécio afirmou que Michel Temer pediu que ele retirasse a ação, mas que não tinha como fazê-lo, já que o Ministério Público daria continuidade ao processo.

À época, a ministra Maria Thereza de Assis Moura negou monocraticamente o pedido de Aécio. Mas o caso foi ao plenário do TSE e, muito por conta do voto de Gilmar Mendes, o processo teve andamento.

O relator do caso decidido nesta sexta-feira, Herman Benjamin, referiu-se ao menos uma vez ao voto de Gilmar então como “uma Bíblia”, como forma de ressaltar a diferença entre o que Gilmar pensava ANTES e o que pensa AGORA.

Em 13 de agosto de 2015, ao informar sobre o voto de Gilmar no TSE, o colunista Reinaldo Azevedo, em seu blog na revista Veja, fez questão de destacar: “TSE tem de evitar a continuidade de um projeto no qual ladrões de sindicato transformaram o país num sindicato de ladrões”.

No texto, depois de reproduzir trechos do voto de Gilmar, acrescentou:

Ladrões
Nas intervenções que fez, fora de seu voto escrito, comentou o ministro: “Um colunista importante me disse, esses dias: ‘ladrões de sindicatos transformaram o país em sindicato de ladrões’. É grande a responsabilidade desse tribunal”. E emendou que, caso se demonstre ser assim, “a obrigação do TSE é evitar a continuidade desse projeto, por meio do qual ladrões de sindicato transformaram o país num sindicato de ladrões”.

Quem seria o colunista? O próprio Reinaldo Azevedo?

No voto desta noite, em que decidiu por 4 a 3 contra a pretensão de Aécio Neves de cassar Temer, Gilmar Mendes demonstrou uma grande preocupação em preservar a soberania do voto popular, o que nunca fez, ainda que em simples entrevista, antes da cassação de Dilma Rousseff pelo Congresso.

Quando o Senado cassou Dilma Rousseff mas manteve os direitos políticos dela, sob a presidência de seu colega Ricardo Lewandowski, em 2016, Gilmar afirmou:

“Considero essa decisão constrangedora, é verdadeiramente vergonhosa. Um presidente do Supremo não deveria participar de manobras ou de conciliábulos.

Portanto não é uma decisão dele. Cada um faz com sua biografia o que quiser, mas não deveria envolver o Supremo nesse tipo de prática. O que se fez lá foi um DVS, não em relação à proposição que estava sendo votada. Se fez um DVS (destaque para votação em separado) em relação à Constituição, o que é, no mínimo, para ser bastante delicado, bizarro. (…) Vejam vocês como isso é ilógico: se as penas são autônomas, o Senado poderia ter aplicado à ex-presidente Dilma Rousseff a pena de inabilitação, mantendo-a no cargo. Essa é a tese. Então, veja, não passa na prova dos nove do jardim de infância do direito constitucional”.

Esta noite, Gilmar poderia ter cassado os direitos políticos de Dilma por oito anos, mas isso exigiria a cassação da chapa — e de seu aliado, Michel Temer.
Em seu voto, ele não apenas espalhou suspeição sobre todos os indicados por Lula e Dilma ao STF, mas citou favoravelmente Fernando Henrique Cardoso, aquele que o indicou para a vaga no tribunal.

Gilmar afirmou que questões políticas deveriam ser decididas por políticos, sem lembrar que foi flagrado atendendo pedido do senador Aécio Neves para fazer lobby junto ao senador tucano Flexa Ribeiro pelo voto favorável à lei do abuso de autoridade.

Gilmar enfatizou que o TSE não deveria cassar mandatos com leveza, quando anteriormente havia afirmado que faltava coragem ao TSE para cassar mandatos em estados importantes ou mesmo o presidente da República!

Independentemente do mérito do que foi decidido — há petistas vibrando com a absolvição de Dilma e outros celebrando o ímpeto de Gilmar contra a Lava Jato, que pode beneficiar Lula — é importante frisar que as contradições de Gilmar apontadas acima são apenas migalhas diante do que uma análise completa do voto dele poderia revelar.

