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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

As EXTRAVAGÂNCIAS JURÍDICAS do relator Gebran Neto do TRF4 para CONDENAR LULA, por Luis Nassif

Uma das passagens mais esdrúxulas do julgamento de Lula, foi a demanda de seus advogados, de uma perícia nos contratos da Petrobras que teriam gerado as supostas propinas investidas no tríplex.
Na página 63, a denúncia do Ministério Público Federal especificava os tais contratos.
“Para a presente denúncia, interessam especificamente os atos de corrupção praticados em detrimento da Administração Pública Federal, no âmbito de contratos relativos a três empreendimentos da PETROBRAS: (a) obras de "ISBL da Carteira de Gasolina e UGHE HDT de instáveis da Carteira de Coque" da Refinaria Getúlio Vargas - REPAR; (b) implantação das UHDT's e UGH's da Refinaria Abreu e Lima - RNEST; (c) implantação das UDA's da Refinaria Abreu e Lima - RNEST. Nessas condutas delitivas, de um lado figuram LÉO PINHEIRO e AGENOR MEDEIROS, executivos do Grupo OAS, participante do conjunto de empreiteiras cartelizadas e, de outro, LULA, RENATO DUQUE, PEDRO BARUSCO e PAULO ROBERTO COSTA”.
A defesa solicitou então uma auditoria nas informações sobre tais contratos na Petrobras. O relator João Pedro Gebran Neto, na página 69 de seu voto, reconhece as indicações dos tais contratos.
Diz ele:
“Os contratos relacionados a denúncia, especificamente Consorcio Conest/RNEST em obras da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima - RNEST e Consorcio CONPAR em obras da Refinaria Presidente Getúlio Vargas - REPAR, compõem o acervo probatório”.
E a solicitação da defesa?
“Desnecessário, neste momento preliminar, tecer considerações detalhadas a respeito da procedência ou não da tese acusatória, bastando indicar que a apuração da origem dos recursos utilizados pela OAS para pagamento de propina não é imprescindível para a identificação dos crimes imputados. Não e da essência da corrupção, por exemplo, que o pagamento tenha correlação com uma ou outra avença especifica, bastando apenas que tenha sido efetivamente oferecida ou exigida a vantagem espúria, em razão do cargo.
De todo o modo, auditorias são limitadas e, por anos, comissões intimas da Petrobras curiosamente passaram ao largo das fraudes existentes, o que somente veio a se modificar apos a deflagração da 'Operação Lava-Jato'. Ademais, a jurisprudência e pacifica e direciona-se para a 'autonomia e independência das esferas civil, penal e administrativa, razão porque eventual improcedência de demanda ajuizada na esfera civil ou de procedimento administrativo instaurado não vincula ação penal instaurada em desfavor do agente', de maneira que as conclusões no âmbito cível ou administrativo não desmerecem as conclusões do juízo criminal (HC 201402666794, RIBE1RO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 18/10/2017)”.
Curiosamente, reconhece que mesmo as auditorias internas, as tais “comissões íntimas” da Petrobras não tinham identificado os malfeitos até a eclosão da Lava Jato. E pretende que, em Brasília, um presidente da República tivesse informações sobre o que ocorria.
Há um princípio básico em direito, que é o da legalidade estrita, que diz que a Administração Pública somente poderá agir de acordo com aquilo que a lei expressamente dita.
Em seu voto, Gebran acaba com o princípio. Diz ele, na página 117:
"as corrupções envolvendo agentes políticos ganham contornos próprios e a solução deve ser buscada caso a caso, tornando-se como norte o contexto da atividade criminosa. Não há como se definir, portanto, uma fórmula de ouro aplicável a todos e qualquer processo, pois a atividade política transborda muitas vezes aos escritos limites do cargo - inclusive temporais - podendo interferir nos mais variados órgãos da administração publica direta ou indireta".
GGN

Ministro do STF critica ânsia de prender Lula

Cada vez mais acredito que o país perdeu a capacidade de raciocinar por si e passou a raciocinar pela cabeça dos editores dos grandes órgãos de imprensa. Independente dos fatos, em certos casos até a esquerda pensa pela cabeça da mídia.
No caso da prisão do ex-presidente Lula, como a mídia criou uma versão da realidade na qual essa tragédia se configuraria inevitável, de repente parece que a previsão já se materializou por antecipação.
A prisão de Lula é uma profecia autorrealizável. Ou seja: ao se falar da inevitabilidade, ela passa a ser real por crença das cabeças que tomam contato com tal teoria, ignorando que, em política – e é disso que se trata – tudo depende de ação e reação. Toda ação sem reação em contrário, ou com reação fraca, vence.
“Não acredito (…) que se implemente a prisão quanto ao ex-presidente Lula. E digo mais – como brasileiro, como cidadão responsável: que não interessa à sociedade, como um grande todo, essa prisão que, para mim, continua sendo uma prisão precoce, açodada”. Estas são palavras do ministro do STF Marco Aurélio Mello.
A entrevista à rádio Jovem Pan dada por esse ministro do Supremo no day after da infame condenação de Lula pelo TRF4 em 24 de janeiro de 2018, seguirá sempre, através dos tempos, como registro dos abusos, dos absurdos, da falta de seriedade com que o establishment – conceito que inclui o Quarto Poder, a mídia – tratava o caso Lula no início do século XXI.
Quem quiser dispor ao menos de 5 dos 11 minutos do vídeo para entender por que a defesa que se faz não é de Lula, mas do Estado de Direito, das garantias constitucionais, inclusive à daqueles incapazes de se colocar no lugar do outro por desconhecerem o que seja o conceito e o sentimento de empatia.
Comprazer-se da violação de direitos que são de todos os cidadãos só pode ser produto de obtusidade ou perfídia.  Qualquer pessoa que não sofra de um desses dois males conseguirá entender a explicação cristalina, serena e altamente lógica do ministro do Supremo.
Assista a pregação do ministro:
 Do Blog da Cidadania

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O tecido político está se rompendo, por Gustavo Conde

