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quarta-feira, 12 de julho de 2017

Xadrez das caçadas do rinoceronte por Sérgio Moro, Nassif

Cena 1 – as caçadas de Pedrinho e de Sérgio Moro
A história é de Monteiro Lobato no seu clássico “As Caçadas de Pedrinho”.

O rinoceronte foge do circo e se embrenha no mato. Cria-se um pânico geral e é montada uma força tarefa para caçar o rinoceronte. Em pouco tempo, a força tem centenas de homens nas mais variadas funções. Instala centrais telefônicas, de telégrafo para seus membros de comunicarem.

Por fim, descobrem o rinoceronte vivendo placidamente no sítio do Pica Pau Amarelo. Toca então negociar com a dona do sítio, dona Benta, com a intermediação da boneca Emília.

Decidem deixar o bicho por lá, mas com a condição de se manter o caso sob sigilo. Se soubessem que o rinoceronte estava em paz, o governo teria que desmontar toda a força tarefa criada.

De certo modo, a história reflete a saga de Sérgio Moro e seus companheiros da Lava Jato. Por lei, nem deveriam ser companheiros, mas cada qual na sua, a Polícia federal investigando, o Ministério Público denunciando ou não, e o juiz julgando. Todos se uniram irmãmente na mesma empreitada de caçar o rinoceronte, as provas definitivas contra Lula.

Gastaram energia, manchetes, recursos. Pressionaram testemunhas para delatar, transformaram as delações em manchetes definitivas e, agora, descobrem que o rinoceronte não existe. Não existe a bala de prata, a delação definitiva, a prova irrefutável. O rinoceronte é uma miragem.

E agora? Como fazer com as dezenas de anúncios dizendo que a caça ao rinoceronte estava prestes a se completar, que ele seria encontrado, preso e enjaulado? Foram três anos de caçadas de Moro, de celebrações antecipadas de vitória, de retratos tirados ao lado do rinoceronte morto, na forma de Power Point. E chega-se à conclusão de que o rinoceronte não existe.

Depois de tanto carnaval, não dá simplesmente para chegar ao distinto público e admitir que “foi engano”. Em vez de filé de rinoceronte, iriam exigir ensopado de Moro com molho de fígado de Dallagnol.

Esse é o dilema da Lava Jato, agora que sua hora começa a passar, sem que haja o mínimo sinal de rinoceronte à vista.

Cena 2 – o procurador que viu o rei nu
Ontem, viu-se o primeiro efeito regenerador do Ministério Público Federal (MPF), já sob os eflúvios da nova direção.

Lá atrás, o procurador Ivan Cláudio Marx desmascarou as denúncias de pedaladas contra Dilma Rousseff. Foi massacrado. Na oportunidade seguinte, analisando procedeimentos abertos por conta da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, taxou Lula de “chefe de quadrilha”, denotando os efeitos da enorme pressão sofrida com a decisão anterior.

Agora,  solicitou o arquivamento de procedimento investigatório contra Lula, aberto em cima da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, Para Ivan Marx, "não se pode olvidar o interesse do delator em encontrar fatos que o permitissem delatar terceiros, e dentre esses especialmente o ex-presidente Lula, como forma de aumentar seu poder de   barganha ante a Procuradoria-Geral da República no seu acordo de delação."

Ivan Marx disse o óbvio. Seguiu estritamente o que manda a lei. Como o menino da fábula, enxergou o rei nu e teve coragem de externar sua opinião. Por que agora, e não lá atrás? Porque o clima mudou. A fada do bom senso começa a baixar sobre o MPF e a corporação se dá conta de que o novo normal instituído pela Lava Jato, era insubsistente, ilegal, atentatórios aos princípios basilares de direito.

Enquanto isto, no Paraná, os procuradores questionam os benefícios concedidos por Sérgio Moro a Renato Duque. Segundo os próprios procuradores, a unica contribuição de Duque foi afirmar que "Lula sabia de tudo", comprovando, agora em casa, a ideia fixa e falta de discernimento jurídico da operação (https://goo.gl/NGuQwQ).

Enfim,  há um vento forte varrendo os dejetos que se acumularam no MPF, no período em que foi presidido por um Procurador Geral pusilânime.

Cena 3 – a lógica dos acordos de leniência
À medida em que vai se retirando as coberturas de vento colocadas pelos jovens deslumbrados da Lava Jato, é possível entender melhor a consistência, os conceitos centrais que fundamentam os institutos dos acordos de leniência e da delação premiada.

Não se pense que Deltan Dallagnol e seus companheiros sejam capazes de alguma sofisticação analítica. O máximo que conseguem extrair das novas doutrinas são gambiarras capazes de se encaixar nas suas narrativas e o uso despudorado do tribunal da mídia para suprir a falta de investigações.

A melhor explicação veio de um advogado, Caio Farah Rodriguez, em artigo para o caderno Ilustríssima, da Folha.

A lógica dos acordos de leniência – firmado com as empresas – é torna-las “cães de guarda” da ética empresarial. A punição pela reincidência é tão grave que, a partir do acordo, a empresa terá que zelar pelo estrito cumprimento da lei internamente, estendendo à toda a rede de fornecedores e clientes. Ela se torna um cão de guarda da legalidade.