Gilmar enfatizou que a Justiça não pode ser feita de maneira fortuita, de acordo com as circunstâncias do momento, mas foi justamente o que fez ao livrar Michel Temer.

A seguir o link do voto de Gilmar que ajudou a abrir a ação contra a chapa Dilma-Temer no TSE, pretendida por Aécio Neves: Tse 761votovistaministrogm de Luiz Carlos Azenha

Vi o Mundo

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Felipe Pena: Dois juízes e a conta! – Em abril, Temer foi à pizzaria

Michel Temer pediu o cardápio. Gilmar Mendes se antecipou ao amigo e o tirou da mão do garçom: "posso pedir vistas, presidente?"

- Claro, meretríssimo – respondeu Michel.

- De entrada, que tal um queijo Gonzaga com lascas de tomate?

- Ótima escolha, Gilmar. Mas esse prato demora muito. Os tomates só estarão maduros no dia 16 de abril. Se quisermos algo pra hoje, terá que ser esse outro aqui mesmo – disse, apontando para um queijo mais amargo.

- Calma, Michel. Quem está vendo o cardápio sou eu. Minhas vistas, minhas escolhas. Apenas obedeça.

- Obedecer-te-ei, meu caro. Mas estou com fome. Veja o que temos como prato principal, por favor.

- Taquilpa, Michel. Apressado come cru! Já disse que o pedido de vistas pode demorar o tempo que quisermos. A alta gastronomia é assim, lenta e conservadora.

- Vossa excelência frequenta a alta gastronomia há muito tempo. Eu o respeito. A escolha é sua.

- Então vamos pedir uma pizza de vieiras.

- Pizza? Mas esse é um prato rápido, Gilmar. E não tem nada a ver com a alta gastronomia.

- Só que a Vieira demora dois meses pra cozinhar. Fica pronta apenas em maio e dá um requinte especial à pizza.

- Mas será que podemos esperar tanto?

- Claro que podemos. Como disse, estamos apenas pedindo vistas, Michel.

- Muito bem. Então, deixa que eu pago a conta. Garçooom...!!!!

- Já está paga, Michel.

- Já está? Por quem?

- Olhe em volta, presidente. São eles que vão pagar.

E soltaram gargalhadas que ecoariam por todo o restaurante até o final de 2018.

****

Publiquei a crônica acima em abril, quando Michel Temer escolheu os ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira para substituir os pares que estavam prestes a deixar o TSE. Era uma previsão do que está acontecendo agora.

Nos últimos dias, liguei ou mandei mensagem para os assessores de sete parlamentares de oposição com o objetivo de perguntar sobre a atuação parcial de Gilmar Mendes no julgamento do TSE. Quase todos se recusaram a responder. Do que têm medo, afinal?

A exceção ficou por conta do senador Roberto Requião, que conversou comigo ontem. Para Requião, muito pior do que Gilmar são os ministros Gonzaga e Vieira, recém-indicados para o cargo com o único objetivo de absolver quem os nomeou, o réu Michel Temer. Este é um absurdo cuja explicação é impossível: como pode um réu indicar os juízes que vão julgá-lo?

O senador Requião também comentou a possibilidade de o presidente barrar na Câmara a denúncia que deve ser aberta por Janot na semana que vem. Temer precisa de 172 votos e, segundo Requião, só a movimentação das ruas é capaz de evitar essa tragédia política, já que os deputados vivem em um mundo paralelo. "O congresso come pizza na Camelo" – disse o senador, em alusão à pizzaria onde Rodrigo Rocha Loures foi flagrado recebendo uma mala de dinheiro da JBS.

Pelo jeito, continuaremos a viver numa pizzocracia.

E, nesse sistema, seremos governados pelo trio de pizzaiolos formado por Gilmar Mendes, Henrique Meirelles e o capital financeiro.