O tecido político está se rompendo. Daqui a pouco será cada um por si. Eles conseguiram sabotar a democracia brasileira na sua mais delicada essência pós ditadura: a organização social.
O rescaldo de ódio acumulado que perdura, embora menor que há dois anos, é suficiente para alimentar a fantasia da imprensa e os interesses do PSDB. Termos, portanto, que reunir forças para fazer uma travessia. Será mais uma travessia histórica duríssima que a elite brasileira nos deixa com herança.​
O julgamento de Lula mudou a realidade dos fatos. A força política da esquerda que ia se recompondo aceleradamente sofreu o seu mais duro golpe da história. Foi quase uma decapitação.
Aqui, vale um alerta e uma análise expressa. Muita gente pode estranhar a suposta e aparente "guinada" da minha posição. Na verdade, não há guinada. Quando a realidade muda, muda-se a leitura da realidade. Não tem como escapar disso, se a leitura tem como base dados empíricos e discursivos.
Em momentos assim - de inflexão da realidade sócio-política -, algumas pessoas mobilizam imediatamente seus "argumentos" tímicos: otimismo versus pessimismo. Ah, você é pessimista. Ah, você é otimista.
Se pudéssemos reunir os piores tipos de argumento de uma sociedade, certamente, eu votaria no argumento - que não é um argumento - 'pessimismo versus otimismo'. Talvez, isso seja tão óbvio que eu nem deva tocar no assunto, correndo o risco de parecer ingênuo - o que, a rigor, é outro não-argumento muito popular na praça.
Desfilar adjetivações desta cepa - ingênuo, otimista, pessimista - é um desserviço ao debate público que, se fosse dotado de desejo próprio, certamente gostaria muito de voltar a ter alguma importância estrutural num país como o nosso.
Digressão encerrada, concluo reiterando: o tecido político está se rompendo neste exato momento. Declarações confusas, falta de unidade, desespero, apatia, tensão, medo e derrotas judiciais sistemáticas (por mais infundamentadas que sejam).
Há o imponderável, claro. A questão aqui não é "acertar" uma previsão. Eu não sou vidente, sou linguista. Pode acontecer, portanto, qualquer coisa. Podemos ter uma liderança nova que surpreenda. Podemos ter o filme sobre Dilma Rousseff vencendo o Festival de Cinema de Berlim e se tornando uma denúncia mundial.
Podemos ter a imprensa estrangeira engrossando o coro contra o golpe brasileiro. Podemos ter os intelectuais e artistas americanos encampando em uníssono uma campanha global pela volta da democracia no Brasil (se houvesse um brasileiro minimamente razoável em comunicação internacional, este apoio já estaria em curso - é muito fácil construí-lo, basta algum grau de inteligência e iniciativa).
Enfim, para atender um pouco aqueles que raciocinam com base em otimismos e pessimismos, entoo um alento: tudo pode acontecer.
Mas o tecido político - insisto - foi rompido (está se rompendo). Esse é o dado empírico que pode re-orientar novas ações neste momento. O que seria esse rompimento? Trata-se, pura e simplesmente, da dispersão do discurso.
Todas as declarações de todos os líderes políticos da esquerda nesse momento estão desencontradas. Chega a assustar. Nem entrarei em detalhes, até porque é algo que me entristece.
A explicação, a rigor, é: sem Lula - o único ser político capaz de produzir enunciados dotados de sentido político e histórico - a capacidade de análise, julgamento e mobilização do campo progressista se estilhaça. O poder de Lula tem essa consequência dramática. É um poder tão imenso e onipresente, que sua proscrição do processo político provoca um vácuo assaz traumático.
Resta termos muita atenção. Mesmo a esquerda saindo vencedora destas eleições, o cenário ficará terrivelmente mais pobre sem Lula. Resta saber, também, como se dará essa "proscrição" de Lula. Ela pode nem acontecer, é verdade. Mas tudo indica que o lado 'sombrio' não vai desistir e nem poupar esforços para tal.
Tudo, realmente, pode ser muito rápido. A "iraquização" do Brasil está em curso e é também acelerada, com ministra de tribunal reunindo-se com representantes da Shell para falar mal de Lula. É algo fora do comum.
Devastação, genocídios, explosão de violência, doenças, liquidação de patrimônio público, cancelamento de contratos, tudo isso também se desenrola com extrema rapidez e amplitude avassaladora.
É o preciso e definitivo momento de reinvenção do Brasil. Ou o Brasil se reinventa ou ele deixa de existir tal como um dia foi conhecido. Uma apoteose. Uma quarta-feira de cinzas. Uma despedida em festa, como sói acontecer em nossos carnavais. 
Do GGN

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Xadrez de como o TRF4 desmoralizou a Justiça brasileira, Luis Nassif

João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente entrarão para a história do direito penal brasileiro.
A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometido com a seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do colega Sérgio Mouro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final dos operadores do direito brasileiros perante a comunidade jurídica internacional.
Partiu do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.
Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram rasgadas.
Peça 1 – os crimes indeterminados
Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala mais nisso.
Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local, as circunstâncias, mas que existiu, existiu.
Peça 2 – a lavagem de dinheiro
A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex, mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.
Peça 3 – o crime de solicitar
Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”. Para "receber" teria que haver provas da transferência do bem. Para "solicitar", bastou a palavra do delator Léo Pinheiro, cuja pena foi reduzida de 16 anos para 3 anos por conta da contribuição ao processo.
Peça 4 – a tal teoria do fato
De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.
No entanto considerou-se que um presidente da República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria com os contratos de uma das estatais.
Peça 5 – a competência da Lava Jato
Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.
Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.
Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações. 
Peça 6 – as sentenças ampliadas
Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias superiores.
Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio Moro e os três desembargadores, mais os procuradores da Lava Jato.
Passo 1 - enquadraram Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.
Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.
Passo 2 – as prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a respeito de prescrições de penas:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:                (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção passiva há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16 anos.
Mas há uma cláusula que não foi considerada pela brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de prescrição cai pela metade, ou oito anos.
Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.
Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.
Passo 3 – das penas máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O Código Penal tem requisitos e STF (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.
No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima, quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar nenhum fato específico.
Peça 7 – os tribunais superiores
Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.
Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi “atípico”.
A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico” porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não seria condenar Lula, mas absolver Moro das excentricidades de sua sentença. Dino considera que trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.
Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300 anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o crime.
Independentemente da linha política em jogo, Dino considera que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos fundamentais:
1.     Permitir a prisão de Lula enquanto tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente, diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.
2.     Buscar a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não concorrer.
Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus entram para a história política e do direito brasileiro, como três magistrados que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua profissão, em favor de objetivos indignos.
A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final na pantomima da Lava Jato.
GGN