Diz Rodriguez:
“Sob esse ângulo, o exemplo mais fecundo para reflexão sobre a Lava Jato não seria tanto a operação Mãos Limpas, na Itália, mas o processo Brown versus Board of Education (Brown contra Junta de Educação), decidido em 1954 pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Trata-se do caso mais importante da jurisprudência constitucional americana no século 20”.

Era um caso de segregação e exclusão social. Havia hábitos arraigados de segregação – assim como há hábitos arraigados de corrupção nas relações empreiteiras-poder público.

“Ao reconhecer a uma menina negra o direito de se matricular em um colégio localizado em distrito escolar no qual habitavam apenas brancos, a Suprema Corte considerou não ser suficiente declarar o direito. Orientou cortes inferiores a tomar medidas necessárias para efetivar a promessa constitucional de igualdade na educação, o que incluiu —por intermédio das chamadas ordens judiciais de dessegregação— realocar linhas de ônibus entre distritos escolares, capacitar professores para ensinar em ambiente de maior diversidade, rever bibliotecas etc.

Ou seja, tratou de criar as condições para mudar radicalmente o ambiente que permitia a permanência da segregação.

(...) A partir dessa situação, criou-se uma prática judicial nos EUA (chamada de execução complexa), para além da aplicação típica da lei  a controvérsias específicas. Seu emprego, que contou muitas vezes com o apoio do Poder Executivo, estendeu-se de escolas a hospitais públicos e prisões.

O Direito serviu mais para desestabilizar costumes arraigados do que para refleti-los”.

Por aqui, transformou-se esses instrumentos em um parangolé jurídico, com procuradores unicamente empenhados em instrumentalizar as ferramentas para propósitos político-partidários e de autopromoção.

Cena 4 – o fim do golpe
O golpe do impeachment acabou. Não significa que não haverá ainda consequências. A própria aprovação da nova lei trabalhista é prova disso.

O método e o conteúdo foram tão primários quanto o discurso de ódio que levou multidões às ruas, colocando de joelhos Ministros do Supremo.

Nenhuma multinacional vai investir no país com base nessas reformas.

É evidente que havia necessidade de reformas na legislação trabalhista. Há mudanças enormes no universo do trabalho, novas formas de trabalho, novas organizações.

Mas o caminho seria uma discussão ampla que permitisse um entendimento sobre o trabalho nesses novos tempos, a identificação clara dos pontos vulneráveis nas relações de trabalho e, a partir daí, uma nova legislação erigida em torno de conceitos bem definidos.

Por exemplo, hoje em dia há duas partes fracas na Justiça trabalhista: os empregados de alguns grandes setores e as pequenas e microempresas.

Há um universo regulado nas grandes metrópoles, entre empresas modernas e respectivos sindicatos. Fora dos grandes centros, abusos intermináveis, como é o caso das centenas de denúncias contra a JBS no campo. Nos grandes centros, uma indústria de ações trabalhistas vitimando especialmente pequenos empresários. E, por cima de tudo, novas formas de relações de trabalho, como é o próprio caso da Uber e seus motoristas.

Segundo especialistas, a nova legislação foi montada a golpes de machado.

 Juntou-se um grupo de empresários em uma sala e se perguntava o que incomodava na legislação trabalhista. Alguém apontava um item qualquer que imediatamente era decepado.

O caminho correto seria chamar especialistas para destrinchar as novas formas de trabalho e definir um aparato conceitual que permitisse identificar os pontos de precarização tanto do trabalho como da segurança dos pequenos empresários.

Uma reforma séria deveria obrigar que parte do dinheiro do Sistema S (que é dinheiro de impostos) fosse alocado em programas de defesa e de aprimoramento do trabalho nas pequenas empresas. Grandes empresas nas grandes cidades dificilmente são alvos de ações trabalhistas, porque sabem se locomover no cipoal regulatório. Nada mais justo que as federações empresariais usassem o dinheiro dos impostos que recebem para defender e modernizar as pequenas e micro empresas.

Em vez disso, o que se viu foi a manipulação escandalosa de estatísticas até por Ministros do Supremo, e a transformação do que deveria ser fruto de um novo pacto social, em uma vitória absoluta sobre a outra parte.

Nenhuma multinacional racional irá aportar por aqui por conta das mudanças na legislação trabalhista. Ainda há uma Justiça do Trabalho a zelar por pontos centrais. Qualquer forma de precarização do trabalho, por si, abre espaço para novas demandas trabalhistas, independentemente do que reza a lei.

Em vez de um pacto social, o que a nova legislação promoverá será um boom nas ações trabalhistas por todo o país. A reconquista dos direitos perdidos trará de volta as grandes batalhas campais dos primórdios do capitalismo.

GGN

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Não tenho pena das náuseas de Sua Excelência; ao governo legítimo, nem sonrisal o PGR ofereceu, diz Aragão a Janot

Sobre náuseas e ânsia de vômito

Em entrevista ao jornalista Roberto D’Avila, da Globonews (quem mais poderia ser?), o PGR contou que sentiu náuseas e ânsia de vômito ao ouvir a agora célebre gravação da conversa noturna entre Joesley e Temer.

Não consegui ter pena da indisposição digestiva de Sua Excelência.

Gostaria que fosse capaz de um mínimo de empatia e talvez imaginasse o tamanho das náuseas e das ânsias de vômito de muitas brasileiras e brasileiros que, desde 2014, assistem à crise política causada por aqueles que só agora despertaram sua curiosidade.