A Temer restará apenas a cadeira. Sem poder, sem voz e com um pato amarelo na mesa da escrivaninha.


Felipe Pena é jornalista, escritor, psicanalista e professor da UFF. Doutor em literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No jornalismo não há fibrose", finalista do prêmio Jabuti.

Do GGN/Extra

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O inimigo do Supremo, por Conrado Hübner Mendes

Marcelo Camargo/Agência Brasil

“É urgente desarmar Gilmar Mendes”, escreve constitucionalista

 O Supremo converteu-se em gabinete regulatório da crise política brasileira. Não há impasse político no país que lá não chegue, quer na esfera criminal, quer na eleitoral, parlamentar ou constitucional. Com maior ou menor competência, clareza e inventividade, o tribunal, quando não se omite, tem definido as regras do jogo. Aos atores políticos implicados cabe obedecê-las.

A obediência, contudo, não é um dado que se possa presumir, mas uma meta a se conquistar. Essa conquista é rodeada de incerteza. Em casos com tamanha voltagem política, nos quais o tribunal busca disciplinar conflitos e sancionar atores com vultosos estoques de poder, o espectro da desobediência, explícita ou velada, torna-se palpável. Há incentivos para resistir ao STF. Cabe ao tribunal antecipá-los, neutralizá-los, minimizá-los.

Como pode um tribunal minimizar esses incentivos e conquistar autoridade? Nem o Direito Constitucional comparado nem a história judicial brasileira oferecem uma receita para essa pergunta. Sabe-se que a fórmula, seja qual for, não pode prescindir, por um lado, de argumentação transparente que costure uma jurisprudência constitucional digna desse nome; por outro, de uma sensibilidade de conjuntura, uma gestão aguçada de seu capital político. São duas tarefas que o STF não desempenha com destreza: a ingovernabilidade de suas práticas solistas, já diagnosticada por tantas pesquisas empíricas na última década, é a síntese de um tribunal ancorado na individualidade de seus ministros. Comportamentos propriamente institucionais e decisões que conjuguem a primeira pessoa do plural não são visíveis ali.

Uma corte poderosa não é aquela que recebeu amplos poderes da Constituição, mas aquela que se faz obedecer. Sua imagem precisa estar acima de qualquer suspeita. A ciência política que estuda cortes constitucionais pelo mundo sabe que os atributos da legitimidade e da independência não são gratuitos nem estáveis. Flutuam conforme as circunstâncias, o comportamento judicial e as reações às decisões tomadas. Por isso mesmo, a legitimidade depende de contínua administração e do bom desempenho do tribunal. Entre os adversários da credibilidade institucional do STF está, curiosamente, um dos seus próprios ministros: sobreviver a Gilmar Mendes é um desafio do cotidiano do STF. Requer do tribunal uma estratégia de redução de danos. Mas o STF permanece rendido e incapaz de controlar as contínuas quebras do decoro judicial.

A política de Gilmar Mendes

As relações de Gilmar Mendes com a política não são novas, nem causam mais espanto. O ministro transita com desenvoltura, em ambientes públicos e privados, com correligionários partidários. Gilmar Mendes, juiz, tem correligionários. Políticos que orbitam no seu círculo lhe pedem favores no tribunal, lhe consultam sobre problemas jurídicos pessoais ou sobre os rumos constitucionais do país, em encontros privados fora do tribunal ou telefonemas. Negociar, prometer apoio, organizar jantares em casa, frequentar jantares dos outros. O ministro é presença constante nos “círculos de comensais de banquetes palacianos”, nas palavras de Rodrigo Janot. Corteja o poder político, e o poder político o corteja. Há reciprocidade.

A história é extensa, mas não custa recapitular alguns exemplos de promiscuidade. Michel Temer, Aécio Neves, José Serra, Blairo Maggi, Eduardo Cunha são algumas das autoridades públicas que lhe frequentam, antes e depois que tiveram suas reputações gravemente atingidas por denúncias de corrupção.