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Pesquisa aponta que Lula foi condenado injustamente

A condenação do ex-presidente Lula pelo TRF-4 no dia 24 não surpreendeu, não custa repetir. Seguiu-se o modelito recortado em Curitiba com um adendo ou dois a mais, quais sejam o aumento da pena, por unanimidade dos três julgadores, mais a possibilidade de prisão imediata do ex-presidente, tão logo julgados os embargos declaratórios – a menos que a defesa de Lula consiga o efeito suspensivo da pena, o que não parece tão fácil dado o cerco a que estão submetendo o ex-presidente.
Não deixou de surpreender também a predominância da Teoria do Domínio do Fato, usado pelo relator para justificar o aumento da pena de nove anos e seis meses para 12 anos e um mês, numa estratégia, ao que consta, para evitar a prescrição do julgado. O que também é discutível, como de resto todo esse processo é discutível e polêmico, menos para a Globonews que o tem como o mais santificado de todos os que têm passado pela justiça brasileira. A propósito, como é indisfarçável a crença dos comentaristas da Globonews na lisura de todo esse processo, tido agora como se fosse um prolongamento do mensalão de triste memória. Ora, não há a menor visão crítica do que se passou em Curitiba e Porto Alegre, sequer a equidistância se exige do comentarista ao abordar o assunto em pauta. Não se discutiu e nem se discute o que pode ter sido, por exemplo, um excesso de zelo de algum dos desembargadores – cujos nomes não vão entrar nesse texto, por desnecessário – nem a deselegância de não terem sequer levado em conta a sustentação oral do advogado Cristiano Zanin, ao menos para contestar um ponto ou outro da defesa. Não, não era necessário. Os votos estavam prontos, a decisão do relator foi obedecida por todos, portanto, por que perder tempo em ser elegante com a defesa?
Na verdade, deu-se o contrário: partes da sentença condenatória do juiz de primeiro grau, Sérgio Moro, foram lidas e relidas varias vezes ao longo do julgamento, o que também não chegou a ser uma novidade, desde que o presidente do TRF de Porto Alegre, Thompson Flores, antes mesmo de ler a sentença de Moro, ao ser tornado pública, a considerou um primor, irretocável. Era a senha para a condenação que viria a seguir, com o agravamento do aumento da pena e a possibilidade da prisão do ex-presidente, esgotados os recursos, lá mesmo no âmbito do TRF-4. Tudo isso significa dizer que a rigor o julgamento não trouxe novidades de maior monta, apenas dificulta a caminhada de Lula e do PT para que o ex-presidente volte a governar o país. Quando eu disse, no último texto aqui publicado, que o juiz era o réu, deu-se o que se previa: o juiz foi absolvido e o réu de fato foi condenado. Como estava escrito.
A propósito, como as pessoas que acompanharam não apenas o julgamento como a saga do ex-presidente viram tudo isso? Nesse sentido, é oportuna a primeira e inédita consulta que o Instituto Quaest, de Belo Horizonte, fez aos brasileiros que têm conta no Facebook, atingindo nada menos de 310 mil pessoas entre os dias 24 e 25 de janeiro agora, com perguntas formuladas pelo Vox Populi em survey face-a-face. Das 310 mil pessoas, 2.980 foram sorteadas aleatoriamente, aponta o relatório, para compor uma amostra representativa do eleitorado brasileiro. Usando dados oficiais do IBGE e do Facebook, o Quaest ponderou a amostra para garantir representatividade de atributos como sexo, idade e região. De forma que o resultado final estima as opiniões e atitudes do eleitorado brasileiro proporcional ao encontrado fora do Facebook.
O primeiro dado da pesquisa refere-se ao nível de conhecimento do que o TRF-4 estava julgando e mostra que 93,5 dos pesquisados sabiam do que se tratava e apenas 6,5 por cento não sabiam. Ao perguntar se na opinião do entrevistado o TRF-4 agiu certo ou errado ao condenar Lula, 3,1 por cento não souberam responder, 42 por cento disseram que agiu certo e 54,7 por cento sentenciaram que agiu erradamente. Perguntado se o juiz Sérgio Moro, autor da primeira condenação, provou ou não que o tríplex era mesmo de Lula, 4,3 por cento não souberam opinar, 39,0 responderam que Moro conseguiu provar e 56,6 por cento disseram que ele não conseguiu provar que o apartamento é de Lula.
O Quaest quis saber se Lula recebe o mesmo tratamento da justiça que outros políticos, como Michel Temer e Aécio Neves. 3,3 por cento não souberam opinar, 37,2 por cento acham que a justiça não trata Lula de forma  mais dura e 59,5 responderam que a justiça trata sim Lula de forma mais dura. Se Lula cometeu mais erros ou acertos quando governou o pais, os entrevistados do Quaest disseram: 3,3 por cento não opinaram, 37,4 responderam que ele errou mais do que acertou e 59,3 por cento disseram que ele cometeu erros, mas fez muito mais coisas certas do que erradas em benefício do povo e do país. Nada menos de 42,9 por cento dos consultados, diante da condenação e da inelegibilidade momentânea do ex-presidente, disseram que Lula não deveria se candidatar a presidência da República, ao passo que 55,7  por cento responderam que deveria poder ser candidato em 2018. Cerca de 1,4 por cento não souberam opinar. A consulta inédita de certa forma reflete o que as pesquisas eleitorais vêm mostrando ao longo de todo o ano passado, quando os mais diversos institutos de pesquisas, como o Ibope, o Datafolha ou o Paraná,  vêm apontando a liderança e o crescimento do ex-presidente na preferência do eleitorado – uma das razões, certamente, do resultado emanado tanto de Curitiba como de Porto Alegre, que coloca Lula hoje na condição de inelegível e sujeito à prisão, a despeito da decisão do PT de manter a sua candidatura como forma de legitimá-la na consciência popular e de enfrentar resultados judiciais que parecem feitos para tirar o ex-presidente do páreo.
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Lula segue no confronto mesmo condenado por uma farsa ou a derrota histórica, por Aldo Fornazieri para o Jornal GGN