A ânsia, quando às escâncaras, Temer trabalhou para fazer de Eduardo Cunha o presidente da Câmara, conhecedor de seus métodos suínos de lidar com o interesse público; quando Eduardo Cunha inviabilizava o governo da Presidenta eleita porque não o deixava roubar; quando apanhado com a mão na cumbuca, Eduardo Cunha chantageava o PT para inviabilizar sua cassação na comissão de ética; quando, por não aceitar a chantagem, o PT e a Presidenta foram alvos de covarde ataque de um centrão de deputadinhos de baixo clero e, com reforço dos perdedores das eleições de 2014 e assessoramento de ministro do STF, abriram fogo contra o mandato da candidata eleita, para impedi-la; quando, em 17 de abril de 2016, uma cambada de interesseiros acolheu na Câmara dos Deputados o impedimento por trinta moedas de prata; quando, a despeito da completa ausência de prova do cometimento de crime de responsabilidade, destituíram Dilma Rousseff e colocaram no poder uma turba de rapina; e, quando no poder, essa malta se apressou em destruir as conquistas da grande maioria das brasileiras e dos brasileiros vulneráveis.

Nenhum Sonrisal, nem Graviscom, o Senhor PGR nos ofereceu.

Pelo contrário, foi nos socando goela abaixo acusações torpes e inconsistentes contra Dilma Rousseff, dando uma forcinha àqueles que lhe causam náuseas hoje.

Agora, Senhor PGR? Só agora sua ficha caiu?

Muito tarde, pois as flechas que lhe sobraram são de bambu verde e maleável. As mais duras e pontudas foram gastas com o PT e a Presidenta Dilma Rousseff.

Oxalá consiga consertar um pouquinho do enorme estrago que o senhor e sua turma causaram ao País.

Só um pouquinho, pois a reconstrução da economia, da institucionalidade e das políticas sociais são muita areia para sua caçamba de fim de mandato.

Vamos precisar de brasileiras e brasileiros que merecem essa qualificação pelo amor ao país vilipendiado pela irresponsabilidade de tantos que foram atirando bambu a esmo sem se importar de atingir inocentes.

Só posso lhe recomendar que use umas boas doses de Plasil e, para dormir com o barulho que causou, uns comprimidos de Frontal funcionam bem.

Procure um médico! Para mim, tem funcionado a ponto de não perder o sentido do que é ético é antiético na política.

Eugênio Aragão aposentou-se do Ministério Público Federal (MPF), onde era sub-procurador-geral da República e foi ministro no governo de Dilma antes do golpe.

Viomundo

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Por Lenio Streck: O protagonismo judicial e a máxima “enquanto houver bambu, vai flecha”

Sabemos que uma lei (um texto legal-constitucional) não é uma coisa em si. Não se pode dizer que o sentido da lei se esgota em si mesmo. Isso é tão velho que Jonathan Swift já fez blague com isso em 1726, nas Viagens de Gulliver, quando conta que o “gigante” foi condenado à morte por ter salvado a rainha do incêndio. Como assim? Simples: para salvar sua majestade, ele urinou sobre o castelo. Havia uma lei, cuja pena era a morte, para quem urinasse em público. Bingo.

Mas, se não se pode interpretar assim, de forma burra e tola, também não se pode ignorar totalmente um texto legal ou interpretá-lo ao seu contrário. Se uma lei diz que é proibido carregar cães na plataforma do trem, isso não quer dizer que, no fiel cumprimento, seja possível levar um urso. E assim por diante.

Portanto, em termos de paradigmas filosóficos, nem a lei tem um sentido objetivado-emsimesmado (uma verdade de cunho adequacionista), nem a lei tem o sentido que possa ser produto de livre atribuição de sentido, tipo “livre convencimento” ou “dou às palavras o sentido que quero”, como é o caso do personagem niilista Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho.

Preocupado com isso, meu Grupo de Pesquisa Dasein, da Unisinos (em comandita com meu grupo de estudos da Estácio de Sá), organizou simpósio para discutir os limites da atribuição de sentido. Título do evento: II Colóquio de Critica Hermenêutica do Direito — Às voltas com o positivismo jurídico contemporâneo (todas as conferências estão neste link, inclusive as discussões que se seguiram; congresso diferente e diferenciado: depois de cada dupla de palestrantes, uma hora inteirinha para debate; diferente dos congressos em que o sujeito fala e sai correndo para o aeroporto, sem que os participantes possam fazer perguntas ou contestar o que foi dito — bingo para a organização, modéstia às favas).

Hermeneutas, dworquinianos, positivistas exclusivos, inclusivos e normativos, sistêmicos, jusnaturalistas: uma coisa em comum — oferecer soluções para limitar o protagonismo na interpretação-aplicação do Direito. Enfim, como evitar decisionismos, ativismos e realismos retrôs que dominam as práticas jurídicas no país, pelas quais não temos qualquer grau de previsibilidade (o mais engraçado — e essa crítica foi lugar comum no simpósio — é que o Brasil é o único lugar do mundo em que os realistas se pretendem normativos, transformando a teoria jurídica em uma jabuticaba retrô).

Todos acordamos em um ponto: na democracia, o cumprimento das leis e da Constituição é, além de uma obviedade, uma obrigação, mormente quando se tem uma Constituição normativa. Não é possível que uma pessoa ou um grupo de pessoas possa, para além dos limites impostos pela Constituição, legislar por intermédio de decisões judiciais e/ou construção prévia de “precedentes de Cortes de Vértice” (deve ser algo como “diverte-se e os demais sofrem”).