O episódio mais recente relaciona-se a Aécio Neves, até então presidente do PSDB e segundo colocado nas eleições presidenciais de 2014. Aécio telefonou para Gilmar Mendes, um dia depois de este ter suspendido o depoimento do senador à Polícia Federal. Pediu que o ministro telefonasse para o senador Flexa Ribeiro e que este votasse o projeto de lei contra o abuso de autoridade. Sem maiores solenidades ou esforço argumentativo, a assessoria do ministro publicou nota: “O ministro Gilmar Mendes sempre defendeu publicamente o projeto de lei de abuso de autoridade (…), não havendo, no áudio revelado, nada de diferente de sua atuação pública. Os encontros e conversas mantidas pelo ministro Gilmar Mendes são públicos e institucionais”.

Há um mês Gilmar Mendes também conversou com Joesley Batista, da JBS. A conversa ocorreu no Instituto de Direito Público, escola de direito fundada pelo ministro. Como sua família vende gado para a JBS no Mato Grosso, foi alegada a suspeição num caso em que o Supremo julgava a cobrança do Funrural, fundo composto por contribuições de produtores rurais à previdência. O ministro defendeu-se: “Votei contra os meus próprios interesses econômicos, pois minha família terá de pagar a contribuição atrasada”. Admite, portanto, que teria interesses na causa, mas não se enxerga como suspeito.

A antiga relação de amizade que Gilmar Mendes tem com Sérgio Bermudes, já descrita, em 2010, por longa reportagem da revista Piauí [1], também rendeu notícias nas últimas semanas. A concessão de habeas corpus para Eike Batista, cliente de Sérgio Bermudes, sócio de sua esposa, rendeu pedido de impedimento apresentado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com base em artigo do Código de Processo Civil e do Código Penal. Em outra nota pública de sua assessoria, o ministro defende-se na mesma lógica: “Cabe lembrar que no início de abril o ministro Gilmar negou pedido de soltura do empresário Eike Batista (HC 141.478) e na oportunidade não houve questionamento sobre sua atuação no caso” [2].

A normalização de Gilmar Mendes

Não nos escandalizamos mais com os escândalos de Gilmar Mendes. O juiz integra a cozinha partidária como um par. A sociedade brasileira se deixou anestesiar e passou a vê-lo como patologia menor de um sistema político que não consegue separar o público do privado. Os fatos abaixo não geraram mais do que algumas notas na imprensa. São uma pequena amostra dessa anestesia:

(i) Em fevereiro de 2015, Gilmar Mendes telefona ao governador do Mato Grosso, Silval Barbosa, depois de a polícia ter executado mandado de busca e apreensão na casa do governador. Manda um “abraço de solidariedade” e promete conversar com Toffoli;

(ii) Fora de agenda pública, em março de 2015, encontra-se com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, quando este já era investigado pela Operação Lava Jato;

(iii) Encontra-se novamente, em julho de 2015, com Eduardo Cunha para discutir o impeachment de Dilma Rousseff;

(iv) É organizador de Seminário Luso-Brasileiro de Direito Constitucional, em março de 2016, realizado em Portugal pelo Instituto de Direito Público, que contou com a presença de Aécio Neves e outros políticos (no calor da crise política, Michel Temer, confirmado, cancelou sua participação em cima da hora). O evento ocorreu numa hora de alta tensão da Lava Jato e seus reflexos no processo de impeachment, logo depois que Gilmar Mendes, em liminar monocrática, invalidou nomeação de Lula para o ministério de Dilma. O mesmo IDP, meses antes (12/2015), inaugurava escola de direito em São Paulo com presença de muitos políticos, como Michel Temer, recebidos no palco por Gilmar Mendes. Michel Temer, mais uma vez, estará presente num seminário do IDP nos dias 20 e 21 de junho, evento patrocinado pela Caixa. Poucos dias antes, o TSE, sob a presidência de Gilmar Mendes, reinicia o julgamento que põe em risco o mandato do presidente.