A condenação de Lula por unanimidade pela turma do TRF-4 que o julgou, embora previsível, representou uma grave derrota para o ex-presidente, para o PT  e para as forças progressistas que defendem a democracia, a justiça e os direitos sociais. As ilusões que alguns alimentavam de que pudesse haver um dois a um ou até uma absolvição se esfumaçaram no céu tormentoso de Porto Alegre. Essas ilusões perdidas devem servir de lição, indicando que, embora se deva lutar nos tribunais superiores pela anulação do processo condenatório e pelo direito de Lula ser candidato, não se deve ter fé nos mesmos, pois amplos setores do Judiciário estão comprometidos com o golpe e com a interdição de qualquer ameaça que possa significar a vitória de forças comprometidas com os interesses do povo.​
É preciso entender que o Brasil está sendo governado por uma canalhocracia de terno e toga, onde os segundos protegem os interesses dos primeiros - os predadores do mercado - e onde os primeiros garantem ganhos extraordinários aos togados, aos procuradores e aos grandes escritórios de advocacia, que constituem um sistema jurídico nacional mafioso.  A luta central, nos tribunais e nas ruas, deve ser pela anulação do processo, pois ele viola o Artigo 5º da Constituição, já que Sérgio Moro não é juiz natural para julgar um processo que, como ele mesmo reconhece na sentença, e que os desembargadores do TRF-4 ignoram, o caso do triplex nada tem a ver com a Petrobras e com a Lava Jato. Lula precisa nomear outros defensores, que tenham renome e reputação, pois a sua defesa em Porto Alegre foi desastrosa.
A luta mais importante, no entanto, precisa ser travada nas ruas, com mobilizações, atos, caravanas, com bloqueios de rodovias e avenidas e com a construção de uma greve nacional. É claro que existe uma debilidade organizativa e frágil capacidade mobilizadora do PT, dos sindicatos e das forças de esquerda em geral. Isto ficou patente durante todo o processo de derrubada da Dilma e foi reafirmado com a condenação de Lula. Com exceção de Porto Alegre, não ocorreram atos significativos em outra cidades.
Mas não existe outra saída: a força organizada precisa ser constituída no próprio processo de mobilização. Mais do que isto. É preciso ter direção e comando. Das reuniões e plenárias de que participei a convite de militantes petistas, no Rio Grande do Sul e em São Paulo,  foi possível constatar que a militância se recente de orientação, direção e comando. Não há um sistema eficaz de comunicação entre a direção e as bases. A rigor, a militância continua como um exército sem generais, tal como ocorreu no processo do impeachment. E a direção do PT continua como um comitê de generais de caserna sem exércitos. Não há um estado maior, um comitê de crise, uma situação de prontidão permanente para enfrentar esse momento.
O maior risco que Lula corre é o de ser abandonado e trocado pelos interesses eleitorais. Não manter a candidatura de Lula até o fim, mesmo que preso, significa abandoná-lo à mercê de seus inimigos. Significa deixar que crucifiquem o seu significado e a sua força simbólica, significa enterrar-lhe o punhal da covardia e da traição em seu coração. Permitir isso significa, acima de tudo, apunhalar a democracia e povo.
Manter a candidatura Lula até o fim é a única forma de confrontar o golpe, de fazer com que ele e seus áulicos do Judiciário enfrentem o dilema de manter Lula candidato ou de validar uma eleição ilegítima, com a manutenção da instabilidade política por mais quatro anos. Os progressistas e as esquerdas precisam superar a síndrome das derrotas históricas através de uma prática e de uma pedagogia do confronto. Ninguém nunca respeitará as esquerdas se elas não forem capazes de impor medo aos seus inimigos. Lula não pode ser o "Lulinha paz e amor". Deve ser o leão, capaz de afugentar as hienas e os chacais que o querem política e simbolicamente destruído.
Dada a fragilidade e a tibieza do PT e das demais forças de esquerda, Lula deve ser o general de sua própria salvação. Deve ter o destemor de um Horácio Cocles, sabendo que a salvação de uma república do povo brasileiro pobre depende dele, acima de tudo. Lula não pode ser um Jango que se refugia no Uruguai sem lutar. Se ele conseguir trazer o povo que o apóia para as ruas, para o campo das batalhas, poderá derrotar os inimigos da república popular. Se for derrotado lutando, estará criando um novo paradigma para as forças progressistas. O paradigma da coragem e da virtude do combate, o paradigma do enfrentamento da falsa unidade, do confronto com uma elite que derrubou as frágeis estacas da democracia, de uma elite que odeia e esmaga os pobres.
É legítimo desobedecer juízes que violaram a lei
A desobediência às decisões de Moro, do TRF-4 e, eventualmente, de Tribunais Superiores, é legítima e legal, pois eles violaram as leis e a Constituição ao transformarem a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba em tribunal de exceção, ao condenarem sem prova ao violarem o princípio constitucional de em dubio pro reo, substituindo-o pelo princípio inconstitucional da "dúvida razoável". Se restar alguma decência aos Tribunais Superiores, anularão o processo contra Lula. Ao desobedecer esses juízes e  desembargadores se estará obedecendo a lei,  pois a vontade deles não pode ser substituta da lei. Ao assim querem, se instituíram como tiranetes do Judiciário. Moro e os desembargadores não têm moral para se arrogarem paladinos do combate à corrupção. Em primeiro lugar, porque não é esta sua função. Em segundo lugar, porque recebem acima do teto constitucional, sendo este privilégio uma forma de corrupção.
A desobediência civil à vontade arbitrária dos tiranetes do Judiciário se alicerça no pensamento liberal, desde John Locke. Ele afirmou, categoricamente, que um homem "não pode submeter-se ao poder arbitrário de outro". Ao se transformar a Vara Criminal de Curitiba em tribunal de exceção e, ao juiz Moro escolher Lula como réu a ser julgado por ele, além de violar o Artigo 5º da Constituição, também se violou o princípio liberal escrito por Locke de que o poder "está na obrigação de dispensar justiça e decidir dos direitos dos súditos mediante leis promulgadas, fixas e por juízes autorizados, conhecidos". Lula foi julgado segundo "leis" nem autorizadas e nem conhecidas e por um juiz que, pelo princípio da naturalidade, não estava autorizado, quebrando-se assim a objetividade da competência jurisdicional.
Além de combater os tiranetes do Judiciário e defender Lula, duas outras lutas precisam ser travadas. A primeira, consiste em continuar o combate ao governo iníquo, cínico e ilegítimo de Temer. Governo que degrada a vida do povo e envergonha o Brasil no mundo. É preciso bloquear a continuidade do desmanche social, cultural e nacional que esse governo vem promovendo.
Em segundo lugar, Lula, os progressistas e as esquerdas precisam definir propostas e ideias que representem um novo Brasil. Trata-se de propor um programa que expresse uma revolução democrática. Não basta, apenas, propor políticas sociais focalizadas para enfrentar os graves problemas de pobreza e da falta de direitos. É preciso propor um programa reformador, capaz de remover as condições estruturais da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da inaptidão do Brasil para o desenvolvimento sustentável - desenvolvimento humano, educacional, ambiental, científico, tecnológico e industrial.
As forças progressistas e Lula precisam mostrar que serão capazes de resolver os problemas cruciais que mantêm o Brasil preso às iniquidades humanas, ao atraso no seu desenvolvimento e a uma presença marginal no mundo globalizado. A apresentação desse programa tornará o combate ao golpe mais convincente e eficaz, pois as forças conservadoras, dado o seu caráter predatório, são incapazes de apontar qualquer caminho de futuro para o Brasil.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
 GGN