“Enquanto houver bambu, vai flecha” (?): o papel do MP é esse?

A propósito de protagonismos, ativismos e realismos tratados no simpósio, a Folha de S.Paulo do dia 1.7.2017 produziu um “bom” exemplo de como não deve ser a discussão sobre o direito no Brasil. Trata-se do “debate” produzido pelo advogado de Temer e um Promotor de Justiça de São Paulo. A pergunta era: Denúncia contra o presidente Temer é sólida?. O advogado do presidente está absolutamente no seu papel. Advogado faz discurso estratégico. É sua obrigação.

Já o promotor respondeu à pergunta como parte, sim, como se fora a parte ex-adversa e não como um agente do Estado que deve ter imparcialidade e atuar no plano da impessoalidade. Aliás, o membro do MP nem poderia opinar sobre a matéria. Não conhece os autos. E não é o promotor da causa. Como ser tão peremptório? E que história é essa de que um conjunto de indícios apontando para a mesma direção correspondem a prova de um fato? O promotor, juntamente com os que defendem o baiesianismo e explanacionismo (sic) estariam reescrevendo a teoria da prova? Como assim? Ah, mas o promotor deu opinião como professor e mestre em Direito. Ah, bom. Só que isso torna a questão mais complexa ainda, na medida em que, no caso, os dois corpos do membro do MP ali estão geminados, incindíveis.

Quero dizer com isso é que, na linha da agora já famosa frase de Janot “enquanto houver bambu, vai flecha”, a discussão proposta pela Folha nada acrescentou. Uma coisa é o advogado colocar suas teses; outra é o agente do MP simplesmente, com parcialidade (o que um membro do MP não deve ser: parcial), opinar em um complexo caso em menos de 3 mil caracteres. Para o promotor, a denúncia é perfeita. Claro: examinada sob o ponto de vista estratégico, a denúncia é péssima na opinião do advogado e perfeitíssima na opinião do promotor. Mas, exceção feita ao advogado — o qual, insisto, está no seu papel — é esse tipo de coisa que enfraquece o Ministério Público. Fragiliza. Desgasta. Transformou-se em parte. Em acusador sistemático. Em torcedor.

Sigo. A infeliz frase “enquanto houver bambu, vai flecha” bem denota o ponto em que chegamos. Quando entrei no MP há 31 anos atrás, no meu discurso de posse recitei um mantra que levei comigo durante mais de 28 anos: a de que o MP era uma coisa diferente, que devia atuar como magistrado, que não tinha lado, o seu lado era a lei e a Constituição, doa a quem doer. Pena que isso venha sendo esquecido. Da judicialização da política chegamos a politização da Justiça. Hoje, imitando agir estratégico, até se distorcem teorias para justificar que “prova é igual a fé ou crença” ou “mesmo não tendo prova, a probabilidade estatística é suficiente para obter a condenação” ou “um conjunto de indícios consubstanciam uma prova do fato imputado”. Vem a calhar o editorial do Estadão de 5.7.2017, quando alerta:

“Seria um equívoco não pequeno se o desejo de combater a corrupção e a impunidade levasse a um descarte paulatino da lógica e das garantias do processo. A delação premiada deve ser instrumento de auxílio à Justiça, e não uma obsessão que faz inverter o ônus da prova, excluir a presunção de inocência e transigir com as condições para a prisão”.

No fundo, a coisa se coloca do seguinte modo, já que estamos falando de bambus e flechas: o “fator Target”[1] é sempre perigoso. De novo o editorial do Estadão: “Atirar antes e perguntar depois não é uma boa forma de conduzir processo penal”. Atirar a fecha e depois pintar o alvo, pode até em um primeiro momento significar vitória. Afinal, o atirador nunca erra. O problema é quando o alvo não mais pode ser pintado à vontade. Então a disputa voltará a ser equilibrada.

Paro por aqui. Meu receio, como ex-procurador de Justiça — sei do que estou falando; já estive lá e participei anos e anos dos órgãos colegiados e na linha de frente — é que venhamos a apanhar bambus muito apressadamente. Afinal, do bambu saem as flechas; e do couro saem as correias. A politização da justiça é o primeiro passo para a decadência.

O que quero dizer — e aqui praticamente escrevo uma carta ao MP — é muito simples e é absolutamente a favor da preservação da instituição: há (ou deveria) haver uma diferença entre o agir de um membro do MP e o de um advogado. Se não há diferença — isto é, se, à semelhança do advogado, MP faz agir estratégico (ou seja, simplesmente disputa e quer ganhar) — , qual seria a razão de o MP ter garantias?

Peço que, antes de me apontarem as flechas (enquanto ainda existir bambu), reflitam sobre o que estou dizendo. Despacito.



1 O Target effect é uma criação minha e que consta no livro Hermenêutica e Jurisdição – Diálogos com Lenio Streck (livraria do Advogado, 2017). Quer dizer: pelo “efeito alvo”, o atirador nunca erra. E sabem por que? Porque primeiro atira a flecha e depois pinta o alvo em torno da flecha. 100% de acerto.

DCM

domingo, 2 de julho de 2017

Xadrez dos atos estranhos do Ministro Fachin, por Luis Nassif

Nos últimos dias aconteceram vários episódios que, de certo modo, enfraquecem o Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot e dão algum alento à organização que tomou conta do Executivo. Mas não indicam  mudança radical na correlação de. Mesmo porque ainda há um enorme acervo de malfeitos de Michel Temer e seu bando a serem revelados.