(v) Almoça, em março de 2016, com José Serra e Armínio Fraga. Horas mais tarde, julga no STF o rito do impeachment, com declarações inflamadas contra a corrupção de um partido político que não lhe agrada, que pouco tinham a ver com o mérito daquele processo. Questionado sobre o episódio, respondeu: ‘Não estou proibido de conversar com Serra, nem com Aécio”.
(vi) Alguns jantares: a) em sua própria casa, com pecuaristas, o Ministro da Agricultura Blairo Maggi, e o vice-presidente Michel Temer, que manifestava ali a vontade de que o impeachment de Dilma fosse antecipado (2/8/2016); b) com o presidente Michel Temer, no Palácio do Jaburu, para uma “conversa da rotina” (22/1/2017); c) em sua própria casa, numa homenagem a José Serra, investigado na Lava Jato, com presença de Michel Temer (16/3/2017);

(vi) Michel Temer, alvo de processo que pode levar à sua cassação no TSE, presidido por Gilmar Mendes, indica primo deste para diretoria de agência reguladora (14/3/2017).

Sempre que questionado, Gilmar Mendes afirma que sua isenção é inabalável, como se fosse esse o problema. Despista. Pinça alguns exemplos de decisões que tomou, supostamente, contra os próprios interesses ou contra os próprios amigos. Esses exemplos seriam as provas incontestáveis de sua integridade. Tergiversa. E se, num determinado caso, a solução juridicamente correta fosse aquela que favorecesse o interesse de seu aliado? Da mesma maneira que uma decisão que contrarie interesses de seu amigo advogado (e de sua própria esposa, sócia do advogado) não prova sua honestidade, uma decisão favorável aos mesmos interesses tampouco provaria sua desonestidade.

A mira da resposta está errada. Seu equívoco é intencional e confunde imparcialidade objetiva e subjetiva: sabe que os mecanismos legais de suspeição e impedimento não servem para garantir o juiz honesto, mas para assegurar a imagem de imparcialidade da justiça e afastar qualquer desconfiança quanto à legitimidade da decisão. É preciso parecer honesto e imparcial, como a mulher de César. Trata-se de regulação elementar de conflitos de interesse a partir de parâmetros republicanos. Gilmar Mendes não respeita parâmetros republicanos.

Suas respostas insistem nessa falácia. No último não-escândalo, Aécio Neves lhe telefona para pedir um favor político. Há detalhes que não são meros detalhes. Um ministro de corte suprema trava conversa privada com senador da república para tratar de um projeto de lei em tramitação. Um senador investigado por corrupção solicita ao ministro que, na sua condição de ministro, ligue para outro senador para pedir apoio. Que o ministro faça, em outras palavras, articulação parlamentar. O pedido é bem recebido. Quando, em sua defesa, diz que seus posicionamentos sobre a respectiva lei já eram públicos e conhecidos, quer obscurecer a distinção primária entre o público e o privado, entre a pessoa privada e a pública, entre o juiz e o parlamentar.

A normalização de Gilmar Mendes não é só de Gilmar Mendes. Já não conseguimos ver diferença relevante entre os parâmetros de conduta de um juiz, de um político e de um cidadão comum. E paga-se caro por isso. O ministro fez de si um expoente daquilo que, retoricamente, mais abomina: uma corte bolivariana. Ele mesmo, por um irônico lapso, pinta o seu auto-retrato: “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia”.

A pedagogia de Gilmar Mendes

Há quem eduque pelo exemplo. Gilmar Mendes educa pelo contraexemplo. Oferece uma ética negativa: uma longa lista sobre o que não fazer. Filósofos que navegam pela ética aplicada e formulam parâmetros para lidar com dilemas morais de nossa vida cotidiana são muitas vezes agnósticos e minimalistas sobre a decisão correta a tomar. Diante da complexidade do contexto e das nuances de cada caso, sentem-se mais seguros em apontar o que não fazer. Essa é a contribuição pedagógica de Gilmar Mendes: sua conduta é uma cartilha da anti-ética.

