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Prof. Benedito Marques para o Tubinews.com |
A monocultura
extensiva da produção de soja e outros produtos primários vem sendo chamada
“indústria
a céu aberto”. É a nova terminologia adotada pelos operadores do agronegócio, que desenvolvem lavouras em
grande escala, destinada à exportação. Extensos campos, literalmente abertos, em diferentes partes deste Brasil-Agrícola, mudaram a paisagem da
zona rural. Por exemplo, há mais de duas décadas, esses campos se espalham, com
intensidade aguda e impactante, nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. É fácil soletrar a sigla: MA-TO-PI-BA.
Grandes produtores migrados de outros Estados – alguns organizados em
sociedades empresárias -, adquiriram, por diferentes meios e a preços baixos, antigas
propriedades médias e pequenas ou posses consolidadas não tituladas, nas quais
os agricultores familiares desenvolviam suas lavouras nas chamadas “roças de toco”. Para os novos
produtores, esse modelo de produção mal garante a subsistência do agricultor e
de sua família. A ideia que sobressai é a lucratividade,
e não, a produção com excedentes, na
filosofia do Estatuto da Terra. Não aceitam as conclusões científicas de
pesquisadores, segundo as quais as roças
de toco são mais preservacionistas
do que a lavoura mecanizada. Esses
operadores do agronegócio ignoram ou buscam esconder que as roças de toco se transformam em capoeiras, e estas, após algum tempo, voltam
a ser novas matas, aptas para outras roças com a mesma produtividade. A
mecanização, segundo os pesquisadores, destroem as florestas e comprometem a
fertilidade do solo. As pesadas máquinas agrícolas de última geração produzidas
em outros países arrancam, pelas raízes e troncos, idosas árvores nativas sedimentadas
há décadas, que fornecem frutas e madeiras para os agricultores familiares,
constituindo-se sua fonte de renda. Além
da devastação florestal de grande impacto, o modelo da mecanização esgota a
fertilidade do solo até a exaustão, ainda que se repitam em cada safra o uso de
fertilizantes. Segundo os mesmos pesquisadores em artigos publicados, é
desertificação não pode ser descartada nesse processo, se não houver ações
regenerativas das florestas dizimadas. Não parece que isso esteja ocorrendo, o
que constitui motivo de preocupações para as gerações futuras.
Essas
conclusões de especialistas em pesquisas de campo instigam reflexões de
pesquisadores de outras áreas de conhecimento, inclusive a jurídica, na medida
em que as discussões em torno dessa temática perpassam o arcabouço legal
relacionado com as atividades agrárias
e com o meio ambiente. Não escapa ao
olhar jurídico a exploração da terra sem o cumprimento da função social, a que se condiciona o direito de propriedade. A função social da propriedade da terra não
se limita somente ao sentido econômico
da exploração do imóvel; a preservação e conservação do meio ambiente também são
condições inarredáveis para a configuração da função social da propriedade, por
força da maior lei do País: a Constituição
Federal. Mais que esses requisitos, coloca-se
no centro das exigências o ser humano, que tem direito ao bem-estar e correta aplicação das regras
que disciplinam as relações de trabalho.
Pode-se dizer que a função social da propriedade da terra
tem três dimensões indissociáveis: social,
ambiental e econômica. São dimensões que se entrelaçam de tal maneira, que uma
não pode existir sem as outras. Não se explica nem se justifica a exploração da
que não observe a relação homem-terra-produção.
Nesse contexto, coloca-se a sojicultura, que pode ser considerada limpa
ou suja, a depender do cumprimento integral dos requisitos da função social em
suas três dimensões. Bafejada pelo discurso da produtividade e da lucratividade,
a qualquer custo - ainda que se façam desmatamentos
desordenados, destruindo densas florestas nativas, nem sempre autorizadas pelos
órgãos competentes e, não raro, sem a constituição da reserva legalmente estabelecida -, a agricultura de grande porte
vem ocupando milhares de hectares de terras e abertura de extensos campos a
perder de vista. Com a destruição das florestas, animais silvestres em suas
variadas espécies perdem a sua morada e alimentos, o que explica o esvaziamento
da fauna.
Essa paisagem transformada pode ser
vista na fronteira agrícola, chamada MATOPIBA.
Há municípios maranhenses em que dezenas de milhares de hectares de terras vêm
sendo explorados com visíveis impactos ambientais. Implantou-se, de forma
acintosa, a poluição das nascentes,
várzeas, riachos e córregos, com matança ostensiva de peixes, com a
disseminação de agrotóxicos em sobrevoos de aeronaves, que ultrapassam os
limites dos campos e alcançam casas e seus moradores em comunidades constituídas há décadas. Se
tanto já não bastasse, há suspeita de abates cruéis de animais de serviço (cavalos,
burros e jegues) que fazem parte desse processo. Comenta-se, à boca pequena,
que hábeis atiradores com armas de grosso calibre são contratados para
alvejarem esses animais, às escondidas e nas caladas da noite. Dizem que, ao se
ouvirem os estampidos dos tiros mortais, também se ouvem risos debochados e
orgásticos, como se fosse caça esportiva! Na verdade, os quadrúpedes cansados e
famintos passaram a ser sacrificados em nome e por conta da “indústria a céu
aberto”, a despeito das leis ambientais que tipificam essa prática como crime
punível, se comprovada a autoria. Sem dúvida, essa repugnável prática criminosa
também significa o descumprimento do requisitos ambiental e social da
função social. Isso é o quanto basta para retirar a garantia constitucional do
direito de propriedade, porque se caracteriza uma autêntica disfunção.
Desse modo, a chamada “indústria a céu aberto” pode estar gerando riqueza aos grandes produtores, que se utilizam de possantes maquinários de última geração e de equipamentos de alta tecnologia, mas não passa despercebido que a política de emprego não corresponde aos fantásticos resultados da produção. Se assim não fosse, centenas de trabalhadores rurais não seriam empurrados para a ociosidade forçada, à míngua de capacitação profissional. Não sem conta, grande parte desses trabalhadores deslocam-se para as periferias urbanas, com inevitável impacto social, a desafiar políticas públicas de habitação, emprego, saúde, educação e segurança, numa cadeia infindável.
A conclusão que se retira desta abordagem não pode ser outra, senão a de que afrontar as leis ambientais - inclusive com supostas matanças de animais de serviços -, e descumprir os requisitos do bem-estar dos que trabalham a terra, é comprometer a garantia constitucional do direito de propriedade, por força da disfunção social da terra.
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