O STF (Supremo Tribunal Federal) continua sendo uma incógnita.  Não  se sabe para que lado vai e o que motivou a mudança surpreendente de posição do Ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato.

Há algo de podre no ar, mas ainda não há clareza sobre tamanho e consistência.
Nos últimos dias houve uma confluência de fatores que permitiu algum contra-ataque da turma de Michel Temer.

Passo 1 – críticas gradativas dos jornais aos métodos da Lava Jato, por aplicar o direito penal do inimigo nos amigos.

Passo 2 – o impacto da nomeação da nova Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, marcando simbolicamente o fim da era Janot.

Passo 3 – Mudanças no comportamento do STF. Aumentou a intenção de enquadrar a Lava Jato nos limites da lei. Mas  não está claro se já começou, em definitivo, a operação pizza.

Passo 4 – movimentos de reação da Lava Jato contra Raquel Dodge, valendo-se de suas parcerias com a mídia. Não duraram meio dia. Foi a verdadeira batalha de Itararé, na qual Dodge venceu sem precisar combater. Dodge se consolida antes de precisar atuar.

Vamos entender em mais detalhes o que se passa.

Peça 1 – a mudança de Luiz Edson Fachin
Fiscaliza-se um juiz pela análise de suas sentenças.

Todo juiz tem direito à liberdade de julgar, de formar suas próprias convicções. Mas não o de usar um critério para cada caso. E quando usa dois critérios distintos para o mesmo caso, tem algo estranho no caminho.

Dr. Fachin era garantista com veleidades sociais. Depois se tornou um vingador impiedoso.

Um pequeno balanço de algumas decisões recentes dele :

No dia 26 de abril de 2017, investiu contra a libertação de presos da Lava Jato.

Mostrou-se indignado com a libertação de João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do PP, e com a pena alternativa de prisão domiciliar para José Carlos Bumlai, ambos condenados por Sérgio Moro. Os jornalistas perguntaram se as decisões facilitariam outras medidas semelhantes. E Fachin respondeu: “Saí daqui ontem com vontade de reler o Ibsen, ‘Um Inimigo do Povo’ e a história do doutor Stockmann".

No dia 2 de maio de 2017 foi derrotado na votação que decidiu pela libertação de José Dirceu. Sua justificativa: “Eventual excesso na duração de prisões cautelares não deve ser analisado diante de prazos estanques, não se trata de uma questão aritmética. É indispensável que tal circunstância seja aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso (...) Estamos aqui nesse caso a tratar em acusação, digo e repito, a tratar da criminalidade do colarinho branco”. Anote suas palavras.

No dia 4 de maio negou habeas corpus para Antônio Pallocci.  Fez mais: para impedir que a 2aturma revogasse sua decisão, decidiu levar a questão para plenário.

No dia 3 de junho de 2017, autorizou a prisão preventiva do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Considerou que Loures, em liberdade, representaria risco às investigações: “o teor dos indícios colhidos demonstra efetivas providências voltadas ao embaraço das investigações, de modo que não é difícil deduzir que a liberdade do representado põe em risco, igualmente, a apuração completa dos fatos”. “Não é difícil deduzir” significa que os fatos não deixam margem a dúvidas.

Ai aparece uma pedra no caminho do nosso templário.

No dia 10 de junho de 2017 a revista Veja informou que a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) teria sido acionada por Michel Temer para investigar a vida de Fachin.

No mesmo dia, Fachin prosseguiu em sua sanha penalista, negando habeas corpus ao procurador da República Ângelo Goulart Vilella, acusado de levar propina da JBS, e preso há 45 dias sem sequer ter sido interrogado. “Tratando-se de decisão de natureza cautelar, eventual modificação do panorama fático-processual que autorize a sua revisão deve ser objeto de deliberação pela autoridade judiciária competente que, no caso em análise, não é mais o Supremo Tribunal Federal, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região”.

Aí se entra o caso Loures.

O que é solicitado pela defesa 
Segundo consta da própria decisão de Fachin, os advogados de Loures solicitaram uma das três alternativas: prisão domiciliar, remoção para o 19o Batalhão Militar ou retorno ao presídio da Papuda.

O tempo de julgamento na Câmara 
Volte ao argumento de Fachin ao negar a libertação de José Dirceu.

Compare com o argumento utilizado para libertar Rocha Loures:

“A necessidade de se aguardar a autorização pela Câmara dos Deputados implica em alongamento da prestação jurisdicional que, neste momento, não merece ser suportada com a privação da liberdade. O tempo para o cumprimento da regra constitucional que impõe exame dessa autorização prévia não pode se converter em redobrado gravame ao ora denunciado”.

O que Fachin oferece a Loures 
Os advogados de Loures tinham requerido transferência para outros presídios ou prisão domiciliar. Fachin oferece mais do que isso, a liberdade:

a) recolhimento domiciliar no período noturno (das 20h às 6h) e nos  dias de sábados, domingos e feriados, a ser fiscalizado por monitoração eletrônica;

b) proibição de manter contato com qualquer investigado, réu ou testemunha relacionadas aos feitos a que responde;

c) proibição de ausentar-se do País, devendo entregar seu passaporte em até 48 (quarenta e oito) horas;

d) comparecimento em juízo para informar e justificar atividades sempre que requisitado, devendo manter atualizado o endereço em que poderá ser encontrado.