Nem sempre é fácil saber qual a conduta judicial correta em situações dilemáticas dentro e fora da corte, dentro e fora dos autos, dentro e fora da interpretação constitucional. Há imensa riqueza no comportamento de Gilmar Mendes. Seus contra-ensinamentos são valiosos.

Os atos listados acima não são deslizes isolados ou eventuais. Trata-se de sistemática e periódica desconsideração de princípios de prudência e respeito à liturgia do cargo, indispensáveis à construção da imparcialidade e respeitabilidade da atividade judicial. Juízes não estão proibidos de ter amigos, de ter vida social intensa, de viverem uma vida normal. No entanto, a ética da atividade judicial pede vigilância a certos comportamentos, um senso de responsabilidade pelo ethos de sua instituição. Nada excessivamente oneroso.

Gilmar Mendes não é “polêmico”, nem “controverso”, nem “corajoso”. Eufemismos jornalísticos apenas obscurecem o problema. O Direito não é indiferente a antiética de Gilmar Mendes: seu comportamento é ilegal.

A responsabilidade por Gilmar Mendes

Apesar de Gilmar Mendes, o Supremo ainda sobrevive. Sua sobrevivência como ator político relevante, contudo, não está garantida. O grau de relevância do tribunal já está sob teste. Ou, num jargão da ciência política, “sob estresse”. O ministro é um dos principais artífices da ingovernabilidade do STF: joga contra a imagem da instituição, contra o plenário e contra seus colegas juízes. Violenta a imparcialidade, moeda volátil da qual uma corte com tamanha missão tanto depende.

O colegiado é corresponsável pelos danos causados por Gilmar Mendes. O ministro não é só um problema “para” o Supremo, mas um problema “do” Supremo, que permanece omisso. Entrega ao ministro um cheque em branco. Não bastasse ter adversários demasiado poderosos para enfrentar, o Supremo ainda faz vista grossa para a conduta destrutiva de um de seus membros. Um inimigo íntimo como esse exige coragem e articulação para enfrentá-lo. O plenário deixa-se apequenar na cumplicidade, e deve prestar contas com a democracia brasileira por isso. O Supremo não pode se submeter a esse pacto suicida. Sabe disso.

O que fazer para se proteger de Gilmar Mendes? Um passo modesto, para quebrar a inércia normalizadora da sua conduta, seria reconhecer a suspeição do ministro em tantos casos em que sua persona política não tem como não se confundir com sua persona judicial. Por mais que o ministro prometa ser isento. Por mais que seja sincero.

Um dos maiores desafios de desenho institucional de uma corte suprema é prover formas de auto-regulação coletiva dos desvios individuais. Num órgão colegiado desse tipo, a colegialidade é indispensável. Não há instância superior que o limite. Talvez por insolúvel do ponto de vista procedimental, o desafio não foi inteiramente equacionado nem pelos Federalistas americanos nem por arquitetos das cortes constitucionais do séc. XX. A leniência institucional diante do desvio individual pode ser uma escolha racional quando a instituição permanece acima de qualquer suspeita. No Supremo, esse não é mais o caso. O espectro da desobediência ronda a corte faz tempo.

Uma corte constitucional precisa, em tempos de normalidade, acumular capital político para proteger a constituição nas situações-limite da política. De sua habilidade para desarmar dinamites depende a qualidade e longevidade da democracia. É urgente desarmar Gilmar Mendes.

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[1] Em carta à revista Piauí, reagindo às denúncias feitas pela reportagem sobre a relação sua e de sua mulher com Sérgio Bermudes, Gilmar Mendes respondeu: “Aliás, ela era tão somente gestora organizacional do escritório do dr. Sergio Bermudes, mais um entre tantos advogados que atuam em processos sob a minha relatoria que examino com a mesma isenção.”

Conrado Hübner Mendes é doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), na qual é professor de Direito Constitucional.  Texto publicado originalmente no Jota.


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