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Um tempo estranhamente igual aos anos 60

O tempo é outro, o personagem é outro, mas as razões, as intenções e os métodos são espantosamente iguais. Tanto que o professor Paulo César de Araújo, em artigo publicado na Folha, sequer precisa citar um nome para que associação seja imediata. Basta que você leia, suas lembranças recentes irão trocando, com imensa facilidade, os nomes e as situações.
Nos  anos 1960,  um  ex-presidente era
investigado por causa de apartamento
Naquela manhã de domingo, o ex-presidente tomou seu café saboreando também a primeira página do jornal com pesquisa do Ibope que o colocava na liderança à Presidência da República, com 43,7% das intenções de voto.
Meses depois, a candidatura dele seria homologada, por unanimidade, por seu partido, num evento com a presença de vários artistas.
Parecia mesmo apenas uma questão de tempo para Juscelino Kubitschek voltar a governar o Brasil.
“JK venceria se eleição fosse hoje”, dizia o “Correio da Manhã” com os números da pesquisa, em setembro de 1963.
Mas aí veio o golpe civil-militar, em março do ano seguinte, e a candidatura dele ficou seriamente ameaçada. Iria se iniciar a caçada ao ex-presidente, que na época, aos 62 anos, era senador da República.
O golpe foi realizado sob o pretexto de combater a corrupção e livrar o país dos comunistas. Num primeiro momento, os militares procuravam guardar algum sinal de legitimidade, prevalecendo aquilo que Elio Gaspari chamou de “ditadura envergonhada”.
Eleito pelo Congresso Nacional –inclusive com o voto de JK–, o primeiro general-presidente, Castelo Branco, disse que manteria as eleições presidenciais de outubro de 1965 e daria posse ao eleito. O seu governo seria de transição, prometendo fazer uma espécie de limpeza geral no país, especialmente da corrupção.
PRESIDENTE E JUIZ
“Até o problema do comunismo perde expressão diante da corrupção administrativa nos últimos anos”, afirmava o marechal Taurino de Resende, presidente da Comissão Geral de Investigação (CGI).
A este órgão cabia investigar, reunir documentos e indicar quem deveria ser cassado por corrupção ou subversão. A lista era levada ao Conselho de Segurança Nacional que podia acatar ou não a denúncia, mas o julgamento final era do presidente (e neste caso, juiz), Castelo Branco – que defendia, em discurso, não apenas punição aos malfeitores, mas também “reformas de profundidade na estrutura orgânica da administração pública” para curar “a enfermidade da corrupção no país”.
Como Getúlio Vargas já havia morrido e lideranças como João Goulart e Leonel Brizola estavam no exilio, os golpistas se voltaram contra Juscelino Kubistchek, o erigindo a símbolo do que não podia mais prosperar na política nacional.
Diziam que sempre se roubou no Brasil, porém, num nível imensamente maior a partir do governo JK –que seria culpado também pela inflação e a recessão econômica.
Com sua fúria punitiva o governo militar iniciou então uma devassa na vida do ex-presidente. Foram vasculhadas empresas e bancos nacionais, americanos e suíços na tentativa de localizar investimentos em nome dele ou de familiares.
“Não tenho um centavo em banco estrangeiro. Deveria ter para qualquer eventualidade. Mas não tenho nada, rigorosamente nada”, se defendia.
Foi também investigado quanto o ex-presidente havia recebido por viagens de conferências no exterior, na suposição de que ele não teria pago o imposto de renda.
Documentos sobre supostos atos de corrupção em seu governo eram liberados para a imprensa pela Secretaria do Conselho de Segurança Nacional. “Não havia dia em que não se verificasse algum tipo de imputação contra sua honra para justificar a punição iminente”, afirma seu biógrafo Claudio Bojunga.
TRÍPLEX EM IPANEMA
A denúncia que se tonaria mais rumorosa envolveu um novíssimo prédio de cinco andares, na avenida Vieira Souto, em Ipanema, onde JK foi morar, pouco depois de deixar a Presidência. Ele residia no segundo andar e, oficialmente, pagava aluguel ao seu amigo (e ex-ministro da Fazenda) Sebastião Paes de Almeida.
Mas, segundo a denúncia, o amigo, embora milionário, era um “laranja” do ex-presidente, usado para encobrir o real proprietário do edifício construído com dinheiro doado por empreiteiros de grandes obras no governo JK.
No processo afirmava-se que a localização, o projeto arquitetônico, a decoração do prédio, tudo teria sido feito ao gosto de Juscelino Kubistchek e de sua esposa Sarah.
Testemunhas teriam visto o ex-presidente visitando as obras; outros afirmavam que dona Sarah era quem determinava alterações nos pavimentos. Dizia-se ainda que inicialmente eles iriam morar num tríplex nos andares superior mas “quando começaram rumores sobre a propriedade do edifício, o ex-presidente abandonou a ideia do tríplex e resolveu habitar apenas no 2º pavimento”.
Outro indício estaria no nome do edifício – “Ciamar” -, interpretado como anagrama de Márcia, filha de Juscelino Kubitschek.
Esta denúncia não prosperaria na Justiça comum, sendo arquivada por falta de provas, em maio de 1968. Mas até lá, muita tinta foi gasta em reportagens sobre “o edifício de Kubitschek” –chancelando nas manchetes o que o ex-presidente negava.
E tudo isto servia de combustível para quem desejava tirá-lo da disputa à presidência em 1965, e para a qual ele abraçara o discurso das reformas sociais. “Reformas com paz e desenvolvimento”, seria o mote da campanha de JK.
NA IMPRENSA
“A Revolução estará sendo traída enquanto o rei da corrupção permanecer impune”, cobrava o deputado e repórter Amaral Neto, enfatizando “que há muito tempo esse moço já deveria estar na cadeia”.
Por sua vez, “O Estado de S. Paulo” dizia que “pelos crimes cometidos contra o erário público” durante o governo de JK com a “deslavada conivência dele” era “perfeitamente justa e merecida” a sua cassação. E o “Jornal do Commercio” sentenciava que “o sr. Kubitschek é incompatível com a nova era que se iniciou”.
Após investigações da CGI, em maio de 1964 o Conselho de Segurança Nacional opinou pela cassação de JK por corrupção e alianças com comunistas. Caberia agora, portanto, ao presidente (e juiz) Castelo Branco condená-lo ou absolvê-lo.
A partir daí o drama de Juscelino Kubitschek empolgou o país, gerando suspense no mercado e em todos os círculos políticos.