O álibi da isonomia 
Vale-se, para tanto, do uso escandaloso do conceito de isonomia.

Andrea Neves não tem cargo parlamentar, não tem proximidade com o grupo de Temer e foi detida por supostamente ter negociado o apartamento da mãe com a JBS. Do primo de Aécio, a única coisa que se sabe é que se ofereceu para servir de mula e transportar o dinheiro.

Loures é operador de Temer, homem da estrita confiança, foi gravado negociando propinas em troca de facilidades com o setor público.

No entanto, ele apela para a libertação de Andrea como álibi para libertar Loures.

Acompanhe a cronologia abaixo:

·       No dia 16 de março de 2017, Loures reuniu-se com Joesley Batista que lhe solicitou resolver negócio no Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico) envolvendo a venda de gás da Petrobras para a Âmbar, empresa do grupo. Na gravação, negocia 5% do lucro da operação para Temer.

·       No dia 13 de abril a Petrobras assinou o contrato com a Âmbar.

·       No dia 8 de junho o contrato é cancelado.

Tem todos os elementos de convencimento de um ato de corrupção:

1.     A indicação, por Temer, do seu homem de confiança para negociar com Joesley.

2.     A negociação entre Loures e Joesley Batista em torno dos interesses da JBS na Âmbar.

3.     Loures sai do encontro com uma mala de R$ 500 mil.

4.     Logo depois, a Petrobrás assina o contrato com a Âmbar.

Havia sinais nítidos de que Loures iria aceitar o acordo de delação.

Mesmo assim, Fachin esqueceu completamente o que escreveu menos de um mês antes.

A governabilidade
Em nenhum momento invocou-se o chamado periculum in mora, o risco da decisão tardia, para segurar o impeachment de Dilma.

O Supremo (ou seria apenas Fachin?) envereda agora, por um garantismo tardio, visando preservar o equilíbrio entre os poderes.

Ora, para se manter a organização criminosa controlando o Executivo, a condição essencial – justamente para evitar o periculum in mora seria manter detido o principal operador de Michel Temer. Enquanto o presidente permanece, pela necessidade de aprovação do julgamento pelo Congresso,  se mantém fora do jogo seu operador.

O fato é que Fachin voltou atrás radicalmente sem uma explicação plausível. Não havendo, há três hipóteses:

1.     Cedeu às ameaças do grupo de Temer.

2.     Foi seduzido por alguma conversa com o velho Rocha Loures, grande ex-presidente da FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), conterrâneo de Fachin.

3.     Produziu um documento fake pelo fato de Loures ter concordado com a delação.

Não há hipótese benigna para o ato de Fachin.

Peça 2 – a retórica afasta-de-mim este cálice
A Suprema Corte brasileira desenvolveu uma metodologia tupiniquim para não correr riscos desnecessários (para seus autores), embora essenciais (para a garantia constitucional).

O princípio do comigo-não-violão 
Um ou outro Ministro assume uma atitude, ainda que pequena, contra a unanimidade. Dada sua contribuição, ele faz mentalmente uma contagem de sacrifícios individuais em defesa da Constituição. E diz para si próprio: comigo não, violão, já cumpri a minha parte.

O álibi da referência jurídica 
Primeiro, desenvolve-se a tese que atenda aos interesses pessoais, políticos ou ideológicos da corte. Depois, busca-se uma referência jurídica para avalizá-la.

No caso do mensalão, o Ministro (e ex-procurador) Joaquim Barbosa adotou a “Teoria do Fato”, do alemão Claus Roxin para condenar acusados, pelo simples fato de estarem no comando de partidos ou do governo, sem a necessidade da busca de provas maiores.

A interpretação foi criticada pelo próprio  Roxin em entrevista á Tribuna do Advogado.

Agora, para bater em retirada, o bravo STF recorreu ao jurista português José Joaquim Gomes Canotilho. Durante duas semanas Canotilho foi servido ao molho pardo nas discussões do Supremo, para fortalecer a tese de que a casa deve exercer poder moderador, para evitar instabilidade política e confronto entre poderes.

E, depois de deglutir Canotilho com quiabo, decidiram – na competente descrição do jornalista José Casado – “reafirmar seu poder até o limite (...) em nome da confiança do Estado e da segurança jurídica”. Alvíssaras!

E chamam a debandada de “reafirmação de poder”.

A tilápia e a piranha 
Para embasar uma decisão esdrúxula, encontre um caso anterior qualquer e o trate como precedente para uma decisão de isonomia, mesmo que não tenha nada a ver com o caso presente. Tipo, posso liberar uma piranha para nadar no rio, porque há um precedente liberando a tilápia e, sendo ambos peixes, há que se garantir a isonomia de tratamento.

As interpretações a posteriori
A Constituição escolheu o modelo presidencialista. Por ele, não há maneira de tirar o presidente por problemas administrativos. Isso só ocorre no parlamentarismo, com o voto de desconfiança.

Depois de consumado o impeachment de Dilma, em entrevista à Globonews o Ministro Luís Roberto Barroso resolve “olhar retrospectivamente” para admitir o ataque à Constituição : “Olhando pelo retrovisor, eu penso que se utilizou um instrumento parlamentarista para a destituição de um chefe de governo no modelo presidencial, e, portanto, houve um abalo institucional”.

Pela manipulação política constante da interpretação jurídica, fica-se sem saber para onde sopra o vento do STF.

Peça 3 – o fim do estrelismo da Lava Jato
São promissores os primeiros sinais da futura gestão da nova PGR Raquel Dodge.

Mal foi indicada, já sofreu o primeiro ataque de procuradores da Lava Jato lotados na força tarefa da PGR.

O recado foi curto e grosso – mais grosso do que curto . Esses procuradores não gostam de Raquel Dodge, acreditam que não terão a mesma liberdade que tiveram com a falta de comando de Rodrigo Janot e, se não receberem atenção especial dela, pedirão demissão.

Valeram-se dos canais habituais que consolidaram na imprensa.

Na parte da tarde, soltaram uma nota oficial de apoio a Raquel.

De Brasília, provavelmente não restará ninguém da Lava Jato. No novo grupo que assumirá a PGR a opinião é que o grupo de Brasília foi montado às pressas, sem colocar especialistas. Os que entraram primeiro convidavam conhecidos.
 Em alguns casos, um procurador entrou porque a cônjuge foi convocada para um trabalho em Brasília.

Em reportagem do Valor Econômico, antes de ser indicada, Raquel Dodge resumiu o estilo que pretende implantar na PGR:

·       Mecanismos que permitam um controle maior sobre os inquéritos e dificultem os vazamentos.

·       Cooperação entre órgãos da administração pública para agilizar os acordos de leniência.

·       Diagnóstico das ações civis públicas, para impedir que a paralisação de uma obra, ainda que seja por questão de corrupção, não acabe sendo mais onerosa para o país do que o próprio custo da corrupção. “A obra foi paralisada, mas resolveu-se o problema do asfalto esburacado?”pergunta.

·       Criação de grupo de trabalho para monitorar o cumprimento, pelos delatores, do que foi acertado no acordo de delação.

·       Manter o sigilo das investigações para garantir a dignidade das pessoas envolvidas, já que vazamentos podem induzir a erros, como o de tratar uma testemunha como suspeito.

Foi um discurso não apenas para o pessoal de dentro, mas uma promessa de trazer o MPF de volta ao leito institucional e aios princípios que devem nortear a ação de um procurador – isenção, discrição, respeito aos direitos individuais, não-exibicionismo.

Não apenas isso.

A indicação de Raquel Dodge renovou as esperanças do Ministério Público suíço, de montar uma colaboração com o Brasil. 15 meses depois de anunciada a criação de uma força-tarefa conjunta, para investigar casos de corrupção, a proposta não andou, bloqueada pelo Ministério da Justiça do Brasil.

Talvez, aí, destrave as investigações sobre as relações de Ricardo Teixeira com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que jamais avançaram no período Rodrigo Janot.

Vamos aguardar mais desdobramentos dos últimos capítulos antes de arriscar os desdobramentos desses dias imprevisíveis.

PS - Como o Ministro Marco Aurélio de Mello não é de panelinhas, preferi ter mais informações antes de analisar sua atitude em relação a Aécio Neves.

GGN

terça-feira, 20 de junho de 2017

Xadrez do golpe que gorou, não vingou, por Luis Nassif

No início parecia simples, muito simples.

1.     Em momentos de mal-estar generalizado, a personificação da crise é sempre o presidente da República. E se tinha uma presidente impopular que cometeu inúmeros erros.

2.     Com a ajuda da Lava Jato, a mídia completa o trabalho de desconstrução do governo e estimula as manifestações de rua, intimidando o STF (Supremo Tribunal Federal).

3.     No Congresso, PMDB e PSDB travam as medidas econômicas de modo a impedir que a presidente acerte o passo.

4.     Derrubada a presidente, implementam-se rapidamente medidas radicais, a tal Ponte Para o Futuro, que não seriam aprovadas em período de normalidade.

 Caso haja movimentos de rua, aciona-se a Polícia Militar e as Forças Armadas.

5.     Com a Lava Jato, mantem-se a pira acesa e impugna-se Lula.

6.     Com as medidas, haverá uma fase inicial dura, que será debitada na conta do interino. Depois, uma economia em recuperação, em voo de cruzeiro, que será cavalgada pelo campeão em 2018.

7.     E corre-se para comemorar o gol.

Foi esse o plano, tão raso e simples quanto uma análise da Globonews, que estava por trás do golpe. O primarismo desse pessoal foi esquecer que o Brasil se tornou um país complexo, no qual não cabem mais os modelos simplórios de golpismo parlamentar.

Me lembrou a primeira vez que fui cobrir um congresso de economia em Olinda, em 1982.

O candidato apresentava sua tese à banca. Montava seu modelito de país apenas com os atores diretamente ligados ao tema e que não atrapalhassem a tese defendida.

Aí vinham os examinadores, especialmente Maria da Conceição Tavares e indagava: cadê a agricultura? Cadê os consumidores? Cadê o constrangimento externo?

O candidato, então, era obrigado a colocar de volta no modelo os atores extirpados. Quando colocava, o modelo não fechava mais.

Ilusão 1 – a não-solução Temer
Enquanto Dilma Rousseff era presidente, automaticamente também era o alvo preferencial do mal-estar geral. Quando ela sai, o alvo passa a ser o novo presidente, envolvido até o pescoço nas investigações da Lava Jato.