O seu partido, o PSD, sofria junto porque não tinha um plano B sem JK –que fez no Senado um discurso de repercussão, afirmando que estava sendo perseguido, não pelos seus defeitos, mas por jamais “compactuar com qualquer atentado à liberdade e agir sempre com dignidade administrativa”.
Em meio à expectativa da condenação surgiram boatos de que o ex-presidente poderia ter também sua prisão preventiva decretada –algo que o próprio Palácio do Planalto tratou de desmentir.
Porém, o suspense continuava; afinal, tratava-se do destino da maior liderança política do país após Getúlio Vargas e o líder das pesquisas eleitorais. Àquela altura, o telefone do ex-presidente já estava grampeado pelo recém-criado SNI e Castelo Branco ouviu uma das conversas em que JK se referia a ele como “filho da puta”.
DEFENSORES
Apesar do clima policialesco e repressivo, vozes saiam em defesa do ex-presidente.
“Por que, sr. general, cassar o mandato de Juscelino Kubistchek?”, indagava o jurista Sobral Pinto, e ele próprio respondia que “na impossibilidade de vencer o ex-presidente nas urnas, seus adversários querem arrancar-lhe o direito da cidadania, único expediente capaz de afastá-lo da luta eleitoral”.
Dias antes, Danton Jobim também escreveu artigo direcionado ao presidente Castelo Branco, convidando o “supremo juiz” à reflexão.
“O país não vai lembrar-se amanhã dos coronéis que instruíram o inquérito ou dos políticos odientos que instigam essa caçada humana, no qual um dos maiores brasileiros do nosso tempo é perseguido como criminoso vulgar. Mas o nome de Vossa Excelência ficará indissoluvelmente ligado à cassação do mandato de Juscelino Kubitschek”.
No último dia de maio, lia-se na coluna de Carlos Castelo Branco que a candidatura de JK se sustentava “apegada apenas a um fio de esperança”.
Uma semana depois não restaria mais nada.
Às 19h27, de segunda-feira, dia 8 de junho, o programa A voz do Brasil irradiou o decreto do marechal Castelo Branco, que cassava o mandato de JK e suspendia seus direitos políticos por dez anos.
Para alegria dos adversários, o grande favorito às eleições presidenciais de 1965 estava banido da disputa.
Carlos Lacerda –que naquela pesquisa do Ibope figurava em segundo lugar–, elogiou a decisão contra JK. Disse que foi “um ato de coragem política, de visão, embora preferisse batê-lo nas urnas”.
Seu colega udenista Edson Guimarães também afirmou que a decisão de Castelo Branco “veio na hora exata” para mostrar “que a Revolução não foi feita para manter privilégios, mas realmente para mudar o cenário da política nacional”.
A ditadura era envergonhada mas não se avexou de banir o ex-presidente com justificativas frágeis –fato destacado no editorial do “Diário Carioca”: “Sem provas de espécie alguma, absolutamente sem provas, baseando-se apenas em indícios e suposições, cortou-se sumariamente o curso de uma vida púbica dedicada desde os seus primórdios aos interesses da nação, negando-se com isso ao povo o direito de votar num de seus líderes mais representativos, dono de um passado de realizações tão importantes quando internacionalmente consagradas”.
Concluía o editorial dizendo que se JK “hoje não é mais candidato à Presidência da República, é muito mais que isto: é o símbolo vivo e fremente da vontade de um povo”.
O “Correio da Manhã” também criticou a cassação “sem provas convincentes”. No mesmo jornal, Carlos Heitor Cony desabafou: “Afinal, foi consumada a grande estupidez”, prevendo que com aquele ato o presidente Castelo Branco “selou seu destino perante a nação e perante a história: é um homem mesquinho”.
O “Correio da Manhã” e o “Diário Carioca” foram exceções entre os principais jornais do país, porque a grande imprensa, em sua quase totalidade, apoiou a cassação de Juscelino Kubitschek.
A Folha de S.Paulo, “O Estado de S. Paulo”, “O Dia”, a “Tribuna da Imprensa”, o “Jornal do Commercio”, o “Jornal do Brasil” e, principalmente, “O Globo”, com um editorial intitulado “Uma lição para o futuro”, afirmando que “as medidas excepcionais e enérgicas que estão sento tomadas pelo governo, visando à punição dos responsáveis pela corrupção” teria “o mérito maior de mostrar a todo o mundo que desta vez se realizou algo para valer”.
A Folha de S.Paulo também justificou que ao ex-presidente foi concedido “o direito de defender-se amplamente e com a máxima ressonância”.
A condenação de JK foi destaque na mídia internacional –mas lá numa visão favorável ao criador de Brasília.
O jornal “Le Monde”, o “New York Post”, a “Time” e a “Newsweek”, por exemplo, criticaram a decisão do marechal Castelo Branco.
E o matutino El Espectador, de Bogotá, refletiu que “antes que uma garantia de paz política e social no Brasil” aquele ato seria “destinado a causar mais sérios e talvez irreparáveis traumatismos no presente e no futuro do pais”.
Juscelino Kubistchek recebeu a notícia da cassação cercado de amigos e familiares em seu apartamento, na Vieira Souto.
Dona Sarah mostrava-se muito abatida e revelou ter tomado tranquilizantes. “Isso tudo foi uma barbaridade”, desabafou.
Lá fora, uma multidão se aglomerava nas imediações do Edifício Ciamar (hoje, JK) e o tráfego ficou congestionado nas duas pistas da avenida.
Algumas senhoras choravam pelo ex-presidente, enquanto um grupo de golpistas e lacerdistas gritava “ladrão! ladrão!”. Houve então um início de briga, foram acionadas tropas da Policia Militar e algumas pessoas ficaram levemente feridas.
O tumulto só terminou quando os manifestantes anti-JK bateram em retirada pela praia de Ipanema. Por volta das 22 horas, Juscelino Kubitschek apareceu à janela abraçado com sua esposa, ocasião em que os populares deram vivas à democracia e cantaram o Hino Nacional e o Peixe vivo.
Protesto em apoio à condenação do ex-presidente Lula, em Brasília
Pouco depois, com a voz embargada o ex-presidente ditou um manifesto em que afirmava: “Sei que os meus inimigos me temem porque temem a manifestação do povo, e assim, com esse ato brutal, me afastam do caminho das urnas, única manifestação válida num regime verdadeiramente democrático”.
Disse também que embora “silenciado pela tirania, restarão documentos irrefragáveis, restará a reparação que a história oferece, dignificando os que forem sacrificados pela má fé, pela incompreensão, pelo ódio”.
E ele então concluía com um vaticínio certeiro e profético. “Este ato não marcará o fim do arbítrio. O vendaval de insânias arrastará na sua violenta arrancada mesmo os meus mais rancorosos desafetos. Um por um, eles sentirão os efeitos da tirania que ajudaram a instalar no poder.”
Tijolaço

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Xadrez dos embargadores da verdade de Lula, por Luis Nassif

Por baixo dos data vênias, do latim, das citações, o direito, assim como a economia, tem que obedecer à lógica. Às vezes, há temas complexos, exigindo desenvolver conceitos mais sofisticados. Em outros casos, são situações corriqueiras, que exigem apenas decifrar os pontos centrais do que está em julgamento. É o caso do julgamento de Lula.
Nele, havia um conjunto de indícios e duas narrativas possíveis.
Peça 1 - Os fatos
Marisa Lula tinha uma cota em um apartamento da Bancoop cooperativa que entrou em crise.
Anos atrás, OAS assumiu o edifício e negociou com os moradores a transformação das cotas em apartamentos.
Marisa tinha um apartamento menor. Na divisão foi-lhe facultado adquirir um maior.
O triplex foi reformado pela OAS de acordo com o gosto do casal.
Em determinado momento Lula desistiu do apartamento e Marisa pediu o dinheiro de volta.
Esses são os fatos.
Os pontos de dúvida
1.     Qual a motivação da OAS reformando o apartamento para o casal Lula?
2.     O casal chegou ou não a ter a propriedade do imóvel?
Peça 2 - A narrativa lógica
1.     Na política econômica dos campeões nacionais, as empreiteiras foram o setor mais beneficiado. Ao mesmo tempo, Lula saiu do governo como o mais popular estadista do planeta, com imagem pública e relacionamentos consolidados nos países de interesse da empreiteira.
2.     Por tudo isso, a OAS pretendeu oferecer um mimo a Lula, turbinando a cota de apartamento que tinha no edifício Solaris.
3.     Após duas reuniões, Lula desistiu do apartamento. Ou porque se deu conta da exploração política que poderia advir do episódio, ou porque se desinteressou do apartamento.
Peça 3 - A narrativa da Lava Jato
1.     A OAS tinha uma conta-corrente de propina com o PT proveniente de contratos com a Petrobras.
2.     Descontou da conta R$ 3 milhões para fazer as reformas do apartamento.
3.     Passou o apartamento para Lula, mas manteve em seu nome para esconder o novo proprietário.
As evidências apresentadas
Ponto  1 - O tratamento diferenciado concedido a Lula, em relação aos demais condôminos.
Ponto 2 - Vários depoimentos dando conta de que o apartamento estava sendo preparado para a família Lula.
Ponto 3 - Depoimento de Léo Pinheiro, presidente da OAS, de que a diferença entre o que foi gasto e o que foi recebido da família Lula saiu da conta do PT.
Peça 4 - Sobre a relevância das evidências
Entre as três, apenas o terceiro ponto tem relevância para o processo.
Ponto 1 – se em lugar de Lula fosse uma atriz de novela da Globo, o tratamento seria igualmente diferenciado. Uma personalidade pública é, por definição, uma personalidade diferenciada. Qualquer empreendimento gostaria de ter o casal Lula como condômino.
Ponto 2 – nunca houve a menor dúvida sobre o interesse inicial do casal Lula pelo tríplex durante determinado período. O ponto central é se o casal ficou ou não com a posse.
Ponto 3 - Esse é o cerne da acusação. As dezenas de evidências recolhidas pela Lava Jato se referem apenas aos Pontos 1 e 2, que não são condições suficientes para confirmar o Ponto 3.
A lógica canhestra da manipulação consiste em juntar uma enxurrada de depoimentos que apenas reafirmam dois pontos incontroversos: Lula estava sendo um tratamento especial; e em determinado período, a OAS estava preparando o apartamento para o casal Lula. Morre aí, totalmente insuficiente para a condenação.
Peça 5 – a prova definitiva
Aí entra o depoimento de Léo Pinheiro, trazendo a prova considerada definitiva pelos juízes: uma mera declaração de que o apartamento era de Lula e o valor foi descontado das propinas devidas ao PT.
A prova decisiva: uma conversa entre Léo Pinheiro e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.
Coloco em negrito e sublinhado porque toda a construção da acusação se baseia nesse ponto.
A denúncia de Léo Pinheiro obedeceu à seguinte trajetória:
1.     01/06/2016 Delação de Léo Pinheiro trava após inocentar Lula (https://goo.gl/kp3whZ).
2.     23/11/2016 recebeu sentença de 26 anos de prisão confirmado pelo TRF4 (https://goo.gl/qFEvgB).
3.     12/07/2017 por ter ajudado no processo contra Lula, Sérgio Moro reduz a pena de Léo Pinheiro a 10 anos e 8 meses.
4.     21/09/2017 Procuradoria Geral da República não aceita a delação de Léo Pinheiro por não ter apresentado nenhum elemento de prova (https://goo.gl/4kn7tF).
5.     Mesmo assim, Moro mantém o depoimento de Léo Pinheiro e o TRF4 reduz sua pena para três anos e seis meses. Como já cumpriu uma parte, deverá ser solto em breve (https://goo.gl/TaY6kp).
E toda a acusação se baseou apenas nisso, declarações de Léo Pinheiro, de que o gasto foi descontado da conta de propina do PT, claramente, nitidamente em troca da redução da sua pena. Sem o acerto, ele passaria o resto de sua vida na prisão.
O tal acerto teria sido combinado em uma reunião com o tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Apenas duas pessoas poderiam confirma a conversa: ele e Vaccari. Vaccari não foi ouvido. Léo não apresentou um documento sequer. No ano passado, declarou não possuir documentos porque Lula teria aconselhado a se desfazer deles.
Nem se entre em outros detalhes, como a desproporção entre a suposta propina ao suposto chefe maior do esquema e o que era pago ao terceiro escalão da Petrobras.
O ponto central foi esse.
Ponto 6 – a retórica midiática de defesa da condenação
Entendido isso, leia agora o artigo “Questão de ordem: Provas, sim, e claríssimas”, de Marcelo Coelho na fonte. É interessante para comprovar a maneira como a mídia em geral constrói seus sofismas.
O artigo tem 4.058 caracteres, divididos da seguinte maneira.
 
Marcelo é um dos bons colunistas da Folha. No artigo, extenso, falou de todas as preliminares, mas não consumou o ato: a prova “acima de qualquer dúvida” de que o apartamento era dew fato de Lula. Limitou-se a endossar todas as afirmações dos desembargadores, como se fossem verdades comprovadas, de fontes intelectualmente idôneas. 
O editorial da Folha, “Condenado”: 
Editorial do Estadão, “Acima de qualquer dúvida” 
Ponto 7 – sobre a nova retórica
Todo o jogo é esse, uma sucessão de argumentos retóricos em que o objetivo final não é a busca da verdade, mas o convencimento do público.
A propósito, é um dos temas desenvolvidos por Chain Perelman, pensador já falecido, que estudou as implicações da “Nova Lógica”, no pensamento jurídico (https://goo.gl/2auhPn)
“Para os retóricos não existe nada em absoluto. As coisas estão mais ou menos corretas, mais ou menos entendidas, mais ou menos aceitas. O embate retórico contra a certeza e contra a objetividade fez-se projetar como teoria do aproximado, do inconcluso, do relativo. [...] Não se espera convencer através de um argumento específico em qualquer debate gerado pela vida quotidiana ou jurídica, a práxis dos falantes revela que o argumentador não sabe ao certo qual dos seus argumentos –perante o auditório ou o juiz- pesará mais. Então ele busca a quantidade, a diversidade e espera, desta forma, ser mais persuasivo.
Entende PERELMAN que para a solução de problemas cotidianos que tenham envolvimento com valores a melhor forma de se buscar uma solução é através da chamada arte da discussão.
O objeto da retórica, segundo PERELMAN, “é o estudo das técnicas discursivas que visam provocar ou a aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento
Destarte, podemos dizer que a Retórica é a adesão intelectual de um ou mais espíritos apenas com o uso da argumentação; é o preocupar-se mais com a adesão dos interlocutores do que com a verdade; é não transmitir noções neutras, mas procurar modificar não só as convicções daqueles espíritos, como as suas atitudes”.
GGN