Na pressa em derrubar Dilma e aplicar o golpe perfeito, nem se cuidou de analisar melhor a personalidade do substituto. A mídia julgou possível reconstruir a biografia de Temer com suas pós-verdades. E constatou rapidamente que apostara todas suas fichas em um dos políticos mais medíocres da República.

Até então, tinha feito uma carreira política rigorosamente fora do alcance dos holofotes. Assumindo o posto, levou para o Palácio seus quatro operadores pessoais e enrolou-se até em episódios menores, como o caso da carona no avião da JBS.

Exposto à luz do sol, desmanchou.

Ilusão 2– as reformas sem povo
Só a profunda ignorância de uma democracia jovem para supor ser possível uma organização suspeita se apossar do poder e enfiar na marra reformas radicais contra a maioria da opinião pública.

Pouco a pouco vai caindo a ficha – mesmo dos economistas mais liberais - que não existe saída fora da discussão democrática com todos os setores. A não ser que se pretenda manter o país permanentemente em um estado de exceção. Nesse caso, a escolha do ditador não será deles.

Ao mesmo tempo, a ilusão de que a mera troca de governo e o anúncio de reformas acordaria o espírito animal do empresário trombou com a realidade. A soma de recessão mais juros reais em alta liquida com qualquer pretensão de equilíbrio fiscal. Sem uma atitude ousada, de incremento calculado dos gastos públicos, não haverá recuperação da economia. E esse passo só poderá ser dado em um clima de entendimento entre os principais atores políticos e econômicos.

Ilusão 3 – engarrafando o gênio
Tiraram o gênio da garrafa e ordenaram: os limites são Lula e o PT. Depois tentaram engarrafar novamente, mas o gênio não quer voltar para a garrafa.
Nesse torvelinho, o PSDB foi devorado, seu presidente deverá ser preso nos próximos dias, o outro presidenciável, José Serra, escondeu-se – como sempre fez em momentos críticos -, as demais lideranças se enrolam entre ficar ou sair. E, com isso, obrigaram seu principal porta-voz, Ministro Gilmar Mendes, a se expor mais ainda.

Gilmar é o exemplo mais didático da manipulação da interpretação da lei, peça central do ativismo judicial. Tudo o que estimulou, no período que antecedeu e durante o impeachment, volta-se contra os seus. E Gilmar é obrigado a mudar totalmente seu discurso, mostrando que a posição ideológico-partidária de muitos magistrados antecede sua interpretação da lei. Há uma interpretação para cada ocasião.

Tem-se, agora, um caos total no grupo que se aliou para promover o impeachment.

Ilusão 4 – o poder ilimitado da Globo
A Globo não tem mais a sutileza de outros tempos, de exercitar suas preferências sem deixar digitais. Agora está se imiscuindo até nas eleições para a lista tríplice de Procurador Geral da República.
Em duas matérias seguidas – uma solta, outra cobrindo o debate dos candidatos – tenta comprometer dois favoritos às eleições, sustentando que são apoiados por lideranças com processos na Lava Jato ou pelo próprio Michel Temer.

O Ministério Público é uma corporação composta por pessoas preparadas para os temas jurídicos, mas, em geral, desinformadas sobre as jogadas político-midiáticas. Mas é impossível que esse pacto Janot-Globo passe despercebido da categoria, como uma intromissão descabida nos seus assuntos internos, tão descabida (aos olhos da corporação) quanto uma escolha de PGR fora da lista tríplice.

Todo esse jogo tem como pano de fundo os últimos capítulos das investigações do FBI sobre a FIFA. Com o indiciamento do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, o escândalo finalmente chega à Globo. Será cada vez mais difícil ao MPF – e à cooperação internacional – justificar a inação no fornecimento de informações ao FBI.

Com o acordo com Janot, a Globo tenta se blindar. O escândalo Del Nero está nas principais publicações internacionais, mas continua solenemente ignorado pelo PGR e sua equipe.

Essa circunstância pode explicar o surpreendente pacto Globo-PGR para, de um lado, derrubar Michel Temer, de outro garantir que o candidato de Janot seja o mais votado da lista tríplice.

Ilusão 5 – jogo sem vencedores
A evolução da crise política, econômica e social mostra que será impossível se ter um vencedor nesse jogo. Os principais atores já estão mortalmente feridos ou em vias de.

O PSDB inviabiliza-se como alternativa. O “novo” João Dória Jr se desmancha no ar a cada dia, com provas cada vez mais evidentes da desinformação sobre a montagem de políticas públicas eficazes. Apelando cada vez mais para factoides de redes sociais, para radicalizações inconsequentes, consegue desgastar rapidamente sua imagem.

Do mesmo modo, embora ainda contando com apoio popular, a cada dia que passa a Lava Jato se isola, já que o espaço amplo de que dispunha se devia ao endosso total da mídia e do mercado ao delenda-Lula. Quando extrapolou, deixou de contar com o apoio unânime desses setores. Episódios como as palestras de procuradores faturando em cima do episódio, a desgasta não apenas em muitos setores, mas dentro do MPF.

A própria Globo terá que enfrentar um poder superior, supranacional, em territórios externos, onde sua influência não conta muito.

Chega-se, assim, àqueles momentos de impasse, em que a guerra leva a um jogo de perde-perde.

E, no Paraná, um juiz obcecado, e procuradores partidarizados, pretendem inviabilizar Lula, um dos pilares centrais para uma saída pacífica da encrenca em que engolfaram o país. 

Do